sexta-feira, 24 de outubro de 2014

SOLTANDO OS BICHOS



Cobra cipó (Chironius sp) - imagem do Google
―Não, Aretha! A resposta é não, e pronto!

O pai, que interrompera a reunião com alguns fornecedores para atender a filha ao telefone, começava a dar mostras de impaciência.

―Existe uma coisa chamada responsabilidade, minha filha. Não estou interessado se seu namorado pertence ao Green Peace, ao WWF, ao Green Card ou ao CPF, FMI, CNI, ou seja lá qual sigla de ONG ambiental que ele tenha resolvido entrar agora. O que sei é do compromisso que assumimos quando tomamos nossas atitudes. Então, se ele resolveu surrupiar animais para, com isso, protegê-los, terá que dar jeito de se virar com as consequências desses atos, sejam eles legais ou não. Ele foi suficientemente capaz de cometer tal coisa, pois que seja capaz de se virar com as implicações. E nem por brincadeira ele vai guardar animais roubados lá no nosso apartamento.

―Mas, mas, mas... Ítalo, por favor! ―a filha implorava, chamando o pai pelo nome, o que fazia com que ele se irritasse ainda mais.

―Olha. Tudo bem você querer ser independente aos 16 anos de idade. Claro, pode ser. Não sou nenhum troglodita que vive no passado. Você é inteligente e capaz. Mas antes de querer arbitrar sua vida, arranje um emprego. Eu te emancipo se assim você achar que precisa. Porém, enquanto estiver dependendo do meu dinheiro, ou do dinheiro da sua mãe, vai respeitar nossas regras. E não vai ser me chamando pelo meu nome, ao invés de pai, que você vai me amansar.

­―Tááááá... mas pai, é só um animalzinho indefeso, que...

―Não! Você sabe que sou alérgico a pelo de animais.

―Não é animal de pelo, pai!

―Piorou. Emplumados fazem sua mãe ter taquicardia. Não, e pronto!

―Também não tem penas, pai Ítaloooooooooooooooo!

―Escamas? Tá de brincadeira! Nem você suporta cheiro de peixe. Desista. Em casa nós conversamos. É uma boa hora para eu, você, sua mãe e seu irmão começarmos a evoluir certos assuntos. Beijos.

Ítalo desligou o telefone e voltou para a reunião. Era uma fase difícil, por certo. O filho mais novo, com 13 anos, mal saia de casa. Era um alucinado por vídeo game. E a filha, essa achava que deveria salvar todos os animais mundo, desde que não precisasse abrir mão da roupa de grife, dos sapatos caros, do celular ultra-moderno e, obviamente, pudesse fazer isso lá de dentro da academia de ginástica. Ah! Sim. Baratas, ratos, morcegos, urubus, hienas, minhocas e alguns outros animais um tanto mais “nojentos” estavam fora de sua lista. Eram feios, medonhos, ou davam um certo asco. O bom, mesmo, era salvar um urso bem fofinho, ou quem sabe um cachorrinho perdido, mas ali na esquina, para não precisar ir muito longe, não é?

Já em casa, Ítalo estranhou a ausência da filha. Mas, é claro, ela deveria ter armado um mau humor sem fim. Sempre que ela era contrariada, o mundo desabava. E essa situação tendia a perdurar por semanas, ou até que ela precisasse de um adiantamento da mesada.

―Meu amor. A Aretha não chegou ainda?

―Nem sei, Ítalo. ―a esposa respondeu, sentando-se ao lado dele, exausta. ―Aquele pessoal da clínica me deixou quase maluca. Te juro que se eu pudesse voltar no tempo, faria faculdade de biologia e iria estudar bichos preguiça. Enfermagem dá um estresse sem tamanho, e ser dona de clínica ainda por cima... aííí, to morta.

―E o Júnior?

―Bom... esse nem precisa olhar pra saber onde está, não é? Lá no quarto, com o vídeo game. E eu to preocupada. Será que essa geração vai saber evoluir normalmente, como nós fizemos?

―Em que sentido, meu dengo?

―Ah! Sei lá! Tem coisa que é natural na criançada. Masturbação, por exemplo. Tenho certeza de que você aprendeu sozinho.

―Nem se preocupe. Já, já alguém lança um jogo pra isso. Porrinha a distância. Sabe, eu poderia ficar rico com isso. Até que você me deu uma boa ideia.

Os dois caíram na gargalhada, mas pararam quando repararam que Aretha entrara em casa. A menina, apressada, passou por eles e sequer deu atenção. Foi para o corredor e trancou-se no quarto. Um pouco depois, enquanto os outros estavam à mesa, ela saiu do quarto e foi para a área de serviço, ou melhor, para a outra porta de saída do apartamento, e recolheu uma caixa de papelão. Então, cuidando para não ser vista, esgueirou-se novamente pelo corredor e, alguns minutos depois, retornou e juntou-se aos demais.

―Pai, eu...

―Agora não, filha. Estive conversando com sua mãe, e chegamos a conclusão de que devemos procurar te entender mais. Deixa pra gente conversar melhor sobre isso depois da refeição, tá bom?

―Então você vai deixar eu trazer o bichinho aqui pra casa?

­―Não. Não vou. Mas te prometo que a gente vai achar a melhor solução pra isso. Sei que é importante pra você. Mas não vai ter lugar pra nenhum bicho aqui no apartamento.

A menina suspirou e deu de ombros. Talvez a situação não estivesse assim, tão ruim, afinal o pai entendera que ela precisava ser ouvida vez ou outra. E por fim, o “bichinho” já estava muito bem escondido lá no banheiro do fim do corredor, acomodado naquela caixa de papelão, num cantinho atrás do armário.

“Ninguém usa aquele banheiro mesmo.” ―a menina pensou, enquanto arrumava seu prato.

Depois da refeição, a família se reuniu na sala para uma longa discussão. E por incrível que possa parecer, os filhos participaram ativamente da conversa, fosse reclamando ou dando palpites ou tentando mostrar soluções. Algumas extremamente estapafúrdias e completamente fora da realidade, mas já era alguma coisa. E assim foi, até que todos resolveram abandonar a sala. Cada filho foi para seu quarto, e o casal alojou-se na sacada. Ficaram por ali durante pouco mais de uma hora, mas o cansaço da esposa fez com que a paquera sucumbisse.

―Amor! Tenho mesmo que tomar esse dito remédio? Vou levantar umas dez vezes durante a noite para ir ao banheiro.

―Tem sim, Ítalo. E não discuta. Mas faça o favor de usar o banheiro do corredor. Não quero que a defesa civil interdite nosso banheiro pela bomba química que você deixa a cada vez que usa esse remédio.

―Hehe... Pode deixar!

Tudo corria tranquilamente, até que lá pelo meio da madrugada o filho abriu a porta do quarto dos pais e deitou-se, pedindo um abraço para a mãe. Ele não parecia assustado, mas mesmo assim, a mãe perguntou o que estava acontecendo.

―Sei lá, manhê! To jogando um game de Aliens. Daí, quando fui ao banheiro, lembrei que a lâmpada lá do meu quarto não ilumina nada e fiquei com medo. Usei o banheiro do corredor, e tenho certeza de que meu passarinho tava me olhando. E tava parecendo com um Alien. To com medo daquele jogo ter transformado meu passarinho em ET, manhê!

―Tá vendo só! São esses jogos. Você joga demais, meu amorzim! Cansei de falar para o Ítalo parar de comprar todo esse veneno virtual. Mas vamos dormir. Teu passarinho não vai virar ET não. Mamãe te protege.

A mãe sequer terminou de falar e o menino já havia dormido. Ela, um pouco estressada ainda, começou a fechar os olhos para tentar dormir, mas desistiu assim que notou que o marido se mexia demasiadamente. Possivelmente ele levantaria, ainda sonolento, para ir ao banheiro. E foi exatamente o que aconteceu.

―No banheiro do corredoooooor! ―ela falou firmemente, sabendo que ele ainda dormia.

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Ítalo saiu do quarto e levou, aproximadamente, uns 20 minutos para retornar. Quando deitou ao lado da mulher, chamou-a e, sussurrando, fez uma pergunta que a deixou espantada.

―Meu dengo! Você acha que, nessa idade em que estou, ainda preciso fazer cirurgia de fimose?

―O que? Tá maluco? Por que tá me perguntando isso?

―Ué! Você é a enfermeira. Eu sou apenas um analista de mercado, e não entendo nada dessas coisas.

―Tá, entendi. Mas por que tá tocando nesse assunto nessa hora? E é claro que você não precisa de cirurgia alguma.

―É que tive a nítida impressão, logo depois de me sentar no vaso sanitário, de que meu pinto mostrou língua pra mim.

―Kkkkkkkkk. Meu querido, me diz! Você não andou tomando nenhum chazinho de cogumelo, não é? E nem tem jogado vídeo game com o Junior, claro! Vai dormir, vai.

 Lá pelas cinco horas da manhã, foi a vez da esposa acordar para ir ao banheiro. Calçou os chinelos e, ao tentar abrir a porta, viu que a mesma estava trancada. Quando voltou o olhar para a cama, viu que o filho não estava lá.

―Eu não acredito. O Junior resolveu se trancar no meu banheiro. E vai ficar por aí um tempão. Bom, vou lá no corredor. Espero que o fudum tenha passado.

Minutos depois, o marido acordou abruptamente. Alguém parecia berrar, pedindo por socorro.

―Que droga é essa? Meu amor, você escutou alguém gritar? Meu amor... ué, cadê ela?

Novo grito, e Ítalo percebeu que era sua esposa quem gritava. Ele nem pensou no que fazer. Levantou rapidamente e partiu em busca da origem daquele escândalo. E quando chegou ao corredor, reparou que os berros partiam do banheiro. Em instantes, tanto a filha quando o filho se juntaram ao pai.

―Que tá pegando, paiê? A mãe tá sendo abstraída por algum Alien?

―Abduzida, Junior! Abduzida. E não tem Alien nenhum aí dentro do nosso banheiro.

Os gritos silenciaram por instantes, mas logo voltaram com toda a intensidade. Ítalo tomou distância e chutou a porta, fazendo-a abrir e bater na parede, mas quando ele foi entrar, a porta voltou e acertou seu nariz, arrancando um filete de sangue.

―Aaaaaiiiii! Essa doeu. ―ele reclamou, mas entrou no banheiro e procurou pela esposa.

Ela estava sentada no vaso sanitário, pálida e olhando para o meio das pernas. Ítalo correu os olhos pelo ambiente e, sem ver nada de anormal, sossegou um pouco.

―O que tá acontecendo, meu amor?

―É... é... é que minha perereca mostrou língua pra mim!

―O queeeee? Tá maluca?

―E tem mais... ela tinha dois olhos... e um nariz... socorrooooooooooooo.

Aretha empalideceu. Lentamente, ela se desviou do pai e foi para a parte de trás do banheiro, justamente onde havia deixado a caixa de papelão. E desanimou ao ver que a caixa estava aberta.

―Genteeeee. Pai, mãe... não se assustem. ―a filha falou calmamente, deixando o pai curioso

―Não se assustar? Não se assustar com o que, minha filha?

―Bom, é que... sabe aquele bichinho que você não queria que eu trouxesse pra cá? Pois é, eu precisei trazer!

―Você me desobedeceu?

―Que bicho? ―a mãe perguntou, parando com os gritos.

―Cadê esse bicho, Aretha? ―o pai tomou a palavra, mostrando irritação.

―Tava alí, naquela caixa de papelão. Mas, agora, acho que ele tá dentro do vaso sanitário.

―E que bicho é esse, afinal? ―a mãe relutou, mas acabou perguntando.

―Nada de mais, mamãe. Só uma cobrinha... coisa mínima.

―Uma cobra, minha filha? ―o pai estufou o peito e colocou as mãos na cintura. ―Eu não te falei que não queria bichos aqui em casa? E você, ainda assim, traz um pra cá? Pior ainda... uma cobra?

―Não dá nada, pai. Bichinho mansinho.

―Mansinho? E se essa cobra pica alguém? Vem cá pra sala, que a gente precisa conversar.

―Paaaaaaaaareeeeeem! ―a mãe berrou, chamando a atenção dos demais. ―Enquanto vocês ficam com essa porcaria de discussão, eu to aqui, com uma cobra se esfregando na minha bunda! O que eu faço? Dá pra alguém me falar? E se ela resolve se assustar e entrar na toca?

―Manhê, ela não vai fazer isso! Fica calma!

―Ficar calma? Não é na tua toca que ela vai se esconder, né!

―E o que nós fazemos, amore?

―Como, “o que nós fazemos”, Ítalo? Você não é o homem da casa? Tira esse bicho daqui. E depressa!

―Eu tenho uma ideia melhor. Já volto.

―Ítalooooooooooooo! Volta aqui, seu traste.

A esposa berrou, mas de pouco adiantou. Então, como o marido fugira, a responsável por aquilo tudo, Aretha, é quem deveria resolver a situação.

―Espera, manhê. Vou ligar pro meu namorado pra ver o que eu faço.

Aretha sequer esperou pela reação da mãe. Tratou de sair rapidamente do banheiro, mas não foi sozinha. O filho também agiu de forma rápida e correu, e assim, a mãe ficou lá, sozinha.

Algum tempo depois, aproximadamente meia-hora, o marido voltou, acompanhado pelo porteiro e pelo síndico do prédio. Quando entraram no banheiro, encontraram a mulher cantando uma cantiga de ninar. Ela, ao vê-los, tomou o maior susto.

―O que esses dois estão fazendo aqui, Ítalo?

―Fui buscar ajuda, amore! Eu não vou colocar a mão numa cobra. Nem pensar nessa hipótese.

―Ah! Tá! Como se já não fosse o suficiente eu aqui, com uma cobra gelada se esfregando na minha perseguida, agora você quer me constranger com o prédio inteiro. Some com esse povo daqui. Pode deixar que to me entendendo com a cobra. To cantando pra ela dormir. E trata de pensar em alguma coisa, pois não sei até quando eu aguento. To quase me borrando, e acho que ela não vai gostar muito do cheiro.

Cobra cipó (Chironius sp) - imagem do Google
Ítalo não sabia o que fazer. Pensou, pensou, até que resolveu ligar para os bombeiros. No entanto, como o sinal de celular no Brasil é muito ruim, a atendente não entendeu patavinas do que estava acontecendo.

―Repita, senhor! Por favor!

―Repetir de novo, moça? Minha mulher está desmoronando. Tá ardendo de raiva. Dá pra mandar logo uma equipe?

―Desmoronando? Ardendo? Ok, senhor, agora eu acho que entendi. Prédio em chamas com risco de desmoronamento. Estou acionando as equipes. Aguarde no local e, por favor, mantenha a calma.

Em menos de quinze minutos, quatro caminhões dos bombeiros e vários jornalistas estavam no local. Ítalo, desesperado, tentava explicar tudo, e mal reparou que um fotógrafo passou por ele e foi para o banheiro, filmando tudo o que acontecia. No dia seguinte, a foto do bombeiro resgatando a cobra, por entre as pernas da mulher, estava na primeira página da maioria dos jornais da cidade. E o bafafá correu solto.

―Que mico, Ítalo! Que mico! Vou esfolar você e, claro, a Aretha! Nem vou pra clínica. Imagina minhas clientes, minhas funcionárias e mais aquele mundo de gente lá de perto? Como se não bastasse, aquela praga de fotógrafo me pegou de pernas abertas bem numa época que to sem tempo pra me depilar. Ai, que raiva! Eu vou te capar, seu traste. Pra que chamar os bombeiros?

―Tá reclamando do que? Eu passei por covarde, já me ligaram várias vezes tirando o maior sarro, e a polícia ambiental ainda tá me chamando pra esclarecer tudo isso. Pra completar, o dono verdadeiro da cobra quer me processar, alegando que a cobra saiu traumatizada por tudo que ouviu, viu e cheirou. Onde eu arranjo um psicólogo para cobras?



Marcio Rutes



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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ONTEM, HOJE, DEPOIS DESSA VIDA


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“Não é sóbria o tempo todo e de sanidade acometida, se faz louca por si mesma. Carrega dessas peculiaridades que desconfio bem e não me fazem parar, ainda que cegas sejam as minhas procuras.”.
Samara R. Bassi







Foi num desses fins de madrugada, em que eu esperava pacientemente a primeira ponta de sol aparecer pela janela, que me vi preso em argumentos meus sobre tempo e vida, mas que eu mesmo contestava.

Aliás, uma dessas contestações era, justamente, por que eu insistia tanto em refletir sobre essas coisas. Afinal, era tão simples viver. Bastava nascer, ver os dias passarem um após o outro, e depois tentar dormir calmamente, num sono sem fim.

Mas era inevitável. A cada fim de noite eu estava lá no meu canto, remoendo meus neurôniors. E se o sol demorasse mais do que o costumeiro para brotar do horizonte, o meu próprio norte perdia um tanto do magnetismo. Quer entender o por quê disso? Bom, vamos pegar algo bem simples e trivial para começar. O amor. Por que amamos? 

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Depois de algum tempo perambulando por esse mundo, é natural que tentemos encontrar uma companheira ou companheiro. Afinal, isso é intrínseco da natureza humana, seja pela perpetuação da espécie, ou mesmo pela necessidade de companhia. E lá vamos nós numa busca que em seu começo chega a ser até desesperadora, isso dado ao nível de timidez que a pessoa carregue. O engraçado é que os valores mudam conforme o tempo biológico da pessoa evolui. Quanto mais novo, mais fútil é a qualidade de “amor” buscado. Sim. No começo, procuramos mais pelos atributos físicos. Para os garotos, uma garota para um relacionamento tem que ter uma bela bunda, seios que agradem, rosto bonito, coxas grossas, um celular com crédito suficiente para que ele possa ligar a cobrar quando estiver sem dinheiro e, claro, ter a libido em alta. Já para as meninas, e mesmo elas sendo um tanto adiantadas nessa parte de relacionamento, os valores mesclam um pouco. Além de um belo corpo, com a famosa “barriga tanquinho” e o peitoral mais definido, um rapaz bem empregado pontua melhor. Cartões de crédito e inteligência contam muito nessa fase.

Passado algum tempo, tanto os rapazes quanto as moças repensam um pouco sobre tudo isso. Obviamente, o tesão aumenta com o passar dos anos, e corpo continua sendo importante, mas o sentimento começa a falar mais alto, e o que era “dispensável” anteriormente, já passa a ter um valor mais elevado, principalmente quando o assunto é responsabilidade. Inteligência também fala muito alto por aqui. Ah! Sim. Aqui, o feio já deixa de ser tão feio. Interessante isso, não?

E chegamos, enfim, ao momento da união estável. Estamos amando. Casamos ou juntamos os trapos e vamos viver uma vida compartilhada, dividindo contas e lucros, responsabilidades e irresponsabilidades, sorrisos e tristezas, com a pessoa amada. Então, lá vem a ciência afirmando que tudo é hormonal e que, pasmem, o amor dura apenas 7 (sete) anos. E no fim desse prazo, as brigas intensificam, as discussões tornam-se mais acaloradas e, naturalmente, o que era amor passa a ser apenas uma situação de acomodo (diante das necessidades), onde o casal permanecerá na mesma casa apenas se suportando (na maioria das vezes com a desculpa de que estão juntos unicamente "pelo bem-estar dos filhos"), ou cada um partirá para seu canto.

Daí eu pergunto. Se diante das facilidades de manter-se informado ou de buscar conhecimento desde a infância, e sabendo desse detalhe dos sete anos, por que sempre insistimos em buscar o tal do amor? E o pior. Não contentes em sofrer com um único relacionamento, quando terminamos o primeiro, partimos para o segundo, terceiro, quarto... Será que somos masoquistas por natureza?

Outra coisa que me leva o restante dos cabelos. Por que tentamos tanto adivinhar “de onde viemos e para onde vamos”? É claro que a ciência vem se esforçando muito para responder essas questões, mas muito do que se tem na crendice popular é pura especulação, mas mesmo assim alguns traçam uma vida inteira baseando-se em sinais divinos que simplesmente não existem. Tá, eu sei. Dizer que esses tais sinais são falsos ou inexistentes, descabidos e próprios para exploração da fé, é pura especulação minha.

Mas não seria mais fácil viver intensamente enquanto estamos por aqui, com os pés no chão para, depois de morrer, descobrir para onde vamos? Isso, obviamente, fazendo menção a vida após a morte. Ainda existe a questão de “para onde caminha o universo”, mas isso eu posso garantir que ninguém que está aqui, neste instante, viverá o tempo suficiente para ser testemunha de mudanças significativas no destino do espaço.

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E a busca desenfreada pelo corpo perfeito? Falar em saúde eu até entendo, afinal, envelhecer de forma saudável é necessário, mas a vaidade vai além daquilo que os padrões de qualidade de vida suplicam. Cremes, intervenções cirúrgicas, dietas e regimes extremistas, adição de corpos estranhos e muitas vezes desnecessários no corpo (próteses de silicone nos seios, na bunda e em outros cantos), mutilação do corpo, consumo de substâncias nada recomendadas para melhoramento da genética... e mais um sem número de atitudes que poderiam figurar por aqui e que, lá na frente, não terão valido de nada, pois a pele vai enrugar, os peitos, a bunda e o saco (do homem, claro) vai sofrer os efeitos da gravidade, e todos os que sobreviverem até a época da velhice... envelhecerão. E todo esse esforço para manter o corpo durinho e pra cima terá valido a pena?

E a mania que temos de julgar tudo e a todos? Rotulamos, definimos quem é belo e quem é feio, tentamos determinar o que se deve consumir por isso fazer bem e aquilo não, ditamos regras sobre gostos e preferências, negligenciamos a etiqueta natural do bom senso e da educação que devemos ter para com o próximo... e quando exigimos um tratamento respeitoso para nós (dentro daquilo que se diz correto com relação a ética humana mediante o preconceito e a discriminação), “inocentemente” chamamos alguém de negão, polaco, gordo, loira, careca, idiota, burro, aleijado, retardado, vagabunda, piranha, puta, gay, bicha, viado, magrão, ralé, pobre, etc... etc... etc... Em resumo, esquecemos de olhar para nosso próprio rabo, mas questionamos, rotulamos e julgamos o rabo dos outros. Nessa hora, a ética e a educação que se dane, não é?

Puxa vida, ainda tem a questão das reclamações. Somos reclamões em demasia. Reclamamos daqueles que poluem em alta escala, do trânsito engarrafado, do político corrupto e safado, do vizinho que fala demais, da companhia telefônica que não presta corretamente seus serviços, do padre e do pastor que vivem tentando amealhar mais seguidores para suas igrejas, das crianças bagunceiras do apartamento ao lado, do cachorro de uma casa próxima que latiu demais na noite passada e te acordou de madrugada, das ervas daninhas que cresceram no quintal, e de uma infinidade de outras coisas.

Uma das reclamações que mais ouço (vinda de motoristas habilitados) é contra os radares para flagrar os apressadinhos no trânsito. Faça um teste. Pergunte para esse reclamão se ele, habilitado e conhecedor da legislação vigente do trânsito, respeita as leis. Se ele disser que sim, faça outra pergunta a ele. “SE VOCÊ RESPEITA AS LEIS DE TRÂNSITO, ENTÃO POR QUE TEME OS RADARES?”. Bingo.

Ainda no trânsito, tem aqueles que vivem falando mal de outros motoristas. Mas algo perto de 90% (noventa por cento) desses motoristas que tanto reparam nos outros, vivem falando ao celular enquanto dirigem, ou teimam em andar lentamente pela faixa da esquerda (enquanto falam ao celular), ou não estão usando o cinto de segurança (enquanto falam ao celular). Novamente esquecendo de olhar para o próprio rabo?

As reclamações quanto à poluição. Realmente, isso é algo sério. Mas, me diz! Você é daqueles que têm o hábito de reciclar? Você guarda o papel de bala no bolso, para jogar no lixo quando chegar em casa, ou joga o dito papel na rua? Ah! Tá! Mil perdões. É somente um papelzinho de bala, e isso nem faz diferença, não é? Então, quando for reclamar da fumaça produzida por alguma fábrica próxima de sua residência, lembre que a “fumacinha” que ela produz é insignificante perto da poluição gerada por um país como a China, por exemplo. Então, por que essa fábrica perto da sua casa precisaria parar de poluir, se a “fumacinha” dela nem faz diferença? Presta atenção, mané.

E assim, depois de algum tempo olhando minha janela, os raios do sol me mostraram que era hora de trabalhar. Como nas noites anteriores, não cheguei a conclusões muito apuradas, mas de algumas coisas eu posso garantir que tenho certeza. É algo mais ou menos assim:

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amo porque nasci para amar, e vou tentar até acertar, mesmo com a ciência dizendo que o amor dura apenas 7 anos;

não faço a mínima idéia de onde veio esse universo sem fim, e muito menos como ele terminará ou para onde ele vai, mas sei que quero aproveitar minha estada por aqui da forma mais intensa possível;

vida após a morte? Sei lá! O que sei é que tenho um plano B, e se existir alguma coisa para o “depois”, seja céu ou inferno, já tenho até uma sócia para abrir um open-bar, seja lá onde for;

vaidade? Já fui mais. Hoje, meu corpo tem outras necessidades, e venho aprendendo a escutar seus anseios. Tenho melhorado com o tempo;

quanto a maldita mania de julgar e rotular, isso é um caso sério. Ainda levaremos algumas vidas para melhorar essa condição. Ops... e se não tivermos outra chance para voltar e melhorar? Melhor fazer algo agora, não é?

reclamar, reclamar e reclamar. Chego a pensar que isso é inato ao ser humano. Mas um dia, com o passar do tempo, ele melhora.

Enfim, como diz a citação que utilizei lá no começo, a vida se faz louca por si mesma. É. As procuras podem ser cegas, mas mesmo quando perdemos um dos sentidos, a natureza faz lá suas adaptações, e assim continuamos caminhando.

Até penso que esta não é minha primeira passagem por esse mundo. Quem sabe não tenha dado tempo suficiente para aprender tudo, ou até eu tenha aprendido de um jeito errado. Só sei que se voltei, é por gostar de ter amado uma vez, pois não há nada melhor do que ser um apaixonado pela vida e por tudo aquilo que ela proporciona. Principalmente quando se trata de assuntos do coração.

E por aí eu vou, já vendo a lua clarear minha janela. Amanhã tem mais divagações. 



Marcio Rutes



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