domingo, 15 de março de 2015

O Tempo, o Ego e o Lego


Imagem coletada no Google.
Vai assim e a gente aprende, se adapta, vai sendo moldado.
Por vezes, perguntamos se tudo é um grande Lego. E quer saber? Talvez seja mesmo. A vida é um castelo que se vai montando, desmontando e re-moldando, até que, num dado momento, a brincadeira envelhece, e o brinquedo é trocado por outro.

Mas alguns são saudosistas. Gostam de brinquedos velhos. Outros ainda guardam os gibis antigos, que mesmo empoeirados, continuam dando boa leitura. Não falo de colecionadores. Esses não guardam lembranças. Esses fazem investimentos. Para esses, a vida tem mais pontos e menos vírgulas. Será que isso é bom? Encerrar períodos e guarda-los somente para suas vistas? Ou seria melhor “virgular” algo, prolongar e compartilhar com outros que também gostam? Tão bom ter alguém pra dividir nossas experiências e, com isso, somar alguma coisa em nós. Muito ao contrário de guardar tudo num cofre, engarrafando tudo para agregar valores midiaticamente toscos e ressonantes apenas para alguns que compõe grupos “evoluídos” às custas da vaidade e da ganância.

O meu é maior que o teu. O meu é melhor que o teu. Eu tenho, você não. Eu posso mais do que você. Eu quero, eu pego compro. É meu, e você só pode admirar. Meu status é maior que o teu.

É mais ou menos como a relação entre o homem e seu pênis. Ele pode ter um pinto de bom porte, mas se esse mesmo cara sequer supor que outro homem nas redondezas tenha um maior, pronto... lá vem os olhares de “revesgueio”, de desconfiança, a vontade de apunhalar pelas costas, o ciúme, e até um certo constrangimento e, por que não, um pouco de depressão. Mas será que chega a tanto? Para muitos homens sim, e para um enorme número de mulheres também. Elas podem ser desprovidas de um pênis entre as pernas, mas a ganância, a vaidade e o egoísmo criam facilmente um baita dum pênis na cabeça delas. Um "caralho" psicológico para elas. Assim, a natureza humana nivela os pares, para todos viverem em um mundo de ostentações, puramente hedonista, numa ilusão plena de que guardar para ter e "se mostrar" é melhor que desfrutar de forma consciente. Tudo vai envelhecer, por mais que você guarde. Tudo. Mas não é preciso esconder. Não se poderá esconder, por exemplo, a carne envelhecida e que um dia enfraquecerá ao ponto dela própria implorar para a gravidade puxá-la de vez para baixo. E acredite, vai despencar, você querendo ou não.

Imagem coletada no Google.
Tornemos ao Lego. Desmonte e remonte seus esquemas. Adapte-se. Aproveite o tempo que ainda tem. Se precisar, volte lá na pracinha e tire os sapatos. Ande descalço. É bem melhor do que uma plástica no rosto. Pense um pouco. Sua boca vai ter um sorriso torto com as plásticas caras, mas seus pés irão sorrir desmedidamente pelo simples contato com o chão. Sem contar que é muito mais barato. Ah! Tá. A terra contem impurezas, é suja e poluída. A sola de seus pés estão finas, e isso causado pelo uso excessivo de sapatos... dói. Mas a vida dói. E vai doer cada vez mais, principalmente se continuarmos pensando que podemos tudo, sem ligar pra nada.

Vai doer sim. E precisamos acostumar com a dor. Monte uma clínica médica com seu Lego. Ou um sanatório, um asilo, um cemitério...

Tire logo essa porcaria de sapato e vá andar na grama. Enquanto ainda é tempo. Vida de apartamento é um apertamento para a alma e para o corpo. E se você não se deu conta, “andar descalço”, cara, é uma metáfora. Caso não tenha entendido, então não são os pés que você precisa descalçar, mas sim seu cérebro, que anda mais compactado que uma amêndoa. Ao menos, a amêndoa tem lá suas utilidades. Ela alimenta, e já é um grande diferencial para ela.

Essa mania de engarrafar tudo cria gargalos. Ora ou outra tudo empaca. E não adianta tentar socar.

O tempo virou uma dor de cabeça para muitos. Ele passa, e rápido demais. Analgésicos? Sim, mas meramente paliativos. E ainda viciam. Soluções corporais, reparos na lataria carnal, remendos sobre remendos... e muita gambiarra. Mesmo assim, o tempo continua passando. Você pode remontar muitas coisas. O tempo que já passou, esse não dá. Legos são materiais, mas o tempo, esse é vinho que seca, e que não se pode reidratar.

Levamos décadas aprendendo a fazer o certo, e no fim, nem sempre o certo é o correto (ou o mais prático). É como escrever. Anos e anos aprendendo gramática, para somente depois entender que é necessário “falar a língua” de nosso público. Publicitários e cronistas entenderão. Esses quase sempre precisaram desaprender para reaprender tudo de novo, e se adaptar, se remontar. Olha aí o Lego novamente.

Não me entenda de forma equivocada. Foi apenas um exemplo da necessidade de readaptação. Nada contra a língua formal.

Lego. © Copyright LEGO® Brasil 2014.
Enfim, o tempo é o fim. Que ironia, não é? Tanta pressa para que, por vezes, tudo passe mais rápido. É o ônibus que demora pra chegar, ou aquela semana que se arrasta para trazer de volta o sábado, ou ainda a tão sonhada maioridade, que leva eternos dezoito anos para dar as caras. Assim vivemos, torcendo pro tempo passar mais rápido, até que nos damos conta de que ele... passou. E passou rápido.

É quando olhamos para nossos castelos que montamos durante nossa vida, e começamos a desmontar. Peça por peça.

Estranhamente, com tanta tecnologia existente, o Lego persiste. Ele não ganhou versões eletrônicas, e envelheceu junto com cada um de nós. E ficará para amanhã, para os filhos dos filhos fazerem exatamente o que estou fazendo agora. Divagando.

É assim, ó:
só a natureza reconstrói o que ela própria construiu; o homem, esse só faz remendo.

O que fica é aquilo que você aproveitou, aquilo que edificou moralmente, o peão de madeira branca, a gota de suor no papel da pipa, a escrita no papel marejado pelo tempo. Fica o teu desejo, o realejo na esquina que não existe mais, as lembranças da semente de sabiá laranjeira, e a esteira no fundo do quintal. Fica a sensação de encabulamento, ou o lamento por não ter transado atrás da árvore quando você teve a chance e ela tava doidinha de tesão, e a aliança do casamento do meio irmão. Fica o Lego, que alguém irá desmontar pra amontoar uma outra vida. No mais, são só sensações.


Marcio Rutes



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