sexta-feira, 29 de junho de 2012

TEMPOS MODERNOS – O ARREPENDIMENTO DE JACOB


Lincoln Continental 1961 - by Google

A secretária, com aspecto entristecido, entrou no escritório para dizer adeus ao patrão. Ela, uma senhora de seus bons 50 anos de idade, trabalhara ali por toda uma vida. Viu o patrão, Jacob, levar aquela distribuidora de cereais a se transformar em uma das maiores exportadoras de alimentos enlatados e grãos do estado de Goiás.

Ela era apenas uma menina de 15 anos quando foi contratada pela cerealista. Começou na faxina, e com paciência e dedicação, logo estava no escritório, lado a lado com a chefia. E agora, chegava o momento de se despedir não de um patrão, mas de um amigo. Ficou ali, olhando e lembrando a trajetória de vida daquele homem.

Jacob herdara do pai tanto o ofício de comerciário quanto a empresa, que já detinha boa carteira de clientes, e não decepcionou. Ele era conhecido como um patrão austero e exigente, mas era acima de tudo justo e íntegro e não se fazia de rogado ou preguiçoso. Arregaçava as mangas e ia para o pátio sempre que era necessário. Trabalhava lado a lado com os serventes na carga e descarga dos caminhões, e com isso, adquiriu o respeito máximo de todos naquela empresa.

Jacob era tradicionalista ao extremo. Detestava tecnologia e, se possível, vivia enfurnado entre as quinquilharias que adquirira no correr de seus 70 anos de vida. Mantinha em sua empresa o departamento de “guarda-livros”, e por muito pouco não obrigava esses profissionais a utilizar caneta-tinteiro e mata-borrão. Pura birra. Seu automóvel, um Lincoln Continental 1961 original, era seu xodó, e em cada fim de semana, ele ia com seu carro brilhoso ao barbeiro e ao alfaiate.

Mas Jacob teve dois filhos, e estes ele não conseguiu educar em sua rotina tradicionalista. Hoje, Jacob se surpreende com a facilidade que eles possuem em ter tudo de forma imediata e integral. Informações que ele, Jacob, levaria semanas para levantar quando iniciou sua vida profissional, os filhos conseguiam com meros cliques num teclado de celular ou de computador. Mas Jacob se mantinha irresoluto. Fazia as coisas do jeito que sabia e, principalmente, de forma segura. Os filhos que ficassem com seus investimentos na bolsa e suas especulações em outras áreas financeiras. Para o pai, o que os filhos faziam era, além de arriscado, um jeito preguiçoso de ganhar dinheiro, e ele não gostava nada daquilo.

No entanto, dizem que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. E um dia, furou mesmo. Os filhos perturbaram tanto ao velho pai, que ele cedeu à pressão. Automatizou parte da empresa, comprou computadores, contratou funcionários especializados e conhecedores de modernidades, demitiu, contra sua vontade, parte dos funcionários e, mesmo a contragosto, adquiriu um telefone celular. Os lucros aumentaram e Jacob teve que admitir que aquilo não era algo tão ruim. O empresário passou a deixar parte dos lucros a cargo dos filhos, para investimentos na bolsa e em outras áreas que eles tão bem dominavam com suas tecnologias. E assim, Jacob passou a ser um investidor moderno, com presença até na bolsa de Nova Iorque.

Certo dia, Jacob foi pego de surpresa com o pedido de um dos filhos. Uma empresa em Taiwan iria lançar um equipamento extra-hiper-super moderno, e o filho queria investir 2 milhões de dólares na empresa. E a discussão começou.

—O que essa empresa produz?

—Não é o que eles produzem, pai, e sim a rentabilidade das ações, que irão subir muito. Compramos as ações agora, por preço baixo, e vendemos depois.

—Sei. Especulação. E cadê seu irmão? Mandei ele até a Central de Distribuição para levar uma ordem de compra de milho. Quero adquirir todo o estoque possível, pois a janela de exportação vai abrir, e não quero ficar sem sementes justo agora.

—Ele não precisou ir até lá. Os tempos são outros, e não necessitamos mais gastar tempo com deslocamentos e salas de espera. Ele fez tudo pelo novo sistema eletrônico de compra de um grande site de vendas. Eles são o que há de mais moderno na internet e reúnem tudo num mesmo lugar. Fácil, prático e seguro.

—Ah! Que mania que vocês têm de fazer tudo por essas máquinas. O que aconteceu com o olho-no-olho? Tá. Investe esse dinheiro. Mas, cuidado com o que você anda fazendo. Todo nosso dinheiro tá nesses investimentos.

Alguns dias depois, Jacob foi novamente surpreendido pelos filhos. Só que agora, a euforia que eles sempre mantinham não era por boa coisa.

—O que foi? —Jacob sentiu uma leve coceira na orelha, o que, para ele, não era um bom sinal.

—Pai. Lembra daquele dinheiro que eu iria investir na empresa de Taiwan?

—Como assim, iria investir? O que aconteceu?

—Bom... quando autorizei a ordem de saque, alguém me roubou. —o filho falava em voz baixa, completamente apavorado.

—De que forma? E o gerente do banco? A segurança?

—Não é isso, pai. Autorizei pelo IPhone. Os bancos eletrônicos são modernos e seguros, mas alguém deve ter “grampeado” a linha. Roubaram a senha da conta e limparam tudo.

—Modernos e seguros? Você chama isso de seguro? —inconformado, Jacob olhava atônito para o filho. —Quanto nós perdemos?

—Tudo. Estamos sem um centavo no banco.

Jacob sentou e enrubesceu. Como aquilo era possível? Durante décadas, o gerente de suas contas é que ia até sua empresa. Tudo seguro e nos conformes. E agora, querem fazer tudo por máquinas frias. Mas Jacob ainda iria se irritar muito mais, e isso aconteceu no exato momento em que ele olhou para seu outro filho, que mantinha a cabeça baixa e as mãos trêmulas.

—Não me diga que você também foi “roubado” pelo telefone? —Jacob fitava o filho e temia pela resposta.

—Não, pai. Mas aquela ordem de compra do milho que fiz pelo sistema eletrônico...

—Tá. O que tem ela? Cadê o milho?

—É que o sistema eletrônico concentra uma série de empresas de setores diferentes. E na correria, errei os códigos. Mas tá tudo bem. A mercadoria está aí embaixo, pronta para ser descarregada.

—Você errou os códigos? Quais códigos? Qual é a mercadoria que está aí embaixo?

—Quarenta e cinco carretas carregadas de...

O filho estaqueou e olhou tanto para o pai quanto para o irmão. Durante alguns segundos, o silêncio foi aterrador, e antecipava algo que o velho Jacob já sabia que não seria bom.

—Carregadas do quê? Fala logo.

—Comadres.

comadre - by Google
Jacob ficou arfante, e por muito pouco não foi acometido por um infarto. Olhava para os filhos e não acreditava naquilo tudo que ouvia.

—O que são “comadres”? —um dos irmãos questionou, como se não ligasse muito para a complexidade da situação. —Comadres não são mulheres que batizam filhos umas das outras?

—Não. Que besteira. Comadres são penicos.

—Que merda você fez, hein!

—Vocês dois, calem a boca. Já terminaram de bombardear seu velho pai, ou tem mais alguma coisa que tenha acontecido e que vocês ainda não me contaram?

—Ah! Tem sim, pai. A mamãe foi embora com aquele ex namorado, que ela achava que tinha morrido antes de conhecer o senhor.

—O que? Como assim? Aquele salafrário e conquistador barato desapareceu faz mais de 50 anos. Eu sempre soube que ela era apaixonada por aquele homem e que perdia a noção das coisas quando ele se aproximava, mas achávamos que ele estava muito bem morto e enterrado.

—Pois é, pai. Mas ele não morreu e eles se reencontraram.

—Que inferno. —Jacob esmoreceu definitivamente. —E como isso aconteceu?

—Bom. Nós achávamos que ela precisava distrair um pouco a cabeça, e ensinamos ela a mexer nas “redes sociais”. Sabe como é, né! Facebook, Par Perfeito... hoje cedo, encontramos o computador dela ligado e uma mensagem de e-mail do ex-falecido pra ela. Olha só a mensagem:

O filho esticou o braço e entregou uma folha de papel com algumas coisas escritas ao pai. Ele, nitidamente trêmulo e reticente, trouxe lentamente o papel até próximo aos olhos e empalideceu de vez. Entregou novamente o papel ao filho e, nervoso, pediu que a mensagem fosse lida em voz alta.

“Para: Zuzu_fogosa@hotmail.com
De: Coroa_enxuto@yahoo.com.br

Zuzú, minha deusa. Teu retorno na minha vida me deu uma sorte danada. Vendi todo o estoque encalhado da minha fábrica para algum idiota.
Agora, com dinheiro no bolso, podemos fugir para algum lugar.
Beijos, minha totosa linda.”

—É muito para meu pobre coração. —Jacob pronunciava as palavras e olhava incrédulo para os filhos. —Afinal de contas, o que esse ex-defunto fabricava?

O filho mais novo olhou para o pai e, sem piedade alguma, arrematou.

—Comadres, papai. Ele fabricava penicos.

Marcio JR

terça-feira, 26 de junho de 2012

VALENTINA E A LUA NEGRA


image by Google
conto surreal


Valentina ouviu as vozes da consciência, e pensou ser o momento de retomar o controle de seus dias. Valentina, então, parou na esquina do destino e olhou para todos os lados. Olhou também para cima e para baixo, e não viu nada de novo além de seu rosto refletido na poça d’água. E Valentina entristeceu.

Seu porte de mulher altiva estava murcho naquele instante. Superar uma história que estava tatuada em seu seio era uma meta, e virar a página de um amor, o seu intento mais imediato. Conseguir tais feitos, no entanto, era algo que corroia seu coração e atiçava seu metabolismo.

Esquecer um amor. Seria possível? Transpor um rio repleto de crocodilos ferozes talvez fosse até mais fácil do que arrancar um sentimento que criara raízes tão profundas pelo corpo. Um amor que invadira cada célula de seus órgãos, sem sequer pedir licença, certamente não cederia assim, do dia para a noite.

Valentina procurava nos rostos que passavam naquela esquina um complemento para a angustia que sentia. Ela não era a única, não poderia ser. E Valentina chorou. Chorou sim, mas já nem sabia se por amor, por saudade, se por tesão ou, ainda, pela raiva que brotava de seus olhos combalidos. Ele não valia aquelas lágrimas, ela sabia disso, mas, mesmo assim, ela as derramava ao chão. A sujeira daquela viela era até mais digna daquele despejar de agonia, pois ao menos o chão a sustentava ali parada, sem cobrar nada, sem acusar, sem impor limites absurdos ou, ainda, sem castrar seus sentimentos.

Algumas pessoas invisíveis passavam por ela, munidas de pedras nas mãos. Valentina olhava diretamente para os olhos daquelas pessoas e via, unicamente, desprezo. Era aterrador saber que a castigariam por um crime que não quisera cometer. Crime? Sim, Valentina era criminosa. Cometera o crime de não se valorizar, de não se levantar diante da inescrupulosa mente dominadora de um homem que a queria sob sua tutela. Cometera o crime de amar sob qualquer circunstância, mais do que a ela própria.

Ao chão, uma coroa de espinhos roçava em seu tornozelo, e no retumbar das vozes, ela pensou ter escutado alguém proferir: “paga por teus pecados e carrega tua cruz”. Mais adiante, surgiu um edifício que se perdia para cima, e lá no alto, três cruzes esperavam seus condenados.

Valentina rodou o olhar, e reparou uma turba se amontoando ao seu redor. Ela, desesperada, pensou em correr, mas suas pernas estavam pesadas e não conseguiram mantê-la em pé. Caiu de joelhos e, sem esboçar reação alguma, foi encoberta por aquelas pessoas estranhas e desordeiras.

Em instantes, algumas pessoas levantaram Valentina no ar e a carregaram para o edifício que sustentava as três cruzes. Cantavam, gritavam e agitavam lenços vermelhos. Do horizonte, sem nuvem alguma, brotava uma lua negra, circundada de uma auréola branca e aparentemente fria. O ambiente foi tomado por uma corrente de ar espessa, como uma névoa densa e que vertia diretamente do corpo de Valentina ao ser carregado.

Valentina, no entanto, continuava exatamente no mesmo lugar, ainda de joelhos. O que aquelas pessoas carregavam então, se ela estava ali, sem sequer ter sido tocada?

Ao olhar novamente para aquele grupo, Valentina assustou-se. Não era ela, e sim um homem quase transparente e completamente desesperado. Era ele, seu amado. Ela, inquieta, levantou-se e tentou correr até ele, mas foi contida por uma barreira invisível que se formou em pleno ar. E assim, as pessoas se foram.

image by Google
Algum tempo depois, no alto daquele edifício, três homens ocupavam as três cruzes, e em cada uma delas, uma labareda brotava flamejante. Não havia, no entanto, arrependimento naqueles três homens. E sequer eram três homens. Era apenas um, ladeado por suas consciências, a boa e a má. Duas cruzes queimaram instantaneamente, enquanto a terceira, que estava a direita, permaneceu intacta. Não existia, nela, essência alguma. Não havia o que queimar, pois ela era vazia. Era a parte boa daquele homem.

Lá embaixo, as mãos de Valentina sangravam. Próximo a ela, um daqueles lenços vermelhos que as pessoas agitavam caiu suavemente, e serviu para que ela estancasse o sangramento em uma das mãos.

Valentina despertou pela manhã, apavorada. Um sonho, um terrível e cansativo pesadelo. Seus olhos, ainda receosos, percorreram todo o quarto. Tudo em seu devido lugar. No coração, uma sensação estranha de tranquilidade. Pensou naquele homem que ela tanto amou e que a fez sofrer, mas sequer lembrou de seu rosto. Não conseguia lembrar, por mais que se esforçasse.

Aquele pesadelo teria sido uma ferramenta para fazê-la exorcizar a amargura que sentia? Não desejava mal algum a ele, mas gostaria de esquecê-lo. E se o que sonhou a ajudou a retirar do coração aquele que tanto a fez sofrer, então que assim fosse.

Pela janela, o sol brincava com a cortina. Ela pensou em levantar e ir para a cozinha, mas ao se apoiar na cama, sentiu uma dor horrível na palma de uma das mãos. Olhou-as e viu alguns riscados na pele. Ao aproximar os olhos, reparou várias pontas de espinhos cravadas profundamente. Quando levantou o olhar e mirou a estante que ficava diante da cama, foi acometida por um sobressalto. Lá, jazia algo que a fez mergulhar novamente naquele pesadelo. Uma coroa de espinhos, parcialmente queimada. Ao lado, um lenço vermelho manchado de sangue.


MarcioJR

quinta-feira, 21 de junho de 2012

TEMPOS MODERNOS


Image by Google

O fim de tarde caminhava apressado naquela cidade grande. Em um barzinho qualquer, duas amigas conversam despreocupadamente sobre suas vidas sexuais.

--Pois é, minha amiga. Comprei aquelas calcinhas que ele adora. --falava a mais novinha, sem se preocupar com as pessoas a sua volta. --Entrei naquela loja virtual, e detonei meu cartão de crédito.

--Como está a relação? Ele é quente mesmo, ou é só fogo de palha? --questionou a outra, procurando assunto para futricar.

--Ah! Já faz mais de seis meses que estamos juntos, e ele me leva as alturas. Me excita, me joga na parede, me vira do avesso, me faz de lagartixa...

--Lagartixa? Que trem é esse?

--Sei lá. Alguém escreveu na internet e eu gostei. Ou escutei na TV, nem sei.

--Você se deixa levar demais por essas coisas de TV e internet. Por vezes, esquece de viver a realidade da vida. --a mais velha argumentou, enquanto levava seu copo à boca.

--Que nada. Os tempos são outros. A vida está mais acelerada, e não dá tempo de viver como antigamente. Temos mil coisas pra fazer, mil lugares pra visitar, mil pessoas pra falar. Tem Facebook, MSN, blogs, Twiter, enfim, um milhão de coisas pra curtir.

música: TEMPOS MODERNOS (Lulu Santos) - by YouTube

--Tá! Esquece isso e me conta. E teu namorado, que nem conheci ainda? Você anda tão sumida, dedicando teu tempo só pra ele! Não pode esquecer as amigas e o mundo assim, desse jeito!

--Ele é maluquinho. Adora sair do trivial. Ele me completa, me preenche, está sempre comigo, e discute a relação sempre que podemos.

--O quê? --a mais velha perguntou, num tom de perplexidade bem visível. --Um homem que discute a relação? Isso não existe.

--E tem mais. Ele me acorda de madrugada, pra fazer amor.

--Não creio! Isso é um achado, uma jóia rara!

--Olha, ele é o homem da minha vida. Nunca tive um homem assim nas minhas mãos. Ele me faz confessar meus desejos mais secretos.

--Como assim? Te conheço bem, e sei desses teus "desejos secretos". Você é uma verdadeira tarada. Não vai me dizer que...?

Um breve silêncio tomou aquela mesa de bar. As duas, rindo, se olharam e a mais nova das duas enrubesceu.

--Pois é! Nós fizemos troca de casais.

--Nããããããão. Me conta tudo, nos mínimos detalhes.

--Ah! Tenho vergonha!

--Mas nem pense em sentir vergonha de me contar algo. --a mais velha ficou indignada e reclamou. --Pode contar, vai. To curiosa demais.

--Estávamos namorando e, do nada, ele me perguntou o que eu achava de swing. E eu soltei meus sonhos. Falei que sim, que topava.

--Tá. Conta, vai.

--Bom, não demorou muito, e ele já ficou todo excitado. Saímos do Skype, fomos pro “chat” do UOL e...

--Pára. Espera. “Chat”? Que história é essa de “chat”?

--Você não sabe o que é um “chat”? Que bobinha!

--É claro que sei o que é um “chat”. É um bate-papo online. Só que pensei que vocês tinham feito troca de casais mesmo. De verdade. Olho no olho, mão na mão, e outras coisas em outras coisas. Sexo de verdade.

--O quê? --a pergunta veio em forma de indignação, o que chamou a atenção das outras pessoas que estavam perto. --O que você pensa que eu sou? Alguma depravada, que sai por aí transando com qualquer um?

--Não é isso! É que...

image by YouTube
--Essa é a imagem que você tem de mim? Que saio por aí igual uma maluca? O mundo aqui fora é muito perigoso. Tô muito triste com você, amiga.

--Tá. Tá bom. Me desculpe. Mas, e qual é o nome desse teu namorado? Agora que me dei conta que nem isso eu sei.

--O nome dele é wilson38_solitário@ig.com.br. Nos conhecemos no Facebook, e foi amor a primeira “cutucada”. Temos a maior afinidade virtual.

--Não entendi. Esse é o nome ou o "nick" dele? Quer dizer que vocês nem se conhecem ainda? Nem o nome dele você sabe? E o papo de vocês se amarem, de namorarem por horas, e de você comprar até calcinhas que ele adora?

--Ai, amiga. Que ultrapassada que você é! E você acha que eu tenho tempo pra ter um namorado de verdade? Agora, dá licença, pois preciso ir pra casa. Tem um restaurante que inaugurou ontem, no Facebook, e vou com o Wilson, num jantar virtual. Tem até pista de dança por lá. Te encontro depois, no “chat” do UOL. Quem sabe eu te arranje um "love" de verdade por lá. Você tá precisando, amiga.


MarcioJR

domingo, 17 de junho de 2012

SORRISOS DE MEL / TOCAR UMA ESTRELA

SORRISOS DE MEL


Quisera eu pintar um sorriso, 
com as palavras, tal como pincel,
esboçar na lauda, traçar na tela,
colorir de versos à viva tinta
de tons vivos, as estrofes no painel.
Fazer do poema, uma aquarela
aos olhos, assim tornar distinta
a rima senão a mais rica, a mais fiel,
do que a alma sente singela
e docemente, num sorriso de mel. 

Ah! Sorrisos de mel me lambuzam, 
deixam em fios, toda a ternura. 
Fazem escorrer doçuras e mais, 
aplacam de mim o fel e paralisam
da solidão, toda e qualquer agrura.
Escoam tristezas, das lágrimas, os sais,
acalentam, inspiram e cruzam
fronteiras entre riso e siso, fissura
da alma, em momentos cruciais.

Quisera eu pintar um sorriso,
em toda sua importância e valor
e num quadro registrá-lo,
o que dele louvo e divinizo,
na arte mais pura de amor.
Com requinte emoldurá-lo,
com os afetos que canalizo
na alma. E na poesia de cor
para sua morada, deve levá-lo, 
(eis que é o mais sincero sorriso)
onde eu quero e preciso eternizá-lo.






TOCAR UMA ESTRELA
Marcio JR

Estrela Dalva - image by Google
No poente, de uma tarde lá das Minas Gerais, me vem o gosto do sol da aragem quente, daquele mesmo sol que se vai para dar espaço para as estrelas vindouras. Olho e reflito, replico o céu olhando ao norte e depois a oeste, procurando Dalva. Cá ao sul está frio, chuvoso e acinzentado, mas mesmo assim, numa fresta, vem a réstia de uma luz mirrada. Já é noitinha, e a tarde se foi, preguiçosa para os mineiros e úmida para mim, mais ao sul.

A luz daquela estrela, mesmo mirrada, é a mesma que brota nos grotões das minas, dos campos ou das montanhas de outras paragens. Não há inveja que faça a estrela sucumbir, pois sabe ela que deve (ou empresta) seu brilho a todos. Ela, pequena, toma corpo, se reveste de um amarelado mais intenso e, repentinamente, se aquece e brilha intensamente. Dalva, seu nome, é migrante. Nasce ao leste, mas teimosa, gira o céu e termina a oeste. Uma estrela que brilha durante o dia. Uma estrela com porte nobre, um planeta, uma Vênus.

Estendo o braço e espalmo a mão. Meus olhos, sossegados e mesmo recebendo a garoa que me envolve, se fecham. Aprendi com o poeta que nada é impossível, e neste instante, toco Dalva em seu momento mais íntimo. Toco-a no exato instante em que dela se está fazendo POESIA.

Lá, nas Minas Gerais, a poetisa escreve sorrindo. Lá, nas Minas Gerais, a poetisa está poetando versos para um SORRISO DE MEL. Lá, nas Minas Gerais, a poetisa olha Dalva e se inspira, e toca a estrela com seus olhos.

Quando minha mão alcança Dalva, a poetisa a abraça com seus olhos. Nessa intimidade tão ardorosa, a estrela guia minha mão, e num breve instante, me vejo acarinhando os olhos da poetisa.

Vênus, Dalva... Estrela Celêdian. Eu toquei os olhos de uma estrela, eu toquei os olhos de uma poetisa.


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A poesia que abre esta postagem me foi deixada em comentário por Celêdian Assis, do blog SUTILEZAS DA ALMA E MENTE. Foi um presente de imenso valor, e não achei justo deixá-lo apenas como um comentário. Então, deixo-o aqui, juntamente com esta singela homenagem que faço a esta poetisa/cronista que tanto admiro.

Celêdian Assis é a segunda pessoa a ter um texto publicado em meu blog. Além dela, Samara Bassi, em três oportunidades, havia dividido uma página deste blog comigo. São, para mim, muito mais do que duas amigas. São conselheiras, mestras naquilo que fazem e, acima de tudo, pessoas em quem me espelho sempre.

Minha querida Celêdian. Sinto-me gratificado e privilegiado pelo presente que me concedeu. Um beijo enorme pra ti.

Marcio JR

terça-feira, 12 de junho de 2012

UM DENGO E UM SORRISO

Um sorriso é uma chave para a felicidade. Um sorriso é um atributo da beleza. E não tome beleza em conceitos, pois tais conceitos não existem. Eles são relativamente incapazes de definir padrões, sejam estéticos ou afetivos.

A beleza vai muito além dos olhos de quem a enxerga. A beleza penetra muito mais fundo no coração de quem a recebe. A beleza... a beleza está radiante no sorriso de quem se solta pelo vento e voa num coração extasiado pelo que vê. E o que ele vê? Ele vê a beleza justamente do sorriso.

Um sorriso cativa, alucina, estremece... esmorece. Um sorriso de bom dia, um sorriso sonolento, deitado na boca encostada ao travesseiro.

Um sorriso encanta, um sorriso canta, um sorriso transpira.

música: EU TE DEVORO (Djavan) - by YouTube

Um sorriso carrega as dores e traz paixão. Um sorriso faz emoção e se mostra pronto para traquinagens. Um sorriso traz luz para um caminho perdido pela floresta densa do coração.

A menina que leva o menino pelas mãos e o fez escorregar pela grama molhada. Ela sorri e ele, quase hipnotizado, se joga pelas poças d’água do caminho. Ele sabe que tal coisa a diverte. E não tem gripe nem frio algum que o impedirá de fazê-la sorrir, pois o sorriso dela alimenta sua alma.

É no sorriso que o abraço do sono vem. E também é no sorriso que se adormece, com bocas levemente coladas e abertas, já preparando o sorriso do dia seguinte. No sorriso da boca adormecida nascem os sonhos, e por lá se voa por entre nuvens frias e espessas, encobridoras dos desejos mais quentes da alma humana.

É no sorriso que se ama, que se perde e se ganha. É no sorriso que nascem as mais belas palavras, tanto aquelas que vão iluminar (com o próprio sorriso) o caminho de alguém, quanto aquelas que brotarão de uma boca ansiosa e que vão sempre torcer por um novo sorriso.

Sorriso que pede beijo, sorriso que implora para as lágrimas cessarem. Sorriso murcho, vibrante, quente, malicioso, dengoso. Talvez este último seja o mais cativante, pois normalmente ele vem recheado de um pedido de colo. E quem recusa um colo para um sorriso assim, dengoso?

Um sorriso que envolve o dia, e que arrepia.

Só um sorriso.

Marcio JR

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A postagem acima foi feita num rompante. No entanto, não me sobrou tempo para revisá-la. Então, me penitencio e, assim que retorne da PUC, corrijo os erros. rsrs. 

Abraço a todos, e perdão pelos erros.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

METADE



METADE
Marcio JR

Sou meio lua,
Sou meio sol,
Quem sabe, meia vida,
Quem sabe, meio eu.
Sou metade de tudo o que busquei,
Sou metade de tudo aquilo a que me guardei.
Sou raiva, paixão, emoção.
Sou um todo pelo meio,
Sou meio tolo.
Sou todo SONHADOR.






METADE
Sam

de tantas, sou um inverso de todas.
das muitas, o pouco que resta das tempestades que me fazem casa,
que me faço asa.
nas diversas arestas do meu próprio olhar,
sou a metade que nao me completa, 
mas a plenitude que me compartilha.
sou o espaço que não me cura
e a saudade que me aluga as horas
por entre os dedos de qualquer inteiro que não me reparta,
mas que me conclua na minha
incapacidade de ser definida,
de ser concluída,
e mesmo assim,
na minha inteira vontade
de ser plural
e singular,
vez ou outra.


Quem sabe o Oswaldo Montenegro esteja certo! Acredito que eu seja metade de mim mesmo. Acredito que eu conheça metade da maldade do mundo. Acredito que eu só tenha sido amado pela metade.

Penso que andei a metade do que eu poderia ter andado. Ou que eu tenha galgado a metade do que me foi reservado. Penso também que minha outra metade está por aí, procurando a metade dela, ou se entregando nos braços de outra metade, indecisa.

Não sei se o que está comigo é a metade boa ou má, mas sei que é a metade mais frágil. Por certo, a outra metade que me fugiu é a que aguentava os trancos, os solavancos, os “não” que a vida reserva a cada um.

Minha metade que conheço é apaixonada, vive de devaneios e deslumbrada. Se entrega num ínfimo de tempo e, depois, conhece o mais puro êxtase de saudade. Ela é assim, e o que eu posso fazer? Brigar com a essência?

A metade daquilo tudo que conheci me fez bem, e a outra metade nem tanto. Porém, essa metade que não me fez bem, me mostrou muito. Me derrubou várias vezes, mas me ensinou tanto! Me ensinou a não ser tão egoísta, e também a ser pleno. Aprendi a ser intenso. Já me condenaram por isso, pela minha intensidade, mas aprendi, também, a mandar às favas quem tanto me condena.

música: METADE (Oswaldo Montenegro) - by YouTube

Aprendi que uma voz suave ao coração é necessária para amainar as dores da saudade. Aprendi a amar pimenta. Ou nem aprendi. Já nasci gostando. E hoje, o gosto de pimenta arde em minha boca.

Nem tudo está distante. Nem tudo é metade. Por tanto, se quero algo mais, preciso me fazer como um todo.

Metades são parte de nós. E assim nos conhecemos. Quando descobrimos qual metade está em nós, é mais fácil achar a outra parte, a outra metade. Alguns, porém, viverão assim, em meia vida. Fazer o que, não é?

Eu, por enquanto, vou por aí, ouvindo o Oswaldo cantar por inteiro, mesmo que a música fale em metades. Cedo ou tarde, me completo.

Marcio JR