Poucos entendiam, ou quem sabe ninguém compreendesse direito, as lágrimas daquela moça. Por vezes ela chorava sem motivos, assim do nada. Em alguns momentos, os mais alegres, os olhos dela simplesmente vertiam pequenas gotas, mas não eram lágrimas normais, e sim brilhantes, como se partículas de ouro fizessem parte da composição daquele asseio dos olhos. Sequer ela, que passou a ser conhecida como “menina dos olhos dourados”, tinha ideia de como aquilo acontecia.
Tudo começou em uma noite de inverno, muito fria e chuvosa. Ela ainda era uma menina de seus 15 anos de idade, muito bonita e traquina, mas que passava por alguns tempos de tristeza. Mesmo rodeada de pessoas, sentia-se estranhamente sozinha, e era no recolhimento da noite que ela se entregava aos seus reais sentimentos. Deixava a cortina da janela aberta e assim adormecia, olhando a madrugada e as estrelas, sonhando um dia poder navegar pelo infinito daquele céu majestoso.
Durante o sono, certa vez, ela libertou todos os seus desejos e, sem querer, conseguiu a chave para penetrar um mundo mágico, muito além daquele que está na compreensão humana. Sua pureza de espírito a levou até lá. Neste novo mundo tudo era como se imaginava ou se queria. As flores eram mais coloridas e as frutas se misturavam em árvores totalmente distintas. Limoeiro dava pitanga e a jabuticabeira era carregada de amoras do tamanho de laranjas. Tomates apinhavam em cachos nos coqueiros, enquanto a jabuticaba nascia nos pés de ervilha. Como se não bastasse tudo isso, o perfume desse mundo faria qualquer um viajar. O cheiro desse mundo? Lavanda.
Lá, no mundo dos sonhos, os animais conviviam em paz, e fazia-se escorregador no pescoço da girafa. A gangorra era nas asas dos passarinhos, e existia um tobogã que vinha lá das nuvens, molhado com chuva de groselha para escorregar melhor. A casa, única que existia por lá, não tinha portas ou janelas, e na varanda, imperava soberana uma rede enorme e confortável, que balançava sozinha. Era lá, nessa rede, que a menina aparecia quando adormecia, e também era na rede a saída para o mundo fora dos sonhos. Quando o sono, dentro do sonho, apertava, era para a rede que ela se entregava, e assim acordava, até meio triste, no seu mundo de solidão. A cada dia ela queria sonhar mais, e sequer imaginava o que a esperava lá pelas bandas de seu refúgio encantado.
Em certa ocasião, lá no mundo mágico, ela brincava de pega-pega com os girassóis e, cansada, foi para a rede, e por lá adormeceu. Estranhamente, ela não foi transportada para seu mundo verdadeiro, e por lá ficou. A lua, com a proximidade do amanhecer, foi dando lugar ao sol, e este, guardião das chaves desse mundo, quase morreu de susto ao ver a menina ainda ali, dormindo na rede. Algo estava errado. E foi quando o sol, ao olhar para trás, reparou um risco dourado cortando o céu. O que seria aquilo? Uma estrela cadente?
Pouco depois, uma estrela descia no mundo mágico, parando bem perto da menina. A estrela, antes gigantesca, estava quase anã, pois o deslocamento que a trazia do outro lado do universo a fez se desgastar de tal forma, que reduziu seu tamanho. E o que ficou pelos céus foi o mais belo rastro de pó de estrelas.
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O sol aproximou-se lentamente da estrela, e reparou que ela chorava copiosamente. Mas, por que ela chorava assim? O que ela estava fazendo ali? E a menina? Não iria embora? Foi então que o sol, em sua sensibilidade, entendeu. A estrela estava apaixonada pela menina, e correu para poder vê-la. Desejou tanto isso que se desgastou em tamanho e, também, diante de sua imensa vontade, manteve a menina ali.
A estrelinha soluçava e estufava o peito, e o sol, soberano naquele lugar, resolveu conceder-lhe um desejo. A estrela, aquietando-se, olhou para os olhos do sol e brilhou intensamente, desaparecendo no mesmo instante. Em seguida, foi a vez da menina se transportar aos poucos, ficando transparente e reaparecendo em sua cama, lá no mundo real.
Daquele dia em diante, a menina não sentiu mais aquela solidão que tanto a amargurava. Sentia agora que algo, ou alguém, protegia-a constantemente, deixando-a aquecida e cheia de energia. Seus olhos adquiriram um brilho mais intenso, e suas mãos, sempre que tocavam alguém, passavam a sensação de que eram mágicas.
A menina não retornou mais ao mundo mágico. Não precisou mais ir até lá. Ela, agora, tinha uma estrela dentro dela. Uma estrela que, apaixonada, fez um pedido ao sol: morar dentro dos olhos da menina.
As lágrimas? Elas nascem da estrela que, traquina e brincalhona, não se cansa de correr e brincar pelos olhos da menina, largando pelo universo daquele olhar o seu rastro de pó dourado.
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.
Sua fábula é um presente neste dia que está sendo tão especial para minha filha!
ResponderExcluirUma escrita tão delicada que realmente nos transporta de forma que é possível afirmar: eu senti aquele cheiro!
Abraço!
Olá, Ana.
ExcluirDei uma passadinha lá no seu blog e vi a notícia maravilhosa que você deixou na última postagem. Eu sei de quanta determinação e afinco é necessário para passar no vestibular da UFMG, ainda mais em se tratando do curso de medicina. Uma grande amiga blogueira, goiana, fez o mesmo caminho da Julia, e se formou em medicina justamente lá. Está formada faz uns 4 anos, e penou para ingressar no curso. Por isso, diga à sua filha que estou mandando meus parabéns daqui do sul, e torcendo para que esses anos sejam os mais tranquilos e proveitosos para ela. Você e seu marido também estão de parabéns, pois souberam moldá-la para este momento.
Grande abraço para todos vocês, Ana. E felicidades especiais para a caloura.
Marcio
Não resistir....
ResponderExcluirPrecisei comentar...
Seu escrito é um sonho...
É um sonho?
Se é, não quero mais acordar.
Esse me pegou de jeitinho....
Afaga de ternura o meu gostar de sonhar....
Você retém a escrita que em meu mundo vago desabrocha...
A poesia que se faz sonho...
divago.
Saiba seus escritos retém o que fertiliza;
Um jardim de cores e poemas. Nascem dos brotos de seus escritos...
E as flores de cores e o perfume das alfazemas. ..
O tempo perdura vagueiam...
As letras e versos que se cantam, aos toques de candura...
Essas mágicas letras e pinturas nanquins.
Adentro neste seu escrito...
E o mundo branco, se enche de cores ...
Parabéns...
Continue a nos encantar sempre.
Mandei um e-mail a um tempo atrás...
Obviamente não esperei resposta...
Compreendo que vocês que detém sonhos nas pontas dos dedos vivem em outra realidade...
Gratidão .
Pelo que permite que nos chegue....
Contemple as estrelas.
???
ExcluirPoxa, é uma pena que você não tenha assinado. Gostaria de saber quem deixou tão belas linhas. Lamento se não responde seu e-mail, mas, por vezes, o gmail joga direto para a caixa de spam. Se você voltar e ler minha resposta, por favor, se identifique. Fiquei por mais de 5 anos sem publicar, e talvez, seu e-mail tenha entrado nessa época. Se me deixar me redimir de meu erro, retorne e assine, para que eu possa agradecer adequadamente, ou mande outro e-mail, para que eu possa responder.
Mesmo assim, grato sempre.
Marcio
Sabe, eu não sei o que dizer sobre esta fábula. Como uma vez um sobrinho, muito esperto, me disse: "Não sabe o que dizer? Não diga nada. É uma bela fantasia para o deleite dos seus leitores. O fato é que gostei do pó dessa estrela, E aprendemos como nasce a alegria, a felicidade... São raros os olhos que sabem ver...
ResponderExcluirGrande abraço, Marcio!
Meu tão estimado Sant'Anna! Não sabe o que dizer? ''São raros os olhos que sabem ver..."!?!? Certeza de que você não sabe o que dizer? Jura?
ExcluirMeu amigo, grato sempre pelo carinho, pela generosidade e pelas críticas tão pontuais às minhas palavras. Mesmo sem saber o que dizer, você diz tudo.
Muito obrigado.
Marcio
Caro Márcio,
ExcluirDe verdade, a sua fábula dispensa palavras. Ou melhor, não as dispensa, se assim fosse, ela não se faria a fronteira entre a história e a fantasia. Nela, há tantos elementos palpáveis, ainda que fantasiosos, que seria uma experiência interessante, quase digo fantástica, mas fantástica é a história que você conta e permite o voo dos personagens e leitores. Esta história ilustrada seria um manancial pedagógico que encantaria corpo docente e discente e renderia um semana de trabalho produtivo, enriquecedor.
Imagine, o que renderia das mãos e cabeças dos grupos a reinvenção desta história... Não vou ilustrá-la, mas vou editá-la para uma criança de 7 anos, Marina, que divide o mesmo andar comigo, em lados opostos. Estou no par e ela no ímpar. Depois eu conto o desdobramento ou de como o "pó de estrela" se espalhou no "Tempo de Criança"... Não se preocupe, com o devido crédito.
Um abraço,
Sant'Anna, sequer sei o que dizer... Oxe, agora sou eu que não sabe o que dizer?!?!
ExcluirMe preocupar? Jamais. O texto é seu, e ao seu uso, sei que estará bem cuidado! Leve-o para Marina, mas, com uma condição. Quero saber como ela o recebeu. E leve-o para tantos lugares você achar que deve. Me falta essa coisa de saber da receptividade das crianças. Os blogs são, naturalmente, coisa de adulto, e esse "tempo de criança" me falta.
Que presente você está me dando!!!
Aqui, meu caro amigo professor, você tem passe livre. Se esparrame!
E grato! Grato sempre!
Marcio
Marcio, você construiu um conto surreal, tão lindo, tão impossível como é a pintura surrealista que poucos entendem, mas todos acham linda demais, ou nada, justamente porque é uma fantasia muito própria, e quanto maior é a fantasia, mais surreal. E muitos interpretam de acordo com seu conhecimento, do que vai na mente e no coração humano, seus sentimentos, suas aspirações, suas fantasias, suas emoções. Achei extremamente delicado e cheio de sentimentos da menina que sonhava muito, e você criou um mundo à parte para que a solidão desaparecesse, para que a menina vivesse melhor, sem sofrimento, sem mais solidão, pois tinha as estrelas, a lua, o sol!
ResponderExcluirEssa foi a minha interpretação, Marcio, para tão belo conto.
Meu abraço!
Olá, Taís.
ExcluirSempre gostei muito das fábulas, mas demorei para me atrever a escrever a primeira. Parecia tão complicado criar o universo e as situações mas, depois da primeira, vi que tudo isso estava dentro de mim, e bastava dar vazão.
As fábulas e o mundo onírico andam paralelos, tendo como diferença o fato de que a fábula eu crio e controlo, já os sonhos, esses têm vida própria, a não ser que se sonhe acordado. E, talvez, para as crianças seja mais fácil a interação com uma fábula, pois elas não tentarão interpretar, somente se entregando a ela. Mas eu te garanto, Taís. Qualquer escritor, seja cronista, poeta, contista... que nunca escreveu uma fábula, se escrever a primeira, se apaixona.
Abraços daqui da terra das Araucárias, Taís.
Marcio
Não sou de sonhos, Marcio, sou muito realista e pé no chão, mas este conto emocionou-me; sempre penso no que acharão as crianças do mundo onde vivem? Que compreensão terão elas de tamanhas barbaridades que veem e sentem? Como esta menina, chorarão, com toda a certeza, mas sem a minima noção do motivo por que escorrem tantas lágrimas . O mundinho delas será o mesmo dessa menina, um mundo de magia onde a lua convive com o sol e outras estrelas, todos no firmamento ajudando-se mutuamente, um dando a vez ao outro como indicações do planeta terra, sem quesilias, sem preconceitos, sem xenofofia, sem guerras, sem fome. , sem qualquer especie de violência. E vivendo nesse mundo, olhando as estrelas, acenando à lua um boa noite, conversando com o sol, a menina não dava lugar à tristeza e à solidão; nesse mundo de sonho ela sentia-se criança, uma criança feliz a quem lhe era dado esse direito, o direito de brincar e sonhar, enfim...o direito de ser criança. Mas, infelizmente, Marcio, há muitoas crianças que não conseguem sonhar, que não podem ver as estrelas, nem a lua nem mesmo o sol; o fumo dos incêndios causados pela queda de misseis enegrece o céu, o barulho das sirenes impede-as de dormir e nem uma rede lhes resta para descansarem o corpinho doído pelo sofrimento. O mundo é diferente, mas quem não desejaria esse mundo fantástico que existia nos sonhos dessa menina e no sonho de todas as crianças felizes que podem sonhar? Todos nós, Márcio! Todos nós! Lindo demais! Beijinhos e obrigada
ResponderExcluirEmilia
Olá, minha querida amiga.
ExcluirNo comentário acima, em minha resposta para a Tais, comentei que demorei, por receio, a escrever minha primeira fábula. Mas quando o fiz, viciei. E é tão bom poder soltar esse lado criança que existe em mim, acreditando em mundos mágicos, na fantasia, num olhar puro. E é tão bom escrever para as crianças, pois a interação delas é mágica. Elas vivem o que é lido para elas, e assim, eu penso que consigo transformar o mundo delas em algo mais calmo, mais cheio daquele sentimento de pureza, onde não é pecado sonhar.
Quem dera, minha amiga, um dia alguém ler uma fábula minha para essas crianças que você citou, e fazê-las ter um pouco de sossego e paz, sonhando com um mundo tão distante para elas.
Escrevo as fábulas para as crianças, mas tenho imensa satisfação quando os adultos leem e saboreiam, se soltando e libertando a criança que tem no peito. Um querido amigo, maestro brasileiro e publicitário, residente na Suíça, mas que infelizmente já nos deixou, comentou a alguns anos que essa fábula, fez com que ele voltasse ao passado, lembrando com saudosidade das histórias que os pais contavam. Segundo ele, a guardou e a lia sempre que podia. Imagine minha satisfação.
Grande e fraterno abraço, Emília.
Marcio
Moço Marcio,
ResponderExcluirVim te dar um olá,
ler seus textos e
dizer que estou sem comentar
mas não sem ter.
O comentário de fato a respeito
do seu textofarei outro dia.
Bjins de afeto.
CatiahoAlc.
farei depois
Olá, Cátia.
ExcluirNem se preocupe. Eu também ando na correria, e mal consigo separar muito tempo para os blogs. Minhas últimas publicações são releituras ou reedições de textos antigos, pois sentar para escrever, isso tá tenso. Quero ver se pro fim de semana coloco em dia.
Abraços, Cátia.
Marcio
Bom dia,
ResponderExcluirUm exemplo de determinação e coragem, ótima crônica, um forte abraço.
Márcio, que fantástico, você além de escritor da vida real, misturando o regionalismo presente em todo o Brasil, também tem um misticismo e uma certa magia potencializados, perfeitos para serem admirados!
ResponderExcluirQue lindo texto, chama-se fábula não é?
Lendo-o e pensando na conjunção dos planetas Marte e Júpiter que eu não consegui ver ontem...rsrs Sim, não vi nem o rastilho do brilho , quanto mais a conjunção dos dois...rsrs Fiquei a imaginar na estrela que se deteriorou todinha por estar apaixonada pela menina e foi morar em seus olhos que agora se ilumina todas as vezes que alguém olha para ela! Isso é bonito demais amigo! Suas ideias são mesmo fora de série, seus pensamentos são ferventes. São ideias de quem pensa 24 horas por dia, sem trégua! Pensamentos se aproximam de ti e você, imediatamente os converte em ideias e os transporta para o mundo das letras...
Mas continuando, seria lindo uma fábula do encontro do gigante Júpiter com Vênus. Eu não consigo imaginar uma história para esses dois planetas, mas creio que da sua mente já pululou uma ideia...quem sabe não é?
Eu amei encontrar as palavras groselha e lavanda no meio de tudo isso. Me remeteu a grandes memórias!! Como sempre um primor amigo!! Não sei como demorou tanto para voltar à blogosfera, mas retornou com toda a honra e pompa!!!!
Já eu, estou um pouco desanimada em prosseguir, minhas ideias estão escassas e as músicas já não estão mais me causando tanto impacto quanto antes para que saia aquela edição perfeita... Espero que seja apenas uma ausência de criatividade momentânea causada pelo calor absurdo de Vitória que beira os 40 graus.
Grata amigo e aguardo mais fábulas, é bom demais imaginar tanta coisa linda assim!!
Maravilhoso final de semana!! :)))
Sou bruxo????????? Eu sooou... rsrs. É uma fábula sim, Dri, e elas me tomaram faz um tempo. Adoro, amo. E sabe o que é melhor? Além de ver crianças sorrindo com elas, eu ainda consigo encantar as crianças que existem dentro dos adultos. Isso não tem preço.
ExcluirJá quanto à conjunção planetária (que você citou Marte e Júpiter....? Tá, eu sei... muito quente por aí) entre Júpiter e Vênus, ainda não parei para casá-los... ops, spoiler!!!! Mas tenho uma crônica/fábula que envolve algo parecido. Vou procurar e te mandar.
Já quanto ao seu desânimo, minha amiga, esquece o calor. O sol não impede ninguém de escrever, só retarda. E as músicas? O impacto será sempre o mesmo, portanto, não são elas. Se me permite dizer, você está envolvida até o pescoço com o mundo virtual, e isso cansa, consome a gente. Relaxa um cadim, vai andar de bike, vai caminhar descalça na praia, e depois faz uma trilha e vai pra cachoeira. Postar? Editar? Dá um tempo pra você, Dri. Vi suas respostas aos meus comentários, e muito mais do que postagens suas, eu quero é você por aqui. Sossega um pouco, vive um pouco mais para você. Já te disse e repito. Você é uma pedra rara, não brilhante ou valiosa. Você é uma pedra de rio, daquelas que a gente olha e vê que não existem duas iguais, e que deve ser deixada lá, com o fluir das águas te banhando. Não tem preço. Então, se cuida.
Abraços, menina.
Marcio