quarta-feira, 28 de agosto de 2013

BATE-PAPO COM SAMARA BASSI

Tantas foram as vezes que escutei de alguém:

"Gosto muito de escrever, mas ninguém me nota. As editoras não querem lançar autores novos ou sem expressão. O leitor não quer ler autor novato... etc... etc... etc..."

Pois é. Enquanto alguns reclamam, outros agem. Trombam daqui, se apertam dali, escrevem nas redes sociais e blogs e, quando vemos, estão lançando seus livros. Você pode até torcer o nariz e dizer que "são livros lançados pelo sistema de auto-edição", mas são livros e, o mais importante, foram escritos e lançados. Estão disponíveis para serem lidos, e não engavetados nas reclamações de alguns autores que passam a vida reclamando do mercado editorial.

E esses livros? São bons? Têm qualidade?

Gostar ou não é algo muito pessoal. E só se pode afirmar se algo é bom ou não depois de conhecer aquilo que se quer avaliar.



"Teoria das inspirações para deixar o ar entrar" (2013, editado pela autora), de SAMARA BASSI, é um livro lançado pelo sistema de auto-edição. E com muito orgulho, fui escolhido para escrever o prefácio.

É um bom livro? Sim, gostei muito. Mas, cabe a cada um julgar, não é? No entanto, e pensando nisso, bati um papo descontraído com a autora, Samara Bassi. Mergulhe nas perguntas abaixo e, por sua conta, comece a conhecer um pouco mais da autora e de sua obra.

Marcio Rutes


Apresento SAMARA BASSI.


Crônicas de Areia - Segundo suas próprias palavras, é “uma delícia a sensação de sair de uma livraria com o seu mais novo brinquedinho. Um livro novinho nas mãos, sempre tem cheirinho de felicidade.”
E qual é a sensação de ter em mãos um livro “novinho” e escrito por você?

Samara Bassi - Continua sendo de felicidade, com certeza. E quer saber? Não tem muita diferença não quando se está segurando nas mãos o que tanto nos enamora o coração.

Livro pra mim é igual doce com uma certa confusão: não sei ao certo se é a gente que devora a ele, ou se é ele que devora a gente. Só sei que se sai lambuzado, de qualquer maneira.


C.A. - Você é blogueira e participa (ou já participou) de redes sociais como o Facebook, Twitter e Orkut. Nesses lugares o que mais se faz é “compartilhar” textos ou trechos de textos de outros autores, famosos ou não. Mas existem muitos autores bons e produzindo textos de qualidade.
Existe espaço para esses autores do mundo virtual, ou a tendência é que a obra produzida por eles acabe soterrada com a demanda diária de informação criada na grande rede?

S.B. - Sim, há espaço para todos no mundo virtual e sabendo que há, vamos dizer assim, uma democracia na rede, cada um pode escolher e criar como desejar, a sua forma de expressão, seja ela escrita ou não. Mas é justamente por essa demanda diária de informações que nos atinge de forma exponencial, que milhares de fantásticos escritores se “perdem” a esse universo de tantos outros, tão bons quanto!

No meu entendimento, torna-se necessário criar mecanismos de pesquisa que filtrem com mais precisão tais informações por interesse, por demanda, por público alvo, diminuindo um pouco esse soterramento. Claro que a concorrência vai existir... mas é bem melhor quando é “cada um no seu quadrado” (risos).


C.A. - Quando você se deu conta de que gostava de escrever?

S.B. - Acredito que não há e mesmo que eu procure, não encontre esse “tempo marcado” em lugar nenhum. Esse “dar conta” na verdade, quase sempre não nos conta muito, ou não nos conta nada. São “pequenezas” que fluem com o cotidiano e se misturam. E garanto: confundem até a gente mesmo.

Não sou escritora, nem gosto de ser considerada assim. Sou é “dedo-duro” do que meus olhos gravam e do que meu coração insiste em sentir. E só.


C.A. - Citei, recentemente, que você “amanuelou”, e não foi por acaso. Qual é a influência que Manuel Bandeira e Manoel de Barros têm no seu jeito de escrever?

S.B. – (risos) Gostei desse “trocadilho” maroto. O Manuel Bandeira eu comecei a ter contato ainda quando estudava, nas aulas de literatura da escola e nas dos cursinhos livres.  Talvez essa “obrigação” tenha despertado algo que me agradasse dali em diante.

Agora o Manoel (de Barros), ahhh esse foi um acaso muito bom de ter conhecido! (risos).

Bem mais recente, foi quem realmente ganhou meu coração e mesmo que ele não saiba, também ganha de vez em quando uma “neta”. Fui tendo contato com os escritos dele, trechos, poemas e me encantando, me encontrando nessa forma como ele cativava o riso, a lembrança, a infância, os elementos que utilizava. Senti como se o conhecesse há anos e hoje ainda é assim. Quando me dei conta, toda essa escrita que me fascinava, pertencia ao mesmo autor. Conheci a criatura muito antes do criador.


C.A. - Quem mais influencia no seu estilo de escrever?

S.B. - Não sou dada a estilos bem estruturados, nem entendo de métricas ou linguagens literárias. Mas confesso que o que me influencia mesmo é o mundo, o meu mundo e as pequenezas que nele acrescento com um pouco do que outros mundos me trazem.

A espontaneidade tão característica de Manoel (de Barros), também me ganhou com a semelhança que encontrei em Guimarães Rosa. Carrego os dois – um em cada lado do sorriso.


C.A. - Muitos escritores adotam “rituais” para escrever ou compor. Alguns se retiram para locais isolados, outros escrevem durante a madrugada, uns preferem a balburdia de uma praça movimentada. Eu mesmo passo um tempo enorme observando pessoas e lugares para compor personagens e cenários, mas não suporto quebra de períodos para escrever. Prefiro sentar e imaginar a história (já com personagens e cenários pré-concebidos ou não – isso depende do momento e daquilo que quero escrever) e parir tudo num único rompante.
E você? Como concebe seus enredos e histórias?

S.B. - Depende muito daquilo que se pretende escrever, dos elementos que influenciaram, do lugar, do tempo, de quem, com quem. O contexto sempre vai existir. Eu por exemplo, tenho escritos que fiquei rascunhando dias na minha mente, uma ideia que ficou martelando a ponto de eu não conseguir me livrar dela, outros que nasceram de conversas com amigos, comentários. Outros ainda, de espontâneos, “flashes”.

Eu tenho uma enorme dificuldade de escrever que não seja numa tela com fundo branco, pois quando as palavras chegam, tenho que escrever direto e ter sempre a mão o querido “delete” funcionando na mesma velocidade do pensamento, tudo pra não perder o fio da meada, nem largar o rabo da palavra (risos). A borracha não teria o mesmo efeito, nem o papel.

Ah sim, tenho outros segredinhos também (risos).


C.A. – Categoria ou gênero de texto. Existe o conto, a crônica, a poesia, o ensaio, etc... A Samara Bassi é uma autora de uma categoria única, ou é eclética? Ou, talvez, autora com um estilo próprio? O que mais te agrada?

S.B. - O estilo ou categoria livre, que pode caber em qualquer um desses que você citou, em muitos, ou nenhum. Não me importam os “trajes”.


C.A. - Você é observadora? Carrega para seus textos aquilo que observa em suas caminhadas pela vida palpável ou virtual, ou gosta de inventar?

S.B. – Sou, sim, muito introspectiva, e isso me torna uma pessoa observadora e muito, até demais, a ponto de eu me calar o tempo todo.

O inventar, pra mim, é a melhor das brincadeiras e a das que mais levo a sério também, seja ela em qualquer assunto, desde que não me limite e me cresça feliz no coração. E isso vem desde lá da minha já senhora e teimosa infância (risos).


C.A. - A espiritualidade é muito presente em suas palavras. Gosto de separar meu lado autor do meu lado “pessoa”. Como autor, viajo entre religiões e crenças, modismos, ideais políticos variados e outros aspectos que variam de acordo com meus personagens. Visto-os e vivo por um período aquilo que eles acreditam. Mas separo meu “eu” não autor. Cada um é cada um.       
E você, Samara? A espiritualidade está presente somente em suas palavras, ou sua vida também é voltada para essa busca de conhecimento?

S.B. - Em relação ao meu “eu autor”, infelizmente (ou felizmente) não sei fazer isso. Eu dificilmente conseguiria ter a capacidade e mais, a habilidade de criar uma personagem de forma alheia à minha pessoa e admiro quem consegue isso.

De maneira direta ou indiretamente, meus textos sempre são baseados em cima dos princípios que carrego, das verdades que cultivo. Deixo bem claro que são MINHAS verdades e que não as imponho a ninguém. E se por acaso eu vier a criar alguma personagem, naturalmente eu a estamparia com elementos que me são valiosos e/ou que me enriquecem, me amadurecem de alguma forma.

Em relação a espiritualidade, ela sempre esteve presente na minha vida. Não me considero uma pessoa religiosa, pois não tenho religião, mas respeito quem possui, embora não concorde com certos dogmas, regras e não aceite imposições que nos são apresentadas, tidas como verdades sem questionar, que são julgadas unânimes sem fundamento e “prometem” punir sem justificativas ou ainda, quando se pretende justamente buscá-las.

Dizem que religião não se discute. Concordo em partes. Na minha concepção, religião se discute, fé não.

Mas o que sempre procurei, e busco cultivar, é a temática espiritual de forma universalista, somando os ensinamentos do oriente antigo com as informações do moderno ocidente e fazendo assim uma síntese inteligente do que eu venha a considerar ser bom pra mim.

Me considero eclética, bem cosmopolita e brinco sempre, dizendo que sou todas e nenhuma, sem “fechar pacote com ninguém” (risos), sem me prender na informação de uma área ou outra, porém, somando as melhores informações e absorvendo o que é viável e que acrescente algo, de cada linha filosófica/religiosa (seja lá qual o nome que isso tenha), sempre com muito estudo e observação e mais, vivência.

Mas só conhecimento não resolve, pois conhecimento não é sabedoria. Então, alinhado ao conhecimento, sempre acreditei e busquei algo que me dissesse mais, porque acredito que todos nós precisamos de amor, de bom senso e ÉTICA pra dar sustentação ao próprio conhecimento para que um dia o conjunto dessas qualidades transforme a nossa ação em sabedoria. Sempre comento, quando me abordam esse assunto, de que há pessoas que podem ser técnicos numa determinada área, gênios em outras, mas que não passam de bebês no plano da consciência. Por exemplo: o gênio tal da área humana tal, critica sem conhecimento e sem fundamento seja religiões, filosofias, paradigmas e que ao mesmo tempo é medíocre nas relações humanas enquanto uma pessoa simples, que não "possui" conhecimentos técnicos de coisa alguma e de alguma forma, ela é sábia nas suas ações, nos seus relacionamentos, na sua maneira de estar no mundo.

Portanto sabemos então que ter apenas o conhecimento, pode levar o ser humano à exacerbação do seu ego. Por outro lado, se o conhecimento tiver alegria, amor, humildade, bom humor principalmente para lidar com as adversidades, aí sim ele se torna uma ferramenta fantástica pra eliminar a ignorância da gente e tocar mesmo a bola pra frente, afinal, somos humanos, que aprendem, erram, amadurecem, erram novamente. Somos imperfeitos, graças a Deus. Seria muito chato se já viéssemos prontos e todos iguais.

Sermos rotulados pela sociedade, já nos basta por enquanto, acredito eu.


C.A. - As pessoas sempre buscaram, de alguma forma, os livros de auto-ajuda.
Não gosto deste termo, pois acredito que a auto-ajuda vale mesmo para quem vende o livro, e na maioria das vezes o que se lê sequer é entendido pelo leitor.
Mas existem alguns livros, que sequer almejam ser de auto-ajuda, que agem diretamente no estado de humor da pessoa, melhorando-o.
Quando você pensou e preparou “Teoria das inspirações para deixar o ar entrar”, em algum momento você teve a intenção de que ele fosse um livro de auto-ajuda, ou isso passou longe de sua cabeça?

S.B. - Pra começar, também não gosto desse rótulo e jamais me passou pela cabeça escrever para tal.

Acontece que os meus textos sempre foram algo meio “catarse”, com um punhado de psicodelismo e no caso do Teoria..., foi um apanhado de “passagens” nas quais foram criadas no decorrer dos meus dias, mais na tentativa de “clarear minhas verdades” do que qualquer outra coisa. Foram também a partir de conversas, de ideias, de espontâneos. Longe de ser um estabilizador de humor, ou antidepressivo, ou ainda de ser uma sessão de terapia (desculpe a brincadeira - risos) o livro é mais uma coletânea de reflexões, pensamentos com a temática da poesia que sempre esteve presente na minha vida, assim como a espiritualidade, não a religião.

Achei a ideia interessante de que se algo que escrevo me melhora, me faz bem e me ajuda em algum aspecto, seja interno ou externo, em situações importantes e sem importância também, por que não poderia fazer pra outras pessoas também?

Palavra é igual remédio: cada um sabe aquela que te dá sono ou que te ataca o estômago.


C.A. - Não é a sua primeira experiência com auto-edição. Vejo também que não há o interesse em “ganhar dinheiro” com seus lançamentos.
É muito difícil lançar um livro pelo sistema de auto-edição? Este lançamento é para satisfação pessoal, ou tem alguma outra pretensão neste lançamento?

S.B. - É claro que ao lançar um livro, tem-se algum interesse financeiro nele, pois se está lá é porque alguém quer vender e espera encontrar alguém que se interesse por ele e compre-o. O que diferencia, é a prioridade.

Neste caso, a prioridade foi e continua sendo uma realização pessoal, de princípios e, quando te oferecem a oportunidade de construir o seu próprio livro, junto com um espaço para sua publicação, praticamente sem gastos e tudo isso, contribuindo para que o seu trabalho possa se difundir, por que não?

Vale com certeza a brincadeira, digo, a experiência (risos).


C.A. - Qual seria sua reação se não for vendido nenhum livro? Frustração?

S.B. - Seria também, afinal, seria estranho se não me sentisse frustrada. É bem como filho, que a gente cria e quer espalhar pelo mundo. Quer apresentar, quer que o mundo conheça, seja segurando-o nas mãos, seja pelo porta-retrato.


C.A. - Quanto ao mercado editorial, como você vê o interesse das editoras pelos novos autores e, especialmente, autores que se aventuram em blogs e que não têm dinheiro para bancar um lançamento? As editoras dão espaço para esses autores?

S.B. - Resumidamente, por um lado é uma grande oportunidade que oferecem às pessoas, sabendo que os blogs (entre outros) são um universo riquíssimo de nuances, diversidades, de interação - o que resulta quase sempre de um árduo garimpo.

Por outro lado, não. Diante da descoberta de bons escritores, de certa forma a editora, já visando lucro, vai tentar moldar esse escritor de forma a suprir a necessidade desse mercado também, podando, muitas vezes, a naturalidade, a espontaneidade que o autor tinha quando interagia somente em blogs e afins.


C.A. - Você tem seguidores fiéis, que amealhou nesse tempo em que escreve nos seus blogs.
Qual é a sensação em saber que existem pessoas que, mesmo silenciosamente, te seguem e admiram mesmo você não sendo uma autora reconhecida ou conhecida  pela crítica?

S.B. - Sinceramente, esse “anonimato” tece verdadeiramente uma rede daqueles que te querem bem e é dele que gosto.

Não quero escrever para robôs, mas para pessoas. Melhor, quero escrever apenas, a começar para eu mesma. Se palavra minha tiver que tocar alguém, alcançar alguém, que seja o coração. Que a vinda seja do outro lado da ponte para o lado que eu estiver. Quem vier e ficar, é porque cativou-se, de alguma forma. E quando houver críticas, que também seja por aqueles que me querem bem, para que eu possa me reconstruir, remontar, me atentar pras falhas, também.

E não somente apontar o erro, acusar, destruir.


C.A. - Neste último lançamento, você fez praticamente tudo sozinha. Escreveu, compilou os textos, diagramou, revisou, trabalhou a capa e montou o livro.
Sente-se realizada, ou fica aquela sensação de que as coisas poderiam ser mais facilitadas, frente a tudo o que se vê no Brasil, como o alto índice de impostos que pagamos?

S.B. - Sim, sempre existe a realização por ter um livro do nosso jeitinho. Mas por outro lado, há tanta dedicação mas a recompensa, assim como a valorização são mínimas. E isso também desanima às vezes. E digo também em relação à literatura, em geral, mesmo estando cada vez mais difundida.


C.A. - Falamos, até agora, dos novos autores e do meio virtual. Mas, e os novos leitores? Como você vê esse grupo enorme que consome informações diariamente na web?
Eles estão interessados em literatura como essa que conhecemos (disposta em livros físicos ou e-books), ou são mais voltados para conteúdo enlatado ou resumido, tipicamente encontrado nas redes sociais e blogs?

S.B. - Isso dá muito pano pra manga.

Há leitores de todos os jeitos. Claro que há aqueles que lêem, discutem, interagem, questionam o que estão lendo. Mas a meu ver, assim como a tecnologia e as praticidades facilitam o acesso a informação de forma instantânea, também de certa forma, estão “empreguiçando” nossos leitores a compreenderem o que estão lendo. Leem, mas não assimilam.

A dificuldade já não está na “digestão”, mas no mecanismo da “mastigação” e isso já nem fazem mais. O próprio corpo já se satisfaz com as “papinhas”. A mente, com a “sopa de letrinhas”. Infelizmente.


C.A. - E o plágio? Ele existe? Como se ver livre de ser plagiada?

S.B. - Existe. Livre completamente, muito difícil. Claro que há mecanismos que dificultam seja a cópia de textos, fazer uso de avisos, comunicados, ajuda de mecanismos de pesquisa e motores de busca entre outros. Mas qualquer um que se aventure a se expressar na rede, e até fora dela estará suscetível a ele.


C.A. - Você teve uma experiência não muito agradável quando iniciou nos blogs e redes sociais. Diante da inexperiência e, talvez, pela pouca idade, plagiou alguém. Quando se deu conta, se retratou e tomou consciência da gravidade de seu ato, retirando do ar aquilo que havia copiado sem dar os créditos.
É claro que a sensação que ficou é amarga. Como agir ao notar que cometemos um erro assim? Deve-se retirar o conteúdo do ar de forma imediata? E como conversar com aquele que foi plagiado?

S.B. - Infelizmente, foi uma experiência mais que desagradável. Diria que também foi doída. Felizmente, porque me sinto ter aprendido com minhas falhas daquela época, com meus desconhecimentos e sei que dei a volta por isso (e isso não é do dia pra noite, pode levar anos). Mas sempre ficará essa sensação amarga, e sim, a consciência sempre remói.

A forma de agir, acredito, terá que vir de ambos os envolvidos. Depende de como tudo aconteceu, onde e envolvendo quem. Quando a pessoa se dá conta e também quando é alertada por outras pessoas, ou pela própria que está tendo o seu trabalho prejudicado, que foi o meu caso, tem sim que procurar reparar a atitude (tenha sido ela feita com consciência, ou por desconhecimento, feita sem a intenção de ferir, prejudicar).

Gente, plágio não é somente copiar e não dar os créditos. É copiar sem autorização, mesmo atribuindo a autoria correta, é alterar conteúdo, é acrescentar, distorcer. E não é somente para textos, mas músicas, imagens, tudo aquilo que carregue uma atribuição intelectual.

Quando acontece, é claro que quem foi plagiado vai se revoltar, vai xingar, agredir e vai mover uma multidão contra a pessoa e eles estão certos, eles têm toda a razão por agirem assim. Mas é nesse momento que apesar da vergonha e até mesmo da humilhação, quem cometeu o plágio tem que esquecer todas as outras pessoas que se envolveram e tomaram conhecimento e se voltar apenas para quem se sentiu e foi, sem dúvida, prejudicado pelo nosso ato. A retirada do conteúdo do ar, a atribuição dos créditos vai depender de cada caso. E tanto o plagiado quanto quem plagiou devem sim se comunicar e mais, por mais que seja dificultoso para ambos, devem tentar estabelecer uma conversa, um diálogo, a humildade em admitir o erro e tentar corrigir, mesmo diante de todas as acusações e xingamentos que COM CERTEZA vai ouvir e que irão machucar, também.

O plagiado deve tentar também um “acordo”, seja exigir o que é de direito, que seria a exclusão, a atribuição correta do conteúdo, que seja, mas também, procurar instruir, alertar a pessoa que o plagiou para que não cometa, não reincida no erro, nem com a mesma pessoa, nem com outros.

Há muitos sites abordando esse assunto, orientando, educando.

Gente, direito autoral é coisa séria. Não pense que a internet é mundo sem ninguém ou um mundo sem lei, onde tudo é livre e de todos. Não tenha raiva de quem te acusou, pois a pessoa estava no direito dela sim e eu no lugar dela teria com certeza feito o mesmo, hoje eu dou toda a razão e compreendo. Mas quando tiver dúvidas, pergunte, procure saber, informe-se. E dê a volta por cima. A marca sempre vai ficar, mas o aprendizado, também  ninguém te tira.


C.A. - Plágio. Errar é humano.
Na questão anterior, perguntei como reagir quando você se dá conta que plagiou alguém. Mas, e como você reage quando descobre que está sendo plagiada? Ou quando alguém se utiliza de algo seu, como sua foto, e se nega em retirar do ar?

S.B. - Como já havia comentando anteriormente, orientar e mostrar o quanto esse gesto é feio, prejudica muita gente e justamente por isso é criminoso. Mostre sim que você está indignado, tem todo o direito de fazer exigências, mas além disso, oriente, demonstre que não gostou. E, se houver reincidências, ou não for atendido, o caminho que resta será um processo judicial. Deixe isso claro.


C.A. - E após ser plagiado? É claro que aquele que foi plagiado sempre ficará com a pulga atrás da orelha com relação aquele que cometeu o plágio, e vez ou outra fará visitas para ver se a pessoa não está cometendo novamente o mesmo ato.
No entanto, algumas pessoas tornam-se quase neuróticos com relação a isso. Começam verdadeiras perseguições até mesmo contra aquele que cometeu o erro e se redimiu, consertando a situação. Essas pessoas, dentro dessa neurose, se reparam que a pessoa usou algo meramente semelhante aquilo que eles escreveram em algum lugar, já acusam de plágio, mesmo sem ter razão.
Como reagir numa situação assim?

S.B. - A pulga atrás da orelha sempre vai existir e quanto às visitas, eu faria o mesmo. Mas quando as perseguições e as acusações se tornam “compulsivas” a ponto de uma vírgula ser considerada plágio, mesmo que não tenha mais sido cometido, comece por não baixar a cabeça. Cabeça erguida e consciência tranquila agradecem. O resto, as pedras difíceis, essas serão contornadas ao longo do caminho.

Respeito acima de tudo, de ambos os lados. É sempre tempo de aprender. E ensinar, também.


C.A. - Acompanhei o nascimento do “Teoria...”. E foi tudo muito rápido. Você teve a ideia, fez a coleta, editou, pensou a capa, montou o livro e publicou num prazo curtíssimo. Mas a obra em si não foi composta assim, tão rapidamente. Ela é uma coleta de seus momentos, de seus dias de escrita.
Quanto tempo existe, aproximadamente, entre o que é mais antigo e o que é mais recente nessa coletânea?

S.B. - Um tempo médio de três anos (para o que é mais antigo), e aproximadamente poucos dias para o que é mais recente (risos).


C.A. – Como existiu essa diferença de tempo entre o que foi escrito lá atrás e o que é mais recente, mudou alguma coisa no seu modo de agir ou pensar entre ter escrito a primeira e a última sentença dessa coletânea?

S.B. - Mudar a essência, essa eu acredito que nunca mude, mas ela pode ser lapidada em certos aspectos que favoreçam o crescimento de cada um.

Aprendi a ter mais paciência (na verdade, venho aprendendo), a confiar mais em mim, a ser mais tolerante e também mais crítica quando necessário. E algo que me valeu muito e sempre me ajuda, é que ao ler e reler o quê eu mesma escrevi, sempre tenho vários pontos em vista, como por exemplo de uma determinada situação e dessa forma, me permito mais facilmente a me perdoar mais em relação à passagens minhas e que na época, eu não compreendia e nem se mostravam tão claras para mim.


C.A. - Existem autores que gostam da fama. Vivem dela e para ela. No entanto, há uma gama enorme de ótimos autores que são introspectivos, tímidos e que não são dados a ficar sob as lentes dos holofotes. Escrevem pelo simples prazer de escrever.
Você é assim, escreve para saciar a sua vontade, e não para figurar em listas de autores ou coisas do gênero. E isso é notório pelo seu jeito de agir.
Como foi, para você, quebrar essa barreira entre a introspecção e a publicação de seu primeiro livro?

S.B. - Aí é que tá! “Como explodir sem deixar rastros? Como implodir sem sentir dor?” (citação de autor desconhecido).

É muito difícil para as pessoas (e até pra gente mesmo) compreenderem, muitas vezes que, quem escreve para fazer sorriso, nem sempre deseja mostrar o próprio sorriso. Egoísmo? Não. Um direito.


C.A. - Tem medo de críticas desfavoráveis?

S.B. - Sim. Todo mundo tem. Mas mesmo que exista qualquer crítica, sempre esperamos por aquela que seja construtiva.

A questão da crítica, no meu parecer, não é ela em si, mas mais importante é a forma como ela é enviada. Uma crítica que, mesmo que tenha tido a intenção de melhorar, dependendo da forma como ela é elaborada e diria sim “bombardeada”, não vai adiantar nada, vai destruir, inferiorizar da mesma forma.

É aquela história: Mais importante do que dizer, é como ser dito.


C.A. - Já que falamos em “críticas”, existe um número enorme de pessoas que sequer sabe o significado dessa palavra. Pensam que criticar é o mesmo que falar mal.
A crítica, no entanto, é algo muito pessoal e ao contrário dessa crença errada de alguns, pode ser favorável ou não. Porém, deve ser fundamentada.
Sabemos que algumas pessoas criticam algo sem sequer se dar ao trabalho de ler o que estão criticando.
Você já recebeu críticas desfavoráveis e, o que é pior, que considerou infundadas, vindas de pessoas que sequer se dispuseram a ler o texto?

S.B. - Ah sim. Não somente críticas, como também “elogios” que não coincidiam com o que estava exposto. Não pelo conteúdo em si do comentário, mas pelo vazio tão explícito contido no vão de uma palavra e outra, de quem disse e não quis dizer, de quem passou e comentou sem mesmo ter lido. Que não tivesse comentado, então. Nem cometido.

Parece chatice, mas gente, leia o que for comentar. E isso não tem nada a ver com “a interpretação é de cada um”.


C.A. - Cada um tem uma história diferente quando se pergunta como começaram a gostar de ler ou escrever.
Pode-se dizer que Samara Bassi começou esse “namoro” com as letras nos gibis?

S.B. – (risos). Ahhh, sim! E confesso que hoje sinto umaaaa faaaaalta! Esse “brinquedinho” virou hoje uma raridade. E a Magali* já foi tanto a minha amiga (risos).

*(Turma da Mônica – Maurício de Sousa)


C.A. - Você gosta de fazer as coisas por conta própria. Se não sabe fazer, batalha até aprender. É, também, uma pessoa detalhista.
Na hora de editar o livro, você “brigou” muito com você mesma?

S.B. - Muitas e muitas vezes. Não só comigo, é claro, mas com as várias que existem em mim (risos).


C.A. - Futuros lançamentos?

S.B. - Ainda são sementes em “construção”.


C.A. - Pra encerrar, em algum momento de sua vida você deixou de escrever algo que gostaria por medo de que não fosse compreendida, ou sempre escreveu o que queria?

S.B. - Sempre há algo que a gente gostaria de ter escrito e/ou de não ter escrito, também, mas que foram concebidas numa época em que tiveram que ser ditas.

Benditas ou malditas, vai depender da história guardada em cada uma e de quem as lê.

Sempre há algo que a gente não conta, mais pelo medo da gente mesmo descobrir do que pelo receio de que outras pessoas venham a realizar tal fato. Talvez eu tenha também, sei lá.

Grata a todos que passaram por aqui. Obrigada.

Samara Bassi


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domingo, 18 de agosto de 2013

TUDO CULPA DO SALAME

image by Google
―Cadê a mala, amor?

―Ali no canto. Mas, pra que essa pressa?

―Taylane, minha amadinha. É nossa filha que vem nascendo! Qualquer erro nosso, qualquer descuido, e pode ser fatal pra ela! ―o marido se agitava, enquanto corria de um lado para o outro, completamente desesperado. ―E fica sentada aí na cama, senão vai molhar tudo. E a bolsa?

―No guarda-roupas, amore!

―Não essa! A bolsa da tua barriga. Gravidez. Lembra?

―Ah! Essa? É! Ela tá aqui ainda.

―Bom! Já liguei pro seu pai, e ele já deve ter saído de casa. Tá vindo pra cá. Já liguei para a sua médica, e também para o hospital. Tudo certo. Vamos embora?

E lá foram os dois, porta afora. Quando entraram no elevador, o marido tirou uma lista do bolso e começou uma checagem de cada item.

―Pelo visto, não esquecemos nada. A Taylândia vem ao mundo cercada de todos os cuidados.

―Washington Wesley Wanderson da Silva! Dá pro senhor se acalmar?

―Mas, meu amor! É o dia mais importante de nossas vidas.

―Eu sei. Mas você precisava me depilar também? ―ela questionou, fazendo cara de tristeza.

―Não reclame. Sei lá quem iria fazer isso lá no hospital. E nem pensar em saber que qualquer homem olhou as coisas da minha mulherzinha.

―Deus do céu! Você é um poço de ignorância, Washington Wesley Wanderson da Silva!

O pai de Taylane, quando viu os dois aparecerem na porta do elevador, já correu para encontrá-los. Todo afoito, mal cumprimentou e já saiu carregando a filha para o carro.

―Pai, por que essa pressa?

―O WWW (o marido) está com a razão, minha filha. É a Taylândia que precisa desse cuidado todo. Você é minha única filha, e ela é minha primeira neta. Então, sossega aí que vou colocar a sirene no carro pra abrir caminho.

­―Por favor, papai! Sirene não, eu imploro! Vou morrer de vergonha. Tudo bem que o senhor é delegado, mas pra quê isso?

A pobre coitada mal foi escutada. E assim, os três chegaram ao hospital. O marido e o sogro literalmente pularam do carro e correram para a rampa, mas pararam assim que notaram a falta de Taylane. Quando olharam para trás, repararam a moça já saindo do veículo, toda torta e segurando as costas. Voltaram e cada um pegou num braço, carregando-a sem deixá-la encostar os pés no chão.

Dentro do hospital, tudo encaminhado. Era só esperar pela médica, que não demorou para chegar.

―Demorou, doutora! ―o marido, batendo o pé, reclamou.

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―São 4 horas da madrugada. Até os médicos dormem, vez ou outra. E um nascimento não é assim, como quem tira uma rolha de uma garrafa, sr. Washington. Bom, vamos lá! Cadê minha paciente?

O marido olhou para o relógio e apertou um botão qualquer. A médica, ao vê-lo fazer isso, baixou os ombros e desanimou, mirando-o diretamente nos olhos.

―Você não fez isso de novo, não é? Era só mais um treinamento?

―Duas horas e três minutos. Precisamos melhorar esse tempo! Não acha, meu sogro?

―Concordo, WWW! Acho que mais uns três treinamentos e baixamos uns 45 minutos.

―Eu não acredito! ―a médica bufou, saindo para o lado. ―Isso é uma gravidez que está no oitavo mês, e não um jogo de futebol. Vocês são loucos?

A médica sentou ao lado de Taylane e colocou a mão na barriga da moça.

―Coitada dessa criança! O pai é um doido, e o avô apóia e colabora. O que eu fiz pra merecer um cliente assim?

―Você, doutora? E eu? Convivo com esses dois malucos o tempo inteiro!

Um mês depois, uma mensagem fez o telefone de Washington vibrar. Era Taylane, dizendo que estava com vontade de comer salaminho. O marido, exagerado em seus atos, passou no açougue e comprou logo dez unidades.

“Vai saber qual é o que ela tá com vontade de comer!”. ―ele pensou, indo para o carro.

Ajeitou tudo no banco da frente do veículo e se preparou para sair, mas um dos salames insistia em não ficar na sacola. Ele, tranquilamente, pegou o salame e enfiou no bolso da jaqueta. O que importava, naquele instante, era voltar para casa. Já era tarde e ele estava cansado, e possivelmente a esposa só esperava por aqueles ditos salames para poder se saciar e repousar.

―Vou correr, senão é capaz da minha neném nascer parecida com um salame.

Já em casa, ele colocou a jaqueta nas costas da cadeira e chamou a esposa. Ela não se fez de rogada. Comeu até se refestelar. Mas o desejo foi além. Ainda fez o marido preparar pudim, brigadeiro de panela e macarrão com molho. Para encerrar, tomou quase meio litro de Coca-Cola sem gelo. O marido só olhava, sem entender como aquilo tudo poderia se ajeitar dentro da franzina esposa.

Durante a noite, na cama, ela parecia inquieta. Virava-se constantemente, até que dormiu. Repentinamente, o marido colocou uma das mãos nas pernas da esposa e reparou algo estranho. Então, tratou de chamá-la.

―Amorzinhoooo. Acho que você tomou refrigerante demais. A cama tá toda molhada.

Ela acordou e tateou a cama, constatando que era verdade aquilo que o marido falara. Ficou parada alguns instantes e, quando o marido acendeu as luzes, os dois se olharam, assustados.

“A bolsa estourou”! ―os dois gritaram, juntos.

―WWW, calma. ―a esposa, que jamais chamara o marido pelo apelido, gritou, tentando impor alguma ordem.

Ele sequer prestou atenção no que ela falava. A primeira coisa que fez foi ligar para o sogro, que obviamente, dormia profundamente.

―Alô, meu sogro. A bolsa estourou!

―O quê? Como? Bolsa estourou? ―o sogro balbuciou, até que acordou num estalo, assustado. ―Que inferno! Como? Então perdi todo meu dinheiro que estava investido lá? Eu sabia que aquele corretor iria me passar a perna... ―um instante de silêncio. ―Mas de qual bolsa você está falando? Eu não investi nada na Bolsa de Tóquio! E nesse horário, só a bolsa japonesa deve estar aberta!

―A Taylândia, seu tonto! ―Washington irritou-se, tentando explicar que era a bolsa da barriga da esposa.

―Piorou! Se eu não investiria no Japão, vou investir na Tailândia? Tá burro, é?

―Burro tá você, seu tonto! Não é o país. É a Taylândia, a sua neta. A bolsa que rompeu é a da Taylane. Acordaaaaaaa. E vem logo pra cá, que eu to preparando tudo!

Ao desligar, o marido correu para a gaveta de sua escrivaninha, para procurar a lista de providências a serem tomadas naquele instante. Mas não achou nada. Desesperado, começou a contar nos dedos, até que parou e olhou para a esposa, que tranquila, só esperava por ele para poderem descer até a entrada do prédio.

―Como...?

―Bom, enquanto você se desespera, eu penso. E faço as coisas com calma. Vamos?

―Mas, e a...?

―Já peguei.

―E a...?

―Também!

―E... e... e...?

―Dá pra calar a boca e se vestir logo, que to começando a ter contrações? ­―Taylane não se aguentou e soltou um berro, fazendo com que o marido corresse para a cozinha e vestisse, unicamente, a jaqueta.

Ela, com contrações, mal reparou que o marido esquecera as calças. Naquele instante, ela notou que precisava pensar nela mesma, ou então, as coisas poderiam piorar um pouco. Chegara a hora de ver se aqueles treinamentos valeram para algo.

E tudo já se mostrou estranho no elevador. A demora foi tanta que o marido já pensava em descer pelas escadas mesmo. Até que, repentinamente, a porta do elevador abriu e eles puderam entrar. La dentro, um zelador já idoso descia com alguns apetrechos para limpeza. Ao ver aquele casal, arregalou os olhos, principalmente ao reparar que o marido estava apenas de cuecas. Mas calou-se. Vai que era alguma nova moda?

Lá embaixo, na entrada do prédio, o sogro já esperava, ansioso. E ao vê-los, tomou um susto.

―WWW. Pode me explicar esses trajes?

Washington sequer prestou atenção nas palavras que o sogro dissera. Passou por ele e foi até o porta-malas do veículo, jogando para dentro toda a bagagem que carregava. Deu novamente a volta e entrou, mandando o sogro acelerar.

Duas quadras mais adiante, o sogro parou o carro e ficou olhando para o genro, que estranhou o fato.

―Parou por que? Estamos com pressa, não estamos?

―Seu animal. Você me fez esquecer minha filha lá atrás.

Enquanto os dois discutiam, outro veículo dobrou a esquina e, sem esperar que o veículo daqueles dois estivesse parado bem no meio da avenida, chocou-se com o carro do sogro de Washington. O delegado desceu rapidamente e começou a xingar o outro motorista. Ou melhor, a “outra” motorista.

―Tinha que ser mulher! E, claro, só poderia dar nisso! Eu sou delegado, sabia?

―E eu sou juíza, sabia? E sabia, também, que o seu veículo estava parado de forma irregular, no meio de uma via pública?

―Calem a bocaaaaaaaaaaa!

Todos silenciaram e olharam para trás. Era Taylane, que arfante, acabara de chegar até onde eles estavam.

―As contrações estão aumentando. Vai nascer logo!

O desespero foi geral. Até a juíza, que sequer sabia o que estava acontecendo, entrou na dança. Precisavam ir rapidamente para o hospital, mas o veículo do pai de Taylane, naquele estado, sequer sairia do lugar. O carro da juíza também ficara muito avariado, e naquele horário não havia viva alma na rua. O marido tentou usar o telefone celular, mas estava sem bateria. O sogro, na pressa, esquecera o telefone em casa, e a juíza, ao procurar pelo telefone dela, descobriu que quebrara no acidente.

―E agora? O que fazemos? ―o marido suplicou, olhando para a juíza.

―Ei... eu poderia prendê-lo por atentado ao pudor, moço.

O pai de Taylane andou um pouco e reparou algo que poderia ajudar. Pediu aos outros que esperassem e, um pouco depois, voltava até eles com uma carona.

―Pai, isso é um caminhão da coleta de lixo!

―É um veículo, não é? Entra logo. Vai!

O marido ajeitou a moça na cabine do caminhão, e como não havia lugar para todos por lá, o pai e a juíza, que resolveu acompanhar para não perder o delegado de vista, precisaram ir na parte de trás do caminhão, literalmente pendurados.

Como o motorista havia recebido ordens tanto de uma juíza quanto de um delegado para “andar depressa”, abusou o quanto pode. Parecia se divertir com a situação. Mas não parava de olhar para as pernas de Washington. Não entendia por que alguém andava apenas de cuecas naquela hora da madrugada.

Na parte de trás do caminhão, cada um se agarrava como conseguia. E a pior parte ficou para o delegado. Numa das curvas, um saco de lixo se desprendeu e caiu sobre ele. No interior, algum tipo de líquido com cheiro putrefato derramou todo nas calças do pobre coitado. As blasfêmias eram ouvidas a metros de distância, mas logo foram substituídas por sonoras gargalhadas, pois ele reparou que não havia sido o único atingido por aquele líquido. A juíza também estava toda molhada, e completamente irritada. Com as calças encharcadas por aquele líquido mal cheiroso, ela não sabia se xingava ou chorava.

Quando o caminhão parou diante do hospital, o delegado pulou e tratou de tirar as calças, para se ver livre do mal cheiro. A juíza, estranhando aquilo, baixou o olhar e reparou que a situação dela também estava complicada, e piorava ainda mais com aquele cheiro insuportável. Sem escolha, e tomada pelo instinto de não perder o delegado de seu ângulo de visão, não pensou duas vezes. Também arrancou as calças e foi atrás daquele homem.

Na recepção do hospital, um alarde estava montado. Na pressa, ninguém lembrou de ligar para a médica. E quando conseguiram localizá-la, descobriram que ela não chegaria a tempo para fazer o parto. Um enfermeiro, vendo que ninguém se entendia e já conhecendo tanto Washington quanto o pai de Taylane, tratou de puxar a moça para o lado, e levou-a para outra sala, para tranquilizá-la e iniciar os procedimentos necessários. Enquanto isso, na recepção, a bagunça só criava mais tamanho, até que a atendente não aguentou e ameaçou chamar a polícia.

―Pode chamar. Eu sou delegado.

―E eu, juíza!

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―Então, vocês vão calar a boca, porque isto aqui é um hospital. Vocês estão pensando o quê, afinal? E posso saber por que os três estão quase pelados? Vocês estavam onde? Numa suruba?

―Olha o respeito, menina! ―o delegado levantou o dedo, irritado.

―Baixe o dedo, senhor! ―a enfermeira retrucou. ―É desse jeito que um delegado resolve as coisas? E mais um detalhe! Que cheiro dos infernos é esse? Ecaaaaaaa.

Os três se olharam, e só então Washington reparou que estava sem calças. O pobre coitado parecia desnorteado. Toda a sua atenção e zelo viraram naquilo. Sentia-se um fracassado. Mas balançou a cabeça, sabendo que não poderia ficar ali parado. O sogro e a juíza, engalfinhados numa briga de impropérios e palavrões, não ajudariam em nada, e a esposa sumira.

Washington aproveitou que a atendente estava distraída com a briga dos outros dois e saiu de fininho. Foi se enfiando pelos corredores, até que por uma janela de vidro ele notou a esposa deitada numa maca. Bateu no vidro e, quando estava por abrir a porta, um enfermeiro segurou-o pelo ombro.

―Posso saber o que o senhor está fazendo aqui?

―Sou o marido daquela moça ali!

―Vai assistir ao parto? Então, venha comigo! Mas antes, o senhor pode me explicar onde estão suas calças?

Washington não teve muita escolha e seguiu o enfermeiro. Aquilo não estava nos planos dele. Assistir ao parto da esposa? Ele não suportava ver sangue. Entrava em desespero a cada vez que isso acontecia.

Quando chegaram na outra sala, onde o enfermeiro iria preparar Washington para assistir ao parto, o rapaz se desesperou. Precisava fazer algo. Então, quando o enfermeiro se distraiu, ele pegou um gorro e um avental médico e saiu silenciosamente. Vestiu-se no corredor mesmo, e se esgueirou, olhando para todos os lados como se estivesse numa cena de guerra. Inesperadamente, escutou algumas vozes e entrou na primeira sala que viu. Era uma sala com uma porta enorme, dividida em duas partes, mas ao que parecia, era apenas uma ante-sala. E para o azar do rapaz, aquelas vozes estavam cada vez mais próximas. O que restou para ele foi seguir em frente, até abrir outra porta igual a primeira. Assustou-se, pois acabou dando de cara com várias pessoas rodeando uma mulher, que estava deitada em uma mesa.

―Taylane? ―Washington murmurou, reconhecendo a esposa.

―Quem é o senhor? ―a pergunta veio de um homem enorme, que estava parado do outro lado da mesa onde a esposa se encontrava deitada.

Washington foi ladeando a mesa lentamente, até parar ao lado daquele homem.

―Eu sou o marido. E o senhor, quem é?

―Eu sou o médico que irá fazer o parto, pois a doutora Luiza não chegará a tempo.

Nesse momento, Washington olhou para a mesa onde a esposa estava deitada. O que ele viu, acabou fazendo com que um nó descesse por sua garganta. Taylane estava com os joelhos dobrados e abertos, e completamente desprovida de qualquer vestimenta.

Sem saber o que fazer, o rapaz enrubesceu e olhou para o médico. Gaguejou algumas palavras, e começou a arrancar o avental que utilizava, até ficar apenas de jaqueta e cuecas. Estava irritado e com ciúmes, e só pensava em afastar o médico dali. Suas mãos, afoitas, acabaram parando dentro dos bolsos, e ele notou que havia algo num daqueles bolsos. Algo redondo e comprido, o salame. Então, pegou-o e começou a ameaçar o médico.

―Nem pense, seu doutorzinho. Nem pense que você vai ficar ai, olhando as coisas da minha mulher. ―o rapaz bufava e balançava aquele salame bem perto do nariz do médico.

Uma das enfermeiras, vendo a cena, tentou interceder, e o médico aproveitou a situação para “desarmar” o rapaz. Mas como ele não parava quieto, o médico largou o salame no primeiro lugar que viu, e que foi justamente na mesa onde Taylane estava, bem entre as pernas da moça.

Outro enfermeiro entrou com uma câmera nas mãos. Taylane havia encomendado o registro em vídeo do nascimento da filha, e ele começou a filmar. Ao lado, ninguém se entendia. Duas enfermeiras tentavam conter Washington, enquanto o médico, desesperado, fazia de tudo para voltar para seu posto. Taylane, entre soluços e gemidos, tentava chamar a atenção de alguém, até que, num resto de forças, soltou um berro.

―Socorroooooooooooooo.

Todos pararam imediatamente. O médico arregalou os olhos, mas não descuidou do rapaz, que estava, àquela altura, bem preso nas mãos das enfermeiras. Mas Washington foi o primeiro a perguntar algo.

―Nasceu?

Novo silêncio. Até que o enfermeiro, que filmava tudo, se voltou para as pernas de Taylane e caiu na gargalhada. Em seguida, desligou a câmera e olhou irônicamente para o rapaz, dizendo:

―Olha! Tem algo aqui, mas se for uma criança, acho que sua mulher deve ter ficado com muita vontade de comer alguma coisa, porque tá com uma cara danada de parecida com um salame.

Aquelas palavras, por mais que fossem apenas por brincadeira, surtiram um efeito não esperado em Washington. Ele, ainda mais irritado, livrou-se das enfermeiras, mas foi contido pelo médico. Taylane, vendo que não aguentaria mais, relaxou o corpo, e sem esperar, sentiu que Taylândia começava a dar as caras ao mundo. E como ninguém se entendia novamente, o enfermeiro que filmava largou a câmera e fez o que sabia. Amparou a criança e ajudou no parto. Minutos depois, um choro tomava o ambiente.

―Ah! Agora nasceu. E é uma menina! ―o enfermeiro comemorou, segurando a criança nas mãos. ―Mas ainda não entendi por que esse salame estava aqui! É alguma simpatia?

Um silêncio aterrador tomou conta daquela sala, quebrado unicamente pelo barulho do rapaz se estatelando ao chão.

Algumas horas mais tarde, com um número enorme de policiais e jornalistas na recepção do hospital, uma repórter gravava a matéria que iria ao ar naquele dia.

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―...ainda não sabemos se tudo isso foi algum ritual de um desses grupos de malucos que aparecem a todos os instantes, ou se foi um ato isolado de um pai desesperado, que ao se ver sem atendimento neste hospital de luxo, entrou em pânico. O que se sabe é que uma juíza e um delegado, que possivelmente fazem parte desse grupo de malucos que tentou dominar o hospital, foram flagrados a poucos instantes, trajando apenas roupas íntimas, numa das salas do hospital. Segundo testemunhas, os dois estavam lambuzados de sabão líquido da cintura para baixo, e exalavam um cheiro estranho, possivelmente "provindo" de alguma substância estranha, ou de algum ritual maluco que eles faziam. Muito estranho. Será parte do ritual de acasalamento desse grupo esquisito? Por sua vez, o pai da criança que nasceu foi autuado por invasão de área restrita do hospital, por desacato e por agressão. Ele ameaçou ao médico e a outros atendentes com um salame enorme e de origem desconhecida. Ainda será investigada a procedência do salame, mas ao que tudo indica, ele fazia parte da artimanha desse grupo para incrementar o ritual que eles iriam realizar aqui nesse hospital. E eu lhes pergunto. Será falta de fé? Será falta de segurança? De onde viemos? Para onde vamos? Isso é o cúmulo... corta e edita.


Marcio Rutes