quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ISCA DE BEIJA-FLOR

image by google


Quando beija-flor não beija, belisca,
toda cor vira isca
presa na casca da goiabeira.
É fruto de beira,
de ladeira, da menina olhando do lado de lá,
lá daquela cadeira,
com aquela risada dada de bobeira.
Um tribal ornando o olhar
o folhear e o rodopiar,
o requebrar do sorriso,
o vento batendo no umbigo,
arrepiando qualquer sentimento sentido,
consentido com um piscar das mãos
no cruzar dos dedos, que das pernas imitou.

E lá vai beija-flor,
que não beija, belisca.
Atiça esse dançar malicioso
na cintura dela,
da pele alva,
nos pés de cinderela.
E lá vai a menina,
dependurada na janela,
irrequieta, sapeca,
bicando igual passarinho,
bebericando a manhã de mansinho,
mas louca pra voltar pro ninho.

Marcio JR


sábado, 16 de fevereiro de 2013

RETALHOS


Reedição (publicação original: 08MAI11)

Geada em Curitiba / image by Google
Existem três coisas que geram um fascínio automático em minha mente: um sorriso qualquer pela manhã, um par de olhos curiosos e a palavra “saudade”. 

Era um inverno rigoroso, e minha mãe, que sempre gostou de acordar antes do sol nascer, me chamava muito cedo para ir à escola. Não era muito longe de casa e, após o parco café da manhã, saíamos eu e minha irmã, cada um com seus poucos cadernos e com as mínimas roupas de frio que tínhamos. O calçado fino me faz lembrar até hoje do chão gelado e da sensação horrível e dolorosa que isso trazia. Essas lembranças faziam par com o vento frio que nos cortava o rosto, resultante das geadas que deixavam tudo branco e com um aspecto belo, mesmo sendo terrível de se aguentar. No meio da caminhada, surgiam do horizonte aqueles filetes de sol, que mais pareciam mágicos, misturando-se ao vapor que saia de nossas bocas quando respirávamos. Adiante, mais e mais crianças se juntavam a nós, e ao nos darmos conta, éramos muitos.

Próximo à escola, sempre reparava uma senhora, já bem velha, sentada numa cadeira, quase fora de seu portão. Ela pouco se importava com o frio, e durante anos esteve ali, com sua face amarrotada e castigada pelo tempo. Seu cabelo estava sempre preso, e era esplendidamente branco, um verdadeiro algodão. Quando passávamos, ela nos mirava, calma, e nos seguia apenas com aquele par de olhos curiosos. Ela sabia que na volta, passaríamos por ali e, como se ela não soubesse, pegaríamos escondidos algumas frutas de seu pomar. Ela sempre via, mas nunca nos reprimiu ou negou uma daquelas frutas.

Pessegueiro / image by Google
Hoje, ao passar nesse mesmo lugar, a nostalgia me tomou. Senti saudades daquele frio nos pés, por mais cortante que ele fosse, e dos raios de sol secando o orvalho ou derretendo a geada. As árvores frutíferas não estão mais lá, sequer a casa está. Fiquei lá parado por alguns minutos, observando, até que veio em minha mente uma imagem daquela senhora. Lá estava ela, novamente, me olhando com aquele par de olhos curiosos. E é engraçado, pois foi somente hoje que lembrei da única vez em que a vi sorrindo. Foi numa manhã, a única em que fui à escola sozinho. Ao passar naquele lugar, ela mirou-me diretamente nos olhos e soltou aquele singelo sorriso. E então, naquela mesma noite, ela se foi.

Muita coisa aconteceu desde então, coisas boas e ruins. Mas é engraçado que são coisas tão simples, como essas acima, que nos marcam por toda uma vida.



Marcio JR

domingo, 10 de fevereiro de 2013

QUANDO O FRIO CHEGAR



Quando o frio e a neve congelaram as águas,
me senti só, desolado.
A cascata virou pedra,
tornando tudo um deserto gelado.
Teu rosto alvo e lindo veio a mim, 
e com um cinzel te deixei ali,
esculpida na rigidez daquela água endurecida.
Por alguns dias, lá estava você,
não com a delicadeza e beleza que possui, 
mas perto, mesmo que imóvel, 
naquele alpendre. 

A varanda te protegia da chuva, 
e eu te olhava, também imóvel. 
O tempo,
contraditório ao que queremos, 
trouxe o sol, e com ele, você derreteu. 
As gotas escorriam cada vez mais rápidas, 
até que restou pouco de você. 
As mãos, braços, o rosto liso e sereno, 
tudo virava água novamente. 
Pareciam lágrimas de quem não quer ir. 
E não se foi. 
Quando as últimas gotas,
justamente as dos lábios e olhos, 
terminaram de pingar, 
notei o chão umedecido e vertendo brotos. 

Você não estava indo, 
mas sim se plantando de vez. 
Hoje, onde um dia existiu uma escultura gelada, 
brota um belo jardim,
tanto regado por tua essência cristalina, 
quanto semeado pela pureza de tua alma.




Marcio JR


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Sem DÓ e sem SOL em SI




Sequer aquela música velha fez sentido.

As notas, de um dó só
arderam aos ouvidos.
As cordas do violão estavam podres,
impróprias para aguentar o peso de um adulto.
A melodia, num dia carinhosa,
no outro era pura distorção.

Assim, quebrou-se o violão,
a música perdeu o tom,
e o que foi composto para uma sinfonia,
esvaziou, secou,
entonando uma nota de agonia.

Marcio JR

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

ANJO PROIBIDO: O FIM


A mulher/anjo, enfim, se recobrara.
Descobrira que era capaz de transpassar o espelho,
afinal, ela era um anjo.
A jornada de volta foi longa,
e as paradas pelo caminho atrasaram ainda mais o percurso.
E lá estava ele.
Ao vê-la, mesmo que embaçada com a sujeira do vidro,
ele sorriu.
Aquele sorriso foi uma redenção. Ela estava lá.
Uma das mãos dela tocou o espelho,
submergindo para o outro lado.
Ele, sem saber o que fazer, ficou estático.
Ela conseguira uma forma de levá-lo daquele lugar
para junto dela.
A mão, pequena e alva, aproximou-se do rosto dele.
A face do rosto daquele homem sossegou ao toque da mão dela.
Ele estava, finalmente, em paz.
Até que, numa ação rápida, ela levou a mão até o pescoço daquele homem.
Quebrou-o instantaneamente.
Ambos, agora, estão livres.
Ela, solta para caminhar.
Ele, com todo o espaço do inferno para perambular.