quinta-feira, 27 de setembro de 2012

PÓ DE ESTRELAS (Fábula)


Mundo mágico - by Google
Poucos entendiam, ou quem sabe ninguém compreendesse direito, as lágrimas daquela moça. Por vezes ela chorava sem motivos, assim do nada. Em alguns momentos, os mais alegres, os olhos dela simplesmente vertiam pequenas gotas, mas não eram lágrimas normais, e sim brilhantes, como se partículas de ouro fizessem parte da composição daquele asseio dos olhos. Sequer ela, que passou a ser conhecida como “menina dos olhos dourados”, tinha ideia de como aquilo acontecia.

Tudo começou em uma noite de inverno, muito fria e chuvosa. Ela ainda era uma menina de seus 15 anos de idade, muito bonita e traquina, mas que passava por alguns tempos de tristeza. Mesmo rodeada de pessoas, sentia-se estranhamente sozinha, e era no recolhimento da noite que ela se entregava aos seus reais sentimentos. Deixava a cortina da janela aberta e assim adormecia, olhando a madrugada e as estrelas, sonhando um dia poder navegar pelo infinito daquele céu majestoso.

Durante o sono, certa vez, ela libertou todos os seus desejos e, sem querer, conseguiu a chave para penetrar um mundo mágico, muito além daquele que está na compreensão humana. Sua pureza de espírito a levou até lá. Neste mundo, tudo era como se imaginava ou se queria. As flores eram mais coloridas e as frutas se misturavam em árvores totalmente distintas. Limoeiro dava pitanga e a jabuticabeira era carregada de amoras do tamanho de laranjas. Tomates apinhavam em cachos nos coqueiros, enquanto a jabuticaba nascia nos pés de ervilha. Como se não bastasse tudo isso, o perfume desse mundo faria qualquer um viajar. O cheiro desse mundo? Lavanda.

Nesse mundo, os animais conviviam em paz, e fazia-se escorregador no pescoço da girafa. A gangorra era nas asas dos passarinhos, e existia um tobogã que vinha lá das nuvens, molhado com chuva de groselha para escorregar melhor. A casa, única que existia por lá, não tinha portas ou janelas, e na varanda, imperava soberana uma rede enorme e confortável, que balançava sozinha. Era lá, nessa rede, que a menina aparecia quando adormecia, e também era na rede a saída para o mundo fora dos sonhos. Quando o sono, dentro do sonho, apertava, era para a rede que ela se entregava, e assim acordava, até meio triste, no seu mundo de solidão. A cada dia ela queria sonhar mais, e sequer imaginava o que a esperava lá pelas bandas de seu refúgio encantado.

Em certa ocasião, lá no mundo mágico, ela brincava de pega-pega com os girassóis e, cansada, foi para a rede, e por lá adormeceu. Estranhamente, ela não foi transportada para seu mundo verdadeiro, e por lá ficou. A lua, com a proximidade do amanhecer, foi dando lugar ao sol, e este, guardião das chaves desse mundo, quase morreu de susto ao ver a menina ainda ali, dormindo na rede. Algo estava errado. E foi quando o sol, ao olhar para trás, reparou um risco dourado cortando o céu. O que seria aquilo? Seria uma estrela cadente?

Pouco depois, uma estrela descia no mundo mágico, parando bem perto da menina. A estrela, antes gigantesca, estava quase anã, pois o deslocamento que a trazia do outro lado do universo a fez se desgastar de tal forma, que reduziu seu tamanho. E o que ficou pelos céus foi o mais belo rastro de pó de estrelas.

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O sol aproximou-se lentamente da estrela, e reparou que ela chorava copiosamente. Mas, por que ela chorava assim? O que ela estava fazendo ali? E a menina? Não iria embora? Foi então que o sol, em sua sensibilidade, entendeu. A estrela estava apaixonada pela menina.

A estrelinha soluçava e estufava o peito, e o sol, soberano naquele lugar, resolveu conceder-lhe um desejo. A estrela, aquietando-se, olhou para os olhos do sol e brilhou intensamente, desaparecendo no mesmo instante. Em seguida, foi a vez da menina se transportar aos poucos, ficando transparente e reaparecendo em sua cama, lá no mundo real.

Daquele dia em diante, a menina não sentiu mais aquela solidão que tanto a amargurava. Sentia agora que algo, ou alguém, protegia-a constantemente, deixando-a aquecida e cheia de energia. Seus olhos adquiriram um brilho mais intenso, e suas mãos, sempre que tocavam alguém, passavam a sensação de que eram mágicas.

A menina não retornou mais ao mundo mágico. Não precisou mais ir até lá. Ela, agora, tinha uma estrela dentro dela. Uma estrela que, apaixonada, fez um pedido ao sol: morar dentro dos olhos da menina.

As lágrimas? Elas nascem da estrela que, traquina e brincalhona, não se cansa de correr e brincar pelos olhos da menina, largando pelo universo daquele olhar o seu rastro de pó dourado.



Música: O AMOR VEM PRA CADA UM - Zizi Possi (by: YouTube)


Marcio JR