Casa na árvore - by Google |
Bastaria um casebre bem simples, só com uma porta mesmo e uma janela, e que eu pudesse dizer que era minha. A árvore também não precisava ser nenhuma em especial. Só queria uma de folhas bem verdes e de galhos que sustentassem a mim e meus sonhos.
Lá para minha casa na
árvore eu levaria meus cacos de brinquedo, dos poucos que tive, e também meus
gibis. Ah! Sim, claro. Levaria minha imaginação e a colocaria na única
prateleira que teria por lá. Essa jamais me abandonou, e só eu sei o quanto ela
foi e ainda é extremamente fértil.
Tantas foram as noites
em que me vi descendo de um segundo andar qualquer, escorregando por lençóis
amarrados e que faziam uma dessas cordas de filme, para sair correndo até meu
refúgio na árvore. Lá eu olhava as estrelas, contava os planetas, fazia
pedidos para as cadentes mais brilhantes, falava com os animais noturnos, e até
me tornava um explorador ou observador em um posto de vigia numa muralha alta,
cercada de montanhas. Mas sempre acordava em minha cama, e via que era somente
mais um sonho.
Certo dia, numa dessas
minhas andanças, parei próximo a um bosque e aproveitei para descansar um
pouco. O sol da tarde fustigava, e como o vento estava agradável e o silêncio
se fez companheiro, adormeci rapidamente. Não demorou muito e acordei com
algumas vozes bem próximas ao meu ouvido. Pareciam crianças, mais precisamente
meninas, e brincavam num alarde sem igual. Olhei para todos os lados e não vi
nada, nenhuma viva alma naqueles arredores. Até que, sem me esperar, alguém me
chamou.
―Moço! O senhor
poderia dar licença? É que o senhor está tapando nossa janela, e não estamos
conseguindo pegar sol por aqui.
Me virei assustado, e
o que vi me deixou, literalmente, de queixo caído. Atrás de mim, na árvore em
que eu me encostara para descansar, existia um castelo esculpido, com aproximadamente um metro de altura. Mas ele não
estava lá quando cheguei. De onde tinha vindo então?
―Hei, moço! O que foi?
Parece assustado?
Naquele instante, a
única explicação que me ocorreu era a de que tudo não passava de algum sonho.
Então, entrei na dança.
―Não é isso, menina. É
que meus sonhos sempre me pregam peças. E onde está você, afinal?
Aproximei os olhos do
que parecia ser uma das janelas do pequeno castelo e consegui ver duas meninas,
de aproximadamente 5 ou 6 anos cada uma. Elas estavam rodeadas de brinquedos, e
suas vestes eram belas, como se fossem princesas.
Cumprimentei
polidamente, apresentei-me e perguntei se eram fadas, e a resposta me deixou
com a pulga atrás da orelha.
―Sou Dorinha, e está
aqui é minha irmã, Clara. E não somos fadas não. Aliás, este aqui não é um
sonho. Ah! Aquele ali no canto é meu cachorro, o Jujubão. Eu e o Jujubão já
nascemos, mas ainda falta a Clarinha nascer. E olha, moço! Ela está louquinha
pra participar das minhas aventuras, viu!
Congelei. Dorinha e
Jujubão? Eu os conhecia, é claro que sim. Afinal, eu havia criado Dorinha em um
dos meus contos. Tanto ela quanto seu cachorro, o Jujubão. Então, era óbvio que aquilo era
apenas um sonho. No entanto meus sonhos estavam ficando um tanto complexos,
principalmente quando meus personagens resolviam aparecer e, o que era pior,
afirmar que eu não estava sonhando. Mas, continuei conversando.
O que sei é que passei
um tempo enorme por ali. Falamos sobre tudo, brincamos, fizemos adivinhações,
participei dos sonhos de Dorinha, mas meus olhos estavam presos mesmo era na outra criança, ou seja, em
Clara. Que menina linda, com um jeito arteiro sem igual. E como me lembrava
alguém. Os olhos eram de alguma pessoa que eu conhecia, tinha certeza disso. Fiquei fascinado, e penso que um laço paterno ficou estabelecido entre eu e aquela criança. Mas não lembrava de tê-la feito nascer em algum de meus contos ou fábulas. Então, por que Dorinha falou dela como sendo sua irmã? Seria alguma fábula que eu ainda iria escrever?
A tarde já cedia lugar
para a noite quando, sem me dar conta, levantei e me despedi. Achei que as
meninas, mesmo em sonho, precisavam se recolher. Quando me despedi, Dorinha me
olhou, ternamente, e disse:
―Não desista de sua
casa na árvore. E lembre que por mais simples que ela seja, para você ela será
seu castelo. Sua princesa está a caminho, tá bom? Mais uma coisa... a Clarinha
ta doidinha pra brincar na sua casa na árvore. Ela sabe como me chamar.
Casa na árvore - by Google |
Escutei aquilo e fui
andando. Que sonho estranho.
Um pouco mais adiante,
numa reta da estrada, parei num posto de gasolina. Talvez nem fosse preciso,
pois afinal era um sonho, mas acho que até quando durmo sou um tanto metódico.
Deixei o veículo abastecendo e fui tomar um café. Foi quando percebi que não
era um sonho. O café estava quente demais, e a dor proporcionada pela queimadura em minha língua foi horrível.
Com quinze minutos, eu
estava novamente naquele bosque. Nada de castelo esculpido em qualquer tronco, e muito menos sinal da árvore. No lugar em que ela deveria estar, encontrei
apenas um tipo de pó brilhante, que parecia fazer um rastro para o alto. Mas
logo desapareceu também. Quando olhei para cima, pensei ver alguns vultos de luz que entravam para
dentro da noite. Forcei os ouvidos e escutei risos de criança, mas muito longe,
quase sumindo no silêncio do bosque.
Naquela noite, no
hotel, sonhei novamente com minha casa na árvore. Mas agora, não era uma casa
tão simples. Não era um castelo, é claro, mas era vasta, e se estendia pelos
grossos galhos. Lá dentro, Dorinha, Jujubão e Clara brincavam comigo, fazendo a
maior algazarra. Um cheiro de pizza (sim, meus sonhos têm cheiro) tomou todo o
lugar, e quando me virei para a porta, alguém chamava para o jantar. Era uma
linda mulher. Meiga, com jeito de quem adora ganhar carinho e colo, e tinha os
olhos exatamente iguais aos de Clara. Ela se aproximou e me pegou pela mão, me
abraçando.
Se eu conheço essa linda mulher na vida real? É claro. Conheço muito. E posso dizer que estamos, eu e ela, sonhando nossa mais bela fábula.
Mas isso é para outro conto.
Marcio Rutes
Mas meu querido, eu não me canso de ler, reler, reler...
ResponderExcluirEssa história tão magicamente tecida que se entranha na nossa imaginação, ou será, realidade?
parece uma brincadeira querendo ser séria, uma realidade querendo ser sonhada com brincadeira de tudo poder fazer. tão pode que já se fez :)
Essa conversa, essa dinamicidade tão bem atrelada aos personagens que é claro, existe sempre um deles em cada um de nós. E porque não, todos?
Saudades da Dorinha e do Jujubão e agora, uma pentelhinha nova hehehe...
Como isso me encanta!
Sonhos meu amor, são estiletes que talham o dia a dia na pretensão de realizá-los. São as escadas praquele sol brilhar mais forte, praquele verso florir e dar perfume, praquele acaso acontecer.
Criamos nossos sonhos. Criamos literalmente e damos comida pra eles!
Cada um sabe como alimentar os seus sonhos a ponto de torná-los projetos e ainda assim, nunca deixar de ser sonhos. E digo: Não há nada mais gostoso que compartilhar dividir e caminhar junto. Talhar junto um sonho de realidade. Um sonho constrói outro.
Lindo, lindo.
Beijo nessa alma linda e sonhadora que eu amo.
Sam.
Oi, Márcio. Sempre me encantou esta imagem de ter uma casa na árvore, uma ideia simplesmente fabulosa e que pode se tornar real e desejo que você e a linda mulher do conto vivam este encantamento.
ResponderExcluirBjs
Uma casa na árvore... muitas histórias diferentes nesse mesmo cenário para alimentar a fantasia infantil, mas esta é uma história diferente... escrita por gente grande, pra gente grande nela morar...que seja ampla, vasta - teu lugar encantado em construção desde agora, e que abrigue junto de vc o Jujubão, uma Clara com olhos iguais da Sam e o amor pra uma vida inteira!! (porque sonhar é construir!!)
ResponderExcluirUm grande abraço, com imenso e duplo carinho!!