domingo, 27 de abril de 2014

TUDO TEM UM FIM (re-edição)

re-edição

Uma de minhas crônicas que mais gosto, e que hoje, após ler o belo texto "É SABER QUE NUTRE", de Samara Bassi, me vi com a necessidade de trazê-lo novamente à baila.

Tenha uma boa leitura.




Que tal parar para refletir por alguns minutos?

“Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele...". Depois, conto quem foi o dono dessas palavras. Mas, vamos pensar um pouco sobre isso?

O planeta terra, antes do surgimento do homem, era um lugar horrível, cheio de animais gigantescos e perigosos, que viviam se devorando uns aos outros. A lei era aquela, o maior come o menor, ou, a união faz a força, e então, quem sofria era o maior. Feio isso, não é? As florestas eram dizimadas, muitas vezes, por vulcões ou períodos de intenso frio. Os animais também contribuíam para isso, pois precisavam de muita comida. Será que esses animais não tinham um pingo de consciência de que estavam acabando com o meio em que viviam? Mas eram animais irracionais, e só o que faziam, era lutar pela sobrevivência. E a natureza sempre tinha tempo de se refazer.

Então, o homem apareceu. Descobriu o fogo, a roda aro 17’’, plantou, colheu, desmatou para construir cidades, enfim, evoluiu e se transformou num ser racional. Fez guerras, dizimou e foi dizimado em vários locais durante esse período evolucionário, cometeu as maiores atrocidades em nome de qualquer tolice que achasse certo ou que pudesse lhe dar mais capacidade de domínio, se tornou mesquinho, egoísta, e passou a viver, também, pela lei do “maior come o menor”. Implantou-se uma corrente de poder mundo afora. Capitalistas, socialistas, anarquistas, fascistas, comunistas, neoliberais... não importa o nome que se dê ao movimento ou a corrente de poder, pois todas seguem um único mandamento, evoluir e tomar espaço a qualquer preço.

O mundo está sofrendo, e a natureza sangra mais a cada dia. Geleiras estão derretendo, oceanos subindo, o ar fica mais poluído e pesado, as florestas somem de nossas vistas numa velocidade espantosa. E sabe? Muitos defensores das florestas repousam o corpo em móveis de mogno. Hipocrisia? Não, ganância.

Os animais pré-históricos matavam outros animais para se alimentar, mas nunca os da mesma raça. E se algum estava doente, se afastava do grupo, evitando contágios e atraso no percurso, e morria solitário, para não degenerar ou enfraquecer a prole ou o grupo como um todo. A coletividade sobressaía. Já o homem, na sua ânsia de poder e na gana de estender seus territórios, aniquila seu semelhante, mata seu próprio pai para tirar-lhe as gerências, arrebenta o meio em que vive unicamente para construir artefatos que lhe dêem mais poderio e força. Ou seja, constroem algo para destruir algo. Inventam doenças para vender a cura.

Lévi-Strauss / image by Google
Autor: David Levine
Claude Lévi-Strauss, nascido em 28/11/1908 e falecido em 01/11/2009. Francês. Ele foi um dos mais renomados antropólogos que já passaram por este planeta, e falou aquela frase, lá do começo da crônica. Um visionário? Não. Apenas alguém que constatou uma triste verdade.

E hoje, olhando para nosso sofrido planeta, posso dizer que o homem e a natureza não co-existem em harmonia, e alguém terá que prevalecer. O engraçado é saber que, destruindo a natureza, estamos destruindo a nós mesmos. Cabe, então, dizer que basta a natureza cruzar os braços, para deixar que o homem se destrua sozinho?

A ganância e o egoísmo são os maiores entraves para a evolução humana. E você? O que tem feito para melhor o mundo em que vive?




Marcio Rutes




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domingo, 6 de abril de 2014

SÓIS & SAIS


The Four Suns of HD 98800 - Crédito: NASA/JPL-Caltech/T. Pyle (SSC)
O sol, num céu de brigadeiro, brilhava intenso, até mais do que aquele normal do começo de outono. A caixa de correio estava abarrotada, e ao abrí-la, um envelope me chamou a atenção. Ele não era maior, nem tanto era colorido ou apresentava algo que o diferenciasse dos demais. Mas ele era perfumado, e notei isso de forma instantânea. O perfume? Era um odor beirando o amadeirado, instigante e intrigante.

Abri o envelope e, antes de retirar seu conteúdo, observei o horizonte. Uma nostalgia desmedida tomou meu peito. Era como se eu estivesse prestes a renascer meus dias já consumidos, antes das tantas despedidas que me foram impostas ou que, por um descuido qualquer, proporcionei a mim mesmo. O sol brilhava ainda mais forte, mas estava frio, ventando lufadas de um espectro até fantasmagórico.

E o papel brotou do envelope, branco e cintilante ao mesmo tempo.

“Te declaro minha sina, meu tesão, meus pés fora do chão.
Tua saliva me colando o verso na ponta da língua, de mansidão... ou não.
Te recebo e te comporto, (des)comportada que sou. Te atropelo com dedos e língua, e beijos e sinas, menina que sou.
Sua.
Nosso enroscar é nosso, nosso jeito ‘fora do lugar’ e certo, como deve ser.”¹

Enlacei aquelas palavras por entre meus desejos e lembrei dela, de sua boca entreaberta esperando beijo, e de seus olhos gulosos, querendo minha boca obscena buscando sua língua. E se não fossem todas aquelas pessoas ali, naquele saguão lotado, sabe-se lá se teríamos interrompido aquela sessão de contemplação profana de nossas tão saudáveis loucuras. E ela embarcou, a contragosto, irritada pelos poucos dias que demorariam para expirar a saudade que ficaria.

Assim, ela partiu, com a promessa de jamais abdicar de seu lugar em meu peito. Eternidade seria apenas uma manhã em nosso despertar guloso, afoito em selar com o gozo abundante aqueles tão fartos desejos de reinventar a vida, e torná-la apta a entender nossa urgência de felicidade.

Mas aquela nostalgia me apertava o peito. Sim, eu sentia saudades dela, mas era algo diferente, muito maior do que qualquer sentimento que eu conhecia. Era como um imã me impelindo para trás ao invés de me puxar. Uma força que subtraia meu tão precioso otimismo.

Foi quando aquela bela manhã entardeceu, deixando as dúvidas para depois. Elas perderam a importância. Os medos não tiveram tempo de aflorar, e os deuses e demônios foram para alguma esquina qualquer, num dos muitos botecos de um céu esburacado, para aproveitar de camarote as angustias daqueles que esqueceram de acreditar na soma dos erros e acertos.

Cachaça servida, vinho entornado e comida fria. Conta fechada. Era a hora de encarar divindades mal trajadas e maldades inventadas. Era a verdade que caminhava como sóis imensos e cuspindo sais por todo o universo.

A fé falira a face, e as crenças despencaram. Inútil resistir, e tentar fugir era o mesmo que pular diretamente ao fogo. Tantos queriam saber das verdades escondidas, e outros falavam por seus demagógicos cotovelos sobre a necessidade de equilíbrio. Hipocrisias contadas para eles próprios. E a verdade doerá muito, principalmente naqueles que acham que sabem mais e demais.

Que pena. Foi tão rápido que mal pude aproveitar os fogos que alguns acharam ser apocalípticos. E que decepção. Nenhum cavaleiro estava lá, segurando sua espada justiceira. Sequer a barca e o barqueiro, ou um purgatório, um inferno, por menor que fosse, nada... nada.

Até que as nuvens dissiparam, e diante de meus sonhadores olhos, um infinito que tanto acreditei. E ela. Sim. Ela.

Ela prometera. Ela cumpriu. A eternidade estava brotando daqueles dois sóis. Nada mais era do que o amanhecer de uma nova era. E ela seria eterna, num namoro temperado com os sais desse imenso mar que esperava por nós para criar suas praias.




Marcio Rutes


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trecho em destaque:

¹ - autoria de Samara Bassi. Todos os direitos reservados para a autora.