terça-feira, 19 de abril de 2011

SE CORRER, O BICHO PEGA...

Pinoquio (Studio Disney) / image by Google

Essa história faz parte dos “causos” contados por meu avô Vicente, e se deu lá pelos idos do meio do século passado, em algum vilarejo próximo a Curitiba. Dizia meu avô que tinha por lá um sujeitinho ligeiro na lábia, desses que te faz ficar em dúvida até sobre você mesmo e seu próprio nome. Quem o conhecia, jurava de pés juntos que ele dava nó em pingo d’água e rasteira em cobra. E como tudo naqueles vilarejos virava folclore e era aumentado a cada um que repassava adiante, a responsabilidade por tudo o que acontecia de ruim por ali acabava parando nas costas dele. Sua fama o precedia.

O fato é que, ciente disso, o sujeitinho vivia aprontando, e na maioria das vezes se apropriando do que era dos outros. Os meios que utilizava para tal feito não eram lá muito éticos, como a mentira ou a aplicação de golpes premeditados, e na maioria das vezes, o lesado só se dava conta da coisa muito tempo depois.

O moço já devia para quase todo o vilarejo, até que, cansados da situação, o povo resolveu dar um basta naquela situação e cobrar tudo o que ele devia. E assim foi. Mas, havia outro problema. O sujeitinho parecia ter uma bola de cristal que o avisava quando alguém iria cobrá-lo, e ele simplesmente desaparecia quando isso acontecia. Pensaram e repensaram, até que resolveram agir todos de uma só vez, cercando-o por todos os lados, e fizeram isso logo pela manhã.

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O sujeitinho, quando se deu conta, estava rodeado de gente falando pelos cotovelos. Ele tentou se esquivar de todas as formas, mas o máximo que conseguiu foi se agitar e ficar nervoso. E de tão agitado, enfartou. Ao menos, foi o que pareceu ter acontecido, pois seus olhos semi-cerrados e atentos, caso alguém os visse, teriam denunciado justamente o contrário, ou seja, mais uma de suas armações

--É! Enfarto fulminante... --comentou o dono da farmácia, decretando a morte do sujeitinho sem ao menos tocá-lo ou examiná-lo. --Até que eu gostava desse peste. Mas, por via das dúvidas, vamos enterrar logo, pois vai que ele ressuscita.

Muitos dos que estavam ali ficaram indignados, pois até nessa hora o sujeitinho deu prejuízo. Como não tinha família ou amigos, seriam os próprios moradores do local a pagar as custas do enterro. Então, para não sair muito caro, resolveram fazer aquilo de qualquer jeito mesmo. Falaram com o Padre e o dono da funerária, que também era dono da única loja de roupas da cidade, da fabriqueta de salame e da tropa de mulas, e acertaram a parte do enterro, e depois com o delegado, que como dono do bordel, também tinha muito para receber do sujeitinho. Da parte legal de tudo, além do delegado, o Padre, que caíra na besteira de comprar vinho falsificado do talzinho (pensando em economizar algum dinheiro), também se ocupou.

Levaram o corpo do sujeitinho para a funerária, que funcionava nos fundos da loja de roupas, e o enrolaram dos pés até a cabeça num lençol branco e o deixaram ali por algum tempo, sozinho. E teriam se assustado se tivessem permanecido ali, pois o sujeitinho, assim que ficou sozinho, abriu os olhos e se desenrolou daquele lençol, colocando em seu lugar um manequim que estava jogado num canto. Horas depois, já no cemitério e com o caixão fechado, todos lamentavam a morte dele, dizendo que “apesar de tudo, era um bom rapaz”.

Vários meses se passaram desde a “morte” do sujeitinho, até que num certo dia, no bar do vilarejo, algumas pessoas conversavam despretensiosamente sobre a vida e o quanto perderam em dinheiro para a lábia do “falecido sujeitinho”. Um dos homens se afastou do balcão e foi até o banheiro, já meio tonto com a quantidade de cachaça que havia ingerido. Ao voltar, fixou o olhar na porta e viu alguém parado ali, e carregando um ar muito jocoso. A princípio, não parecia ser ninguém da região, mas, a medida que o homem caminhou para o balcão, viu que aquela pessoa parecia, e muito, com alguém conhecido por ele. Desconfiado e curioso, o homem trocou o rumo e foi para a porta, para se certificar de quem se tratava. Os outros ocupantes do bar notaram e também olharam naquela direção, e se assustaram ao constatar quem era.

--Virge nossa!!! --falou o dono do bar, pálido. --É o sujeitinho...

--Vá de retro! --comentou outro, deixando cair o queixo. --Será que nem o capeta agüentou esse porquêra?

--Eu falei, eu tanto falei. --gritou aquele primeiro, que saíra do banheiro. --Tanto pedi prá enterrar esse praga mais fundo. Agora taí, voltou prá assombrar.

Todos começaram a se benzer e falar o que vinha na boca, assustados. Um dos homens, perto de uma garrafa de cachaça, a pegou e, ao invés de bebê-la, jogou no rosto, como se buscasse acordar daquele pesadelo. Tudo ficou ainda mais agitado quando, repentinamente, o sujeitinho começou a caminhar para eles. Foi o que bastou para gerar um pandemônio. Alguns pularam para trás do balcão, enquanto outros saíram pela janela. O dono do bar, mais afoito, pegou a espingarda de dois canos que deixava na parede, mas com o nervosismo comandando suas mãos, quase atirou no próprio pé. E a coisa só não foi pior porque o Padre, ao ver aquele alvoroço, correu para lá e acalmou tudo, tentando achar uma explicação lógica para o que estava acontecendo.

Após muita conversa, com direito as mais loucas teses e suposições por parte do povo, tudo se esclareceu. O sujeitinho, depois de se ver na maior enrascada de sua vida, criou juízo e achou um bom emprego. Juntou o quanto pode em dinheiro, de forma honesta, e voltou para corrigir seus erros do passado. Pretendia fazer tudo do jeito mais correto, e queria começar a pagar suas dívidas, mas havia esquecido de um pequeno detalhe: para todos os efeitos, ele estava morto.

image by Google
Minutos apenas foram necessários para que todo o vilarejo aparecesse naquele bar, e muito menos tempo foi preciso para a confusão se armar. Conta a história que o padre, ao se dar conta, só conseguiu ver o sujeitinho trilhando as pernas numa corrida espetacular. E atrás dele, todo o povo berrando:

--Pega! Mata esse morto safado!




Marcio JR

13 comentários:

  1. Olá, Márcio!

    O seu avô Vicente deve ser um daqueles sujeitos, com quem uma boa prosa não tem hora para acabar. Não me admira que o neto tenha herdado este dom de narrar tão bem. E curioso, sabe que você tem um jeitinho bem mineiro de contador de causos? *rs

    Sujeitinhos desta laia, tem aos montes por ai. Tem até aqueles que vendem terreno no céu e oferecem engenheiro para a construção. Agora, esse defunto-vivo deve estar correndo até hoje, heim?

    Meu amigo Márcio, este é mais um excelente conto, de leitura agradabilíssima.
    Um grande abraço,
    Celêdian

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  2. Lindo causo e esse danado precisava um castiguinho!!!Aprontou tooooooooodas que pode e não pode!!! rsrs

    abração,lindo dia!chica

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  3. kkkkkkkkkkkkk!
    lembrei-me da música do Ney Matogrosso com o título e ela está dançando na minha cabeça.
    Mereceu esse danado, quem mandou aprontar?
    Só tomando uma liçãozinha para aprender.
    abraços

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  4. Capispiróbas...!!!

    É muito boa essa estória do defunto vivo .. rsss
    Mas como sempre dizô "Tem aquela hora que a gente pensa que vai poder virar SUJEITO HONESTO" ... Que o povo afoito faz a gente desandar e bota tudo a perder...
    Óia!! se em meio século Não consegui pagar tudo o que devo... Só esperar de uma sorte igual a que li no blog da SANDRA... Da Janela do Garden Place... Hehehehe..
    Ela me deu uma receita boa... só precisa investir na idéia e ter um cadim de SORTE!!.. rss

    Deusssssssssskiajude
    Amigo Marcio... Essa estória foi bem típica de cidadezinha do interior meRmo... Ô delicia de LER... rsss

    Abraços
    Tatto

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  5. Bom Diaaaaaaa Marcio meu querido!
    Estou atrasada na leitura aqui, então digo apenas bom dia, vou te ler e depois eu comento Ta.
    BeijOOOOOOOOOO

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  6. Risos...
    Maninho que show!
    Mas a verdade é que a mentira sempre trás coisas tristes e prejudica muito os outros.
    Mas você conta tudo lindamente com jeitinho especial.
    Passei para te deixar um beijo.
    Com carinho.

    Fernanda

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  7. E temmm!! Mentira temmm perna curta!!!!
    hahahahha
    Adorei, marcitcho!
    adoro tudo que escreves!
    Meu beijo e petelecos no nariz de pinoquio! rs
    Samara Bassi

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  8. Ui, agora ele não escapa da "morte matada"...rs

    * Vicente é um nome bonito, gosto muito!

    Um beijo, Marcio.

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  9. hehehe!!! Fiquei foi com pena do falso defunto devedor, afinal ela "só" descentralizar a riqueza, rs...
    Bj meu querido!

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  10. eita ... eita ... eita

    Ele deve tá correndo até agora rsss

    beijos Marcio, abraço pertadinho.

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  11. Ô peste esse sujeitinho! rsrsrs
    Adorei o causo, Márcio! Imaginei cada cena, cada expressão, tudinho.
    Bom passar por aqui e deixar o riso dominar o dia.
    Bjo, querido.

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  12. Mas amigo! Que sujeitinho hei?
    Além de um porquêra o sujeitinho é muito estúpido!
    Porque voltar ao mesmo vilarejo?
    Realmente! Pega! Mata esse morto safado!...e estúpido!
    Márcio, você é demais nos seus relatos!
    Minha admiração de sempre!
    Um lindo dia para você!

    P.S. Lhe enviei um e-mail sobre sobre as dificuldades de atualizar meu blog nas listas de leituras dos amigos. Me deixe saber qualquer coisa, ok?
    Lembranças....

    Ange.

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  13. Causo como este, faz a manhã mais gostosa.
    Parabéns, Márcio!
    Berzé

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