domingo, 26 de janeiro de 2014

Mente em P&B




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sábado, 11 de janeiro de 2014

A DÚVIDA EM PESSOA

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Ensaio sobre a palavra criada 
e a palavra roubada.

Segunda parte.










A PALAVRA ADULTA:
MANIQUEU INFLUENCIANDO ORFEU

Pessoa em pessoa. E outras pessoas de Pessoa, entre tantas pessoas que pelo local transitavam, fitavam Pessoa. E Pessoa vociferava:

“...Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...”.
(1)

Rebati. Os mares já foram navegados. E você sequer conta disso deu. Camões te antecedeu, me prometeu. Sim, ele disse “Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, tanta necessidade aborrecida!”. Mas Camões morreu.


Pessoa não tinha troco para cem.


Desabonado, uma pessoa de Pessoa, um tanto calada, ergue o lápis, riqueza de sua pobreza, e profere:

“...Tenho alegria e pena porque perco o que sonho.
E posso estar na realidade onde está o que sonho...”.
(2)

Te cala novamente, Caeiro. E ante ao levante, na composição arfante, aquela mesma tão difamatória quanto infante, você sente o assobio da mandrágora te lembrando que o gosto da pungência adolescente chegou. Criou asas. Tua cria cresceu.

De letra reticente, hoje berra frente a comporta quase como um indigente. Transformado, modificado, adulterado. Tua cria, que um dia fora quase bandeirante, hoje é errante, prostituta pelos Recantos tantos que existem no abismo terminal dessa terra sem fim. Desapropriada de qualquer papel, mas prisioneira numa tela de cristal.

Estranhamente, a mente mente, e se diz inocente. Indolente, pois sim. Verdadeiro assalto esferográfico daquilo que um dia foi concebido às duras penas de um tinteiro.


Pessoa não sabia, mas o que nos diferencia de uma pedra é, meramente, a densidade.


De toalha bordada em punho, Pessoa argumenta ainda sobre os mares. Arquiteta, já quase insolente, sobre o arbítrio que a palavra tem sobre nós. Atroz. Bate o punho na mesa, e sem sutileza, sem sequer lembrar de sua quase realeza, entorna ao chão a cachaça que fora servida em borbotão. Mas desvia-se, rápido e amedrontado, do bisturi que à mesa foi fincado. Ricardo reclama, e já vomita palavras:

“...De rosas, inda que de falsas teçam
Capelas veras. Breve e vão é o tempo
Que lhes é dado, e por misericórdia
Breve nem vão sentido.”.
(3)

Com a cachaça derramada, pessoas de Pessoa brigam com Pessoa. E Pessoa pouco entende.

Remenda a emenda numa única palavra. Rumina rouco, quase postergando o sarapatel. Preferiu pão seco, uvas e queijo de leite azedo. Era o que tinha. Mas se não gostasse, servia farinha.


Pessoa então entendeu. Poderíamos ser pedra caso não fôssemos tão densos.


Ao crescer tomou o rumo, ganhou o mundo, reduto maroto e roto, nos escárnios dos becos de línguas endiabradas. A palavra descobriu o gosto salgado que existe entre algumas pernas. Ervas finas não tiram o cheiro do lume apodrecido das cópias mal criadas.

Pessoa rogou, perguntou por que Deus deixava que suas pessoas o atormentassem daquele jeito. Foi quando, num traquejo educado, num verso enjeitado e arquitetado nas teias de um engenheiro, Álvaro disse-lhe ao ouvido:

“...Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?...”.
(4)


Pessoa pensou. Precisamos parir pedras.


Pedras? Tinta cria letra, mas de suas tetas brotam pedras?
Antes fosse, pois mais dura a palavra seria. E não essa vadia, que se entrega na folia a qualquer Arlequim. E vai assim, embora, vai sem mim.

Mas vai por que quer?
Ou vai aliciada? Palavra falada? Ou mal amada?
Palavra descuidada, usada e profanada em sua virgindade.
Palavra violada. Palavra minha, tua, de tantos.
Maculada em sua certidão. Copiada.

Ricardo Reis já balança, mas não cansa. Pula para o balcão e tal qual criança, faz lambança:

“...Que a mente, quando, fixa, em si contempla
Os reflexos do mundo,
Deles se plasma torna, e à arte o mundo
Cria, que não a mente...”.
(5)


Pessoa lamentou. Sem saber, lançou seus versos ao mar após seu barco já aportado.


Caeiro compadeceu-se de Pessoa. Foi em socorro:

“...E concordam com aquilo que sinto,
Concordam com aquilo com que não concordam...”.
(6)

Mas de pouco adiantou, pois logo Álvaro decretou:

“...Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever...”.
(7)


Pessoa cogitou: criar é ato digno. Amaldiçoar também, mesmo quando réquiem.


Alvoroçado, Pessoa me olha. É quase hora de cerrar as portas. Inquietas, as palavras das pessoas de Pessoa querem partir. E assim, ele viu que mesmo heterônimas, as palavras das pessoas de Pessoa amadureceram, cresceram e foram furtadas, dilaceradas e modificadas. E as pessoas de Pessoa aquietaram-se, fitando-o. Quem parira quem?

Eis a dúvida de Pessoa.

No súbito, uma voz de um qualquer, embriagado no embargo do boteco, replica:

Todos são fruto da palavra, e mesmo que ela apodreça, suas sementes tocarão o solo e criarão mais palavras. Escolhe a tua, Pessoa, e guarda no bolso da lapela, e para esse povo, nem dá trela. Pois da língua ferina que culmina nessa esquina de usurpadores, a cópia é a pior sequela.

Desanimado, Pessoa entoa:

“...Como, sem que as amasse, eu as chamei,
Agora, que não amo, as tenho, e sei
Que meu vendido ser consumirão...”.
(8)

Lá do fundo, num tablado gasto e recoberto de talco, uma voz lamuriosa canta, acompanhada das sanfonas iluminadas pelas luzes de um lampião. Na flauta, um petiço repica marcando um violão cangaceiro. E assim tudo terminou:

“...Amor ciúme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado...”.
(9)


Pessoa sentenciou: Vou, mas minha palavra fica. Um dia, minha palavra morrerá, e com ela, a criatividade vil de quem só sabe copiar.



Marcio Rutes



não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.


Notas e créditos:

(1) Trecho de Presságio, de Fernando Pessoa

(2) Trecho de Todos os Dias, de Alberto Caeiro

(3) Trecho de Pesa o Decreto, de Ricardo Reis

(4) Trecho de Esta Velha, de Álvaro de Campos

(5) Trecho de Seguro Assento, de Ricardo Reis

(6) Trecho de As Quatro Canções, de Alberto Caeiro

(7) Trecho de Datilografia, de Álvaro de Campos

(8) Trecho de O Último Sortilégio, de Fernando Pessoa

(9) Trecho de Tudo Isto é Fado, de Amália Rodrigues

(sem numeração) "Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, tanta necessidade aborrecida!" - Trecho de Os Lusíadas, de Camões


Esclarecimento:

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis são heterônimos de Fernando Pessoa.

A presença dos heterônimos de Pessoa, no ensaio acima, é apenas uma forma de ilustrar um “encontro inusitado” entre criador e criaturas, mas jamais para insinuar que os heterônimos ou o próprio Fernando Pessoa tenham praticado cópia ou plágio de algo. Longe disso.

O que fiz foi apenas criar um cenário e buscar elementos de peso para discutir "o amadurecimento da palavra", enriquecendo, dessa forma, a segunda parte deste meu ensaio.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SINOS SISUDOS QUE SE NEGAM AO ALARDE

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Ensaio sobre a palavra criada 
e a palavra roubada.

Primeira parte.







O OBSCENO ATO DE PARIR A PALAVRA


Terça parte do teso terço, estancado no esticado terreno ouriçado do alpendre paludoso. Maldoso. Maledicente é o terço orado, mas não alcançado pelos arcontes de um mundo esquecido.

Então, eu rezo.

Erguido está frente às tetas de um tesmóteta, de uma lei sem cão, de um pão sem o trigo em grão, ração profana dos arquétipos que alimentaram Platão em suas epifanias. Ruminante é todo aquele que julga-se jugo de junco. A canga não aguenta e arrebenta, “insustenta” na testa a marca da culpa:
  • te falta algo; 
  • pois tens quase tudo e queres mais; 
  • pois morrerás seco; 
  • pois do útero oco de um poço que não sangra sangue, jamais verterá palavra; 
  • é lavra para gafanhotos as tuas rotas letras; 
  • cria e não copia, e assim acharás a salvação do inferno da submissão a que afundaste; 
  • ou então afunda a língua na íngua inchada que tua inércia mental expropria dos ascos fedorentos da tua preguiça. 

Então, te desnudo o corpo.

Se da surdez nasceu a palavra escrita, foi de cristal que o poeta pintou cada poro das letras. Palavras surdas para ouvidos cegos. Versos em pregos, apregoados e pregados em diálogos minguados na luz do candeeiro. Um sinaleiro no celeiro do seleiro, um selenita em busca da lua minguante, gestante de versos afobados, consternados pelo branco do pergaminho... são selos nas selas, e são sim do seleiro, e o celeiro é rasteiro, pronto para anarquizar qualquer alfabeto no inverso do verso.

Então, exorcizo teus demônios.

Palavras ensurdecedoras para mentes dementes, incoerentes em sua "analfabetizada deseducação". Humilhação do poeta frente aos desmandos cínicos da "plagiância". Ganâncias de panças rijas, gulosas em créditos sem valor. Usura dos aplausos faustos, porém, insossos e vazios. Prédios brancos, céu castanho, estranho homem de estanho, que nas pálpebras tatuou cada pecado capital.
E o tolo destrincha a catraia, aquela mesma que traz presa numa catraca, o endosso para navegar:
  • vai, sem arrependimento;
  • vai, estica o lamento;
  • vai, teu retorno não será breve;
  • vai, cria e procria no nórdico acento de tuas letras, o gelo salobro daquilo que um dia foi água de letra doce;
  • vai, e cuida dos teus, porque os filhos jogamos ao mar, mas os versos navegam pelo papel; 
  • vai, e jamais renega tuas letras;
  • vai, e destrona os falsos monarcas que te furtam o fruto.

Então, invoco meus desatinos.

Façanha é aquela que abocanha a palavra e faz dela gestação. Fecunda palavra e nasce verso. É no inverso da maré que o poeta verdadeiro sangra sua sanga. E de sangue faz tinta, pinta prosa e risca poesia, arisca enquanto se arrisca pelo pedregoso vieiro de pirita.

Então, te penetro ereto, reto e profundo.


Seriam nossos versos o tão famoso ouro-dos-tolos? Talvez sim, pois verdadeiro é aquele que não espera fama, mas sim respeito por suas pedras. Talvez sim, pois o que reluz deve ser a originalidade da composição, e não o falso valor de cumprir escalas nas composições alheias. Talvez sim, pois escrevemos por escrever, e não para dourar palavras em papéis azedados pelo gris dos olhos pouco atentos. Alento nas letras, que são puro pio de cotovia para os ouvidos.


Então, te conjuro em jorros de tinta transparente.

Sinos sisudos e que se negam ao alarde.

Então, rente, você sente. Grávida das palavras você está. Nascerá verso.



Marcio Rutes

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