sexta-feira, 22 de abril de 2011

CHICO CONTENTE - NÃO ERA O DIA DA ONÇA

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Chico Contente era um caboclinho que vivia pros lados de Piracicaba, isso lá nos idos da década de 30. Ligeiro na lábia, ganhava a vida com sua pequena tropa de mulas, mas a estrada de ferro teimava em tirar seus negócios. Contador de histórias e causos, era adorado por todos, e mesmo que ninguém acreditasse em uma palavra sequer que viesse de sua boca, bastava chegar em algum lugar, para que se formasse uma concorrida roda de prosa em torno dele.

--Oh! Chico. --alguém chamava, já puxando uma garrafa de pinga. --I aquela veiz qui a onça te incurralô, hómi? Conta pra nóis!

--Pois, óie! --Chico só olhava e mastigava os próprios lábios, enquanto media seu público. --Daquela veiz, mi deu inté um revertério:

“Tava eu cum minha Zarôia, aquela mula qui tenho i qui coxeia pru lado isquerdo, lá prás banda di Sorocaba. A noite tava arta i eu acindi a foguêra, mais a Zarôia tava por dimais inquieta. Fui ispreitá um poco mais adiante, i quano mi dô conta, a Zarôia passô qui nem corisco, i fiquei a pé. Prá piorá as coisa, inté a mardita da foguêra saiu no pinote. I foi intão que começô a miadera. Aquilo era qui nem qui casal di jumento zurrando, hómi! I o pior é qui vinha prás minha banda.”

--I ocê, hómi? --algum dos ouvintes se assustava, mesmo sem acreditar muito. --O qui ocê feiz?

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“Inveredei pros mato. Se ia fugir, tinha que achar argum canto miór prá módi camuflá, ou inté um rio prá podê atravessá no nado. I corri, corri qui corri, mais já tava cansado, c'as perna trançano iguar pato bêbado. Os miado ficô perto, e quano oiei pro lado, tava lá as bicha, uma parda e uma branquinha, branquinha”.

--Pára, Chico! Onça branca nos arredor di cá?

“Num ti méte, qui acho qui ela tava trocano as pena. Mais num pudia ficá alí, i corri di novo, inté qui cheguei num paredão di preda. Num sô di réza, mais naquela hora, caí de jueio no chão e juntei as mão, pedino pro Pai um cadinho de perdão pur tudas tramóia qui armei aqui. I fiquei alí, cos zóio fechado só isperano o bote das onça, i nada. Tudo ficô quétinho, quétinho”.

--Fala, hómi! --já berrava alguém, nervoso com a interrupção da história. --O qui as onça fizéro?

O Chico era mestre em preparar um cenário de suspense. Arregalava bem os olhos e mirava um por um de seus espectadores, até que arrematava:

“Ieu tava alí, rezano, i quano oiei pro lado, tava as duas onça, tumem di jueio no chão, cas pata de riba juntinha e dizeno ‘obrigado, Pai, pela refeição que nos concede...’ ”.

A gargalhada estourava por todos os lados, e quando todos achavam que o causo havia acabado, o Chico surpreendia e já falava:

“Mais cêis acham qui cabô? Cabô nada! Porveitei qui elas sí perdêro nos gardecimento, e piquei a mula, qui di burro, só meu pai quano foi prá capitar pra módi cumprá máquina di fazê chovê. Corri o qui pude, e as peste das onça atráis. Corri tanto, qui umas légua adespois, passei inté pela mula Zarôia, qui di tão cansada, tava inté coxando do otro lado, prá inconomizá perna. I as onça quasi no meu lombo. Inté qui Jisus arresorveu mi acudí”.

--Lá vem lorota di novo. --o padre, que estava sentado logo atrás do Chico, bronqueou e só coçou o queixo, esperando ansioso pelo final da narrativa.

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“Pois óie, seu padre, ti juro qui é vredade. Num tinha nadica naquela campina, i quano oiei di novo, tinha lá uma ingrejinha. Apressei a passada, mais já tava sentino o bafo quente delas no meu cangote. Tava veno qui num ia consegui chegá, i quano elas tava pra mi dá o bote, elas patináro i iscorregáro, i eu entrei na ingrejinha”.

Todos ficaram calados, apenas se olhando mutuamente. Aquela história ninguém conhecia ainda, e vinda do Chico, tudo era possível. O fato é que ele conseguiu seu propósito, e a dúvida remoia a cabeça de cada um, até que, sem aguentar, o padre levantou e encarou o Chico bem nos olhos, arrematando assustado.

--Mais, Chico, seu porquêra. Si tô no teu lugar, tinha me cagado intero, hómi!!

--Seu padre, cum todo respeito. Ondi u sinhô acha que as onça patináro i iscorregáro?


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Ana Marly de O. Jacobinio
Este "causo" é uma junção e adaptação de dois contos de domínio público, que deixo aqui em homenagem a minha querida amiga e "madrinha" literária, a piracicabana Ana Marly de Oliveira Jacobino.

Algumas pessoas, como a Ana, são donas de uma generosidade fora do comum, e não medem esforços para ajudar àqueles que estão começando algo em suas vidas. E esta caipiracicabana, como ela mesma se denomina, tem sido uma grande incentivadora e colaboradora em meu caminho literário, além de mestra e amiga.

Humilde, extremamente talentosa e dona de um dos sorrisos mais cativantes que conheço, mantém um blog onde canta uma de suas grandes paixões, ou seja, a cidade de Piracicaba (Agenda Cultural Piracicabana).

Então, a ti Ana, minha querida amiga e madrinha, assim como a todos aqueles que frequentam o ABISMO DAS VAIDADES e o ARENA DAS CRÔNICAS, uma PÁSCOA recheada de paz, amor e felicidades.

FELIZ PÁSCOA.
Marcio JR


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23 comentários:

  1. Que delícia de causo, Márcio.

    As pessoas antigamente eram de uma simplicidade comovente.Sinto falta disso hoje em dia.

    Tenho uma ligação de muito carinho com a cidade de Piracicaba, pois foi onde fiz faculdade.

    Beijos a vc e Ana Marly.

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  2. kkkkkkkkkkkkkk

    eu que me caguei de rir, diacho! rs

    Tu é uma danado, hein Marcitcho! hehe.
    Beijos queridooooo!!!

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  3. Um causo que se desdobrou em outro e muito legais os dois.

    Muito legal e merecida, a homenagem à querida Ana Marly, dedicada escritora, faz um trabalho exemplar na Agenda Piracicabana.
    Está sempre presente nos amigos e vale sua amizade.

    Um beijo à ela, um abração pra ti e FELIZ Páscoa para todos! chica

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  4. Óia Afiado: ocê quasi me matô de susto cum o causo das dita onça, inda aprendi que a tar onça é branquicela pruque tá trucano a pena. Alembrei que o Cumpadre Totonho conto que a cumadre Tonha feiz um travesserô de pena di onça pra ele drumi, i quase que num querditei na tar da lorota, mai si ocê cumpadre Márcioo falô tá falado!Passu a querditá!
    Tumém inté sigurei o coração nas mão cum u susto qui tive de vê o tar do meu retrato no seu brog. I suas palavras intão faiz a gente se emocioná em prena sexta-feira da paixão di nosso Sinhô Jesus Cristinho. Nossa! Tenhu cá cos meu botão que o cumpadre Córnéio Pires, aquli de Tiête, mai qui moro aqui em Pricicaba tumém, poi, ele iã apraudi e pidi pra gravá o seu causo numa destas úrtima invenção dos hómi, o tar do LP, cunhecido como bolachão e Cornélio ia saí tocano num pareio di ouvi música du seu Ford bigode.
    Cumpadre Márcio ocê tá mi fazendo derramá água dos zóio de tanta belezura que ocê escrivinho aí no seu tar de Abismo de Vaidades. I cumo o se sabi iscrivinhá tão bem,Deus lhi ajude, pra sempre i sempre, brigadu. Desta sua madrinha CaipricicabANA Marly de Oliveira Jacobino i querdite meu fiádo Márcio tô aqui em Pricicaba mandando um beijo pro seu coração!

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  5. Êita que agora me encho di orgúio... rss

    Um homenagiamento a uma pessoa aqui de nossa região com o sotaque verdadeiro do caipira interiorano de Sum Paulo.

    Maí ocê dizeu aí que o hómi sicagô todo éh!!
    Tasqueuparóbas... Tadinha das onça se imbostiaram todinha.... kkkkkkkkkkkkk

    Valeu mano véi Marcio, Muito dilicia lê o causo.
    Parabéns a tu e a Ana M.J. pela beleza das expressões usadas... deveras aplaudi.

    Deussssssssssskiajude
    Tatto

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  6. Êtcha, causo bem bom sô! Adorei!!!
    PArabéns a ti e à Ana!
    Deixo meu desejo de um Páscoa de paz e sorrisos verdadeiros para ti, amigo Márcio.
    Bjoooo

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  7. Márcio, esse aqui eu tenho que chamar o Geraldinho do Engenho lá do RL para aplaudir junto comigo. Bom demais, meu amigo! Abraços. paz e bem.

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  8. Para você Marcio e todos os seus leitores:
    "A Semana Santa está nas nossas raízes desde a colonização e marca a história de cada um, com a vida e a morte de umhomem há mais de dois milênios! Seu nome: "Cristo"!" Feliz Páscoa ao Educativa nas Letras.Desta CaipiracicabAna Marly de Oliveira Jacobino

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  9. Ahh..que delícia de leitura, Márcio. Um causo dos mió que há, prá gente morrer de rir. Uma narrativa que usa a linguagem regional com total domínio, divertidíssima e tenho que repetir (já que você gostou..rs) parece mesmo bem mineirinho o seu agradável modo de narrar. Vi o Cacá falando ai que chamaria o Geraldinho do Engenho, mineiro dos bons, contador de causos, tenho certeza que ele adoraria.

    Excelente, meu querido amigo. É um prazer enorme ter acesso ao seu espaço. Parabenizo também a Ana, que ainda não tive o prazer de conhecer, mas que já está no meu roteiro de visitas.

    Aproveito e espaço para agradecer e dizer que o seu comentário sobre a situação que viveu e as sensações que reviveu lendo o meu texto das montanhas, foi agradabilíssimo e me emocionou, sabia? Obrigada Márcio, você tem sido um grande amigo e um estímulo enorme para a minha caminhada no mundo das letrinhas.

    Um abraço com carinho e uma santa e feliz Páscoa para você.
    Celêdian

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  10. Maninho, maninho que inspiração!
    Te ler já é riso na certa em alguns momentos.
    E a Marly, tão bem merecida essa homenagem.
    Pessoa que conheci a pouco tempo através de ti e olha, ela é maravilhosa.

    Beijo.

    Maninha

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  11. FELIZ SÁBADO DE ALELUIA querido meu.
    Maninha

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  12. Olá Marcio,

    Gostei da sua opinião em minhas postagens. É bacana ler blogs de pessoas que sabem do que estão falando.
    Esse causo de Ana Marly é ótimo! Rir faz bem demais.
    Abçs e Feliz Páscoa!

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  13. Fiado Márcio: vortei pra incintivá proôce cuntinuá a iscrivinhá os causo óia nói aqui do interiô temo uma renquia deles no cucurutu bem esmemoriadu. Vigê carso pra toda vida. Intão ocê tá de parabéns e cuntinui a proseá banito dessi modo,qui eu continuo aparaudindo òce!Desta sua madrinha CaipiracicabANA Marly de Oliveira Jacobino

    Ah! Resolvi ajuntar nesta publicação; o que publiquei lá na Agenda Cultural Piraicabana depois da sua visita tão maraaaaaaaavilhoooooooooosa:

    Meu afilhado Escritor Márcio: cá estou encantada e rindo pelos cotovelos ao ler o seu comentário. Nossa! Você mais do que ninguém sabe ler as minúcias dos textos, e, com isto conhecer melhor o nosso trabalho. Agradeço de coração; o que escreveu por aqui, isto dá um chá de animo...da sua madrinna CaipiracicabANA Marly de Oliveira Jacobino

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  14. Oi,

    Gostei muito da postagem!!

    Abraços...

    Kleber

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  15. Por demais engraçadu, ara sô!
    muito bom começar o dia rindo.
    parabéns mil!!!
    uma boa páscoa para todos.
    abraços

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  16. Oieeee MarcioOOOOO queridoo amigooooOOOO
    Feliz PáscoaaaAAAAAAA!!!
    Beijosss achocolatados!

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  17. kkkkkkkkkk eita homi, não guento rsss

    Vou lá conhecer o espaço de sua madrinha rss, recomendado por vc, sei que vale a pena.

    Que a sua páscoa tenha sido tudo de bom, gurdei um chocolate amargo pra gente dividir.

    Que a sua semana seja maravilhosa.
    se cuida moço
    te doloooooo.

    E marcio só quero vê o que nosso Xipan vai aprontar, essa não perco, vc me permiti,(se não, vc me fala que retiro) vou colocar lá no meu cantinho, pra chamar os meus amigos, a vir conhecer os dois.

    beijos doces, carinho sempre.

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  18. Um "causo" e tanto! Você está circulando com a maior facilidade por todos os estilos litarários. E o melhor: está arrasando por onde quer que se arrisque. Parabéns!
    Não me "caguei", mas que dei boas e muitas risadas, ah, isso eu dei...kkkkk...
    Belíssima homenagem. Parabéns, meu amigo! É sempre um enorme prazer ler você.

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  19. Bão dimais!
    Márcio, num passe de mágica fui parar lá em 66, na venda do meu pai, escutando causos.
    Obrigado!
    Berzé

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  20. Oi Marcio depois de um feriadão, estou voltando ao mundo virtual.Hoje passei para perguntar se pode me ajudar.Você sabe como colocar o video do youtube de musica sem as imagens? como está na entrevista da Chica?Ja´tentei N vezes e não sei.Se puder,me ajudar...
    beijo e uma ótima semana

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  21. Muito boa Marcio.Dá uma saudade danada das Gerais.Bela construção que prende bem o leitor e aguça a curiosidade.
    Um abração.

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