quarta-feira, 3 de julho de 2013

CASULO

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Sol. Sentia o calor aquentar-lhe rosto e corpo. Um renovar tomava-a como em outros tempos. Gostava do vento, da chuva e da sensação de poder se movimentar livremente. Seria a hora certa?

―É! Lá fora deve já deve ser primavera. E agora, o que eu faço? Está tudo tão úmido aqui dentro ainda, e nem sei se estou pronta para sair.

Revoadas daqueles que independem de casulo tomavam todo o espaço. E ela ainda lá, em seu casulo cor de pele. Sairia quando? Criaria coragem?

Admitir a necessidade de encasular fora um problema. Sair do casulo era outro, ainda maior. Não existia conforto naquele lugar apertado, mas em compensação, nada a molestava ou incomodava. Ninguém se aproximava. Ninguém aparecia sequer para pedir uma xícara de açúcar emprestada.

―Ninguém! Em todo esse tempo, ninguém lembrou que existo! Ninguém...

A primavera, com seus motivos para florescer, veio e foi, assim como o verão, que fustigou olhos e olhares. Corações também. Logo seria outono, época de encasular de novo, e ela estava lá, reticente e achando que não estava pronta para enfrentar seu mundo novamente.

―Mas, tudo bem. De lagarta para borboleta. É assim, não é? Amainar a fase rastejante, com suas dores e inconveniências, para alçar vôos delicados e que encantavam a todos.

As dores precisavam, realmente, de um lenitivo. Ela sofrera, por certo. Resistiu o quanto pode para iniciar aquela transformação, para se recolher e se preparar.

Então, veio a sensação de aprisionamento. Superou. Depois, lembrou de cada martírio pelo qual passou, e também superou. Agora, era o vazio. Sabia que melhorara, ao menos em sua aparência externa, mas ainda achava que não estava pronta.

E assim foi. Mais um verão naquele casulo.

Precisava melhorar. Superar cada dor que carregava, ou cada grão de desprezo que fora depositado em seu íntimo. Superaria. Sabia disso e iria até o fim. E somente Deus é que sabia o quão dolorido fora este último inverno.

Até que a primavera começou a dar seus ares da graça novamente. Ela sentiu, no interior de seu casulo, a aragem morna que tanto gostava.

­―É agora!

Num gesto repentino, rompeu a casca e saiu para o mundo. E como ele estava belo, movimentado, com um sol quentinho. E as pessoas, todas ali caminhando e se trombando.

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Ela queria, muito mais do que olhar aquilo tudo, saber o que seus tantos conhecidos falariam dela, e principalmente como a receberiam após todo esse tempo de recolhimento. Estava diferente, senhora de si e, o que era melhor, possivelmente seu aspecto também mudara muito. Será que agradaria a eles depois de todo esse sofrimento pelo qual passou?

Já na primeira esquina, encontrou alguns amigos. Decepção. Eles sequer repararam sua presença. Mais adiante, outras pessoas que ela conhecia, mas eles também não ligaram muito para a presença dela. E com outro grupo foi a mesma coisa. O dia passou, e ninguém a notava.

­―O que está acontecendo? Sofri tanto para nada? Me recolhi porque a maioria me repudiava, e depois desse tempo todo, ficou ainda pior. Por que me odeiam tanto?

Alguém que passava reparou naquela mulher chorando, e parou para perguntar se poderia ajudar. Para surpresa, encontrou ali alguém que não via a muito tempo.

­
―É você, Maria?

―João? Sim, sou eu. Que bom. Ao menos alguém me reconheceu. Por que todos estão me ignorando, João? Todos me odeiam, só pode ser isso!

―Reconheci você por mero acaso, Maria. Faz mais de vinte anos que não te encontrava. Você sumiu. Envelheceu. Como quer que alguém te reconheça?


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Por vezes, encasular-se (recolher-se) é necessário. Talvez não para uma evolução visual, mas sim para curar dores que carregamos e que somente o tempo irá dar jeito. 
O rompimento precoce do casulo pode deixar a cura pela metade, mas, exceder o tempo pode trazer consequências desastrosas, ainda piores do que aquelas propiciadas por antecipar a saída. Para tudo existe um tempo certo.
Além do que, todo sofrimento tem um limite. Você pode tentar mudar para agradar a alguém sim. Mas, essa mudança tem que agradar a você também, ou tudo terá sido em vão.



Marcio Rutes
(Marcio Jr)


2 comentários:

  1. A metáfora da lagarta é uma das minhas preferidas, apaixonada que sou pelas borboletas...

    Teu texto é altamente reflexivo, abordando vários aspectos que levam a gente para o recolhimento. De fato, necessário mergulho em si mesmo, é meio único de autoconhecimento e cura das chagas da alma - entretanto, as mudanças precisam ocorrer por si, mudar para agradar aos outros é uma fraude causadora de problemas íntimos, e as tristezas e dores vindas de irrecuperáveis motivos podem ser curadas, lavadas e superadas...

    A fase rastejante é muito dolorida... o esplendor da relação com o mundo que se vê depois de rompido o casulo é a esperada "recompensa" pelo esforço tão sofrido... vive-se para evoluir, pra se melhorar, e isso custa, mas pode ser uma jornada mais feliz!!

    Um grande abraço, meu amigo... amei a imagem, que os voos das borboletas levem muita paz e suas asas soprem essências de puro amor!!

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  2. Má,

    O recolhimento é uma veste (ou uma nudez) necessária que se não a usamos até agora, em algum momento ela será muito útil. E será talvez e obrigatoriamente, a única disponível.

    O casulo nos torna ímpar e a par de nós mesmos, nos clarifica, nos hiberna o interno, nos traz verdades que antes, eram pela metade ou ainda, sequer eram e poderiam ser compreendidas. É essa maneira de mudança, de transformação que nos amadurece, por mais que a dor acompanhe essa fase.

    É também casa, casa fechada pro mundo de fora em época de inverno e inverno, também se faz pro lado de dentro. Mas a brisa que envolve são ares de transformação e acredite: Ela vem, ela sempre virá.

    Experiência própria.

    Lindo texto meu querido, reflexivo, sábio e mais, emocionante. Do começo ao fim.

    Beijo na alma,
    Sam.

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