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―Sua bênça, padim.
O coro feminino soou
ensaiado e automático. Na porta, 3 moças de vestido branco rodado sorriam e
esticavam as mãos, em sinal de respeito.
O quarto era muito
grande, digno daqueles retratados por Graciliano Ramos ou algum outro autor
quando escreviam sobre a “casa grande” das fazendas do nosso agreste. Os
móveis, de madeira grossa e bem entalhada, eram caros e antigos, e a situação
tranquila em que aquele casal vivia não se refletia naquele momento um tanto
inusitado para aquela hora da manhã.
―Deus qui abençôe
ocêis, mininas. Agora, chispa daqui, qui eu i a madinha tamo si compondo.
―Arre, Natalino. Num
seja ansim, um véio ranheta. As minina só qué pidí a bênça.
―Antuérpia, minha fia.
Si tudo os nossos afiado vié pidi abênça, nóis só vai pru compromisso quando
ele tivé acabado. I vê sí arruma logo arguma coisa pra vistí, qui já tá tarde. Afinar, cadê Cajuíno, esse fio da muléstia, qui mandei ele prepará a caminhonete, e
inté agora ele não retornô.
―Larga mão de tanta casmurrice
cum nosso bisneto. O minino logo vorta. Agora, mi ajuda a iscoiê logo arguma
coisa pra eu me arrumá. Num quero ir desarrumada. As minina do clube vão
arrepará.
―Mininas? Aquelas lá
amassaram o pão prá Santa Ceia, muié! I adispois, vinheram pra cá co tar do
Cabrar. I si apressa, sinão te largo aqui.
―Pra ocêis, hómi, é
fácir. Só troca as peça di baxo, que as di cima é tudo iguar.
―As peça di baxo?
Percisava trocá? Bão... acho que o compromisso num é ansim, tão importante.
Mas, Antuépia, num inrola. Faiz qui nem as muié da cidade grande, i vai cum
pretim básico. Aquele ali tá bão.
A mulher olhou para o
enorme guarda-roupas e, depois, novamente para o marido, fazendo cara de
desentendida. O marido, impaciente, foi até o móvel e pegou por conta a peça de
vestuário, jogando-a nas mãos da esposa.
―Mas, Natalino! Num
posso ir cum esse.
―Arre, muié? Amódiquê
num pode? Tão fresquinho e charmoso.
―Pruquê essa é minha
mortalha. É especiar pru dia que eu se for. Num vai ficá de bom tom si eu
aparece lá no compromisso cum ela.
―Num querdito! Intão
vai cum aquela carça branca, qui tá mais pra isquerda.
―A quar? Essa?
―Não, muié... na otra
isquerda. Eita, sua lésa.
―Eu? Lésa? Ocê que é
um tanço. Isso num é carça, é a tua cirola (ceroula)!
―Ah! Sei lá, muié. Ocê
cumprica dimais. I otra coisa. Que qui é essas coisa isquisita aí nessa
gaveta?
―Seu abestado. São
minhas carcinha!
Natalino pegou uma das
peças e levantou, virou, olhou, e arrematou.
―Carcinha? Dá pra
visti a vaca mimosa e sobra espaço ainda. Isso é carçola, muié.
―Dá isso aqui! ―ela
arrancou a peça de vestuário da mão do marido e jogou na gaveta, irritada e
bufando. ―Num recramo das tua cuéca pra saco rendido que ocê usa, ou recramo? I
ocê? Vai di terno i sandáia? Num vai por as butina?
―Qui nada. O oio de
pexe tá mi incomodando. Vô cás sandáia sim. I si arguém arrepará, eu...
―Ocê num vai fazê é
nada. I trata di carça as butina, qui to ficando arretada.
―Eia, muié braba.
Mais é mió num atentá. Da úrtima veiz, ela quase me corta no facão. Num sei pru
quê num mi casei cá fia do Zé das Cabra. Era mais mansa.
―Pruquê eu tinha dente
i ela não. Foi pur isso, seu abestado.
Repentinamente, a
porta abriu e chamou a atenção de Natalino.
―Abênça, padim.
―Mais num querdito.
Que ocê qué, seu peste? E chispe daqui, que a madinha tá desprivinida. Ninguém
dá inducação presses muleque?
―Dexa o Ariovardo,
Natalino. É bão minino.
―Dexo nada. Esse, cada
veiz qui mi vê, se ispicha todo, mais é só pra tenta ganha arguma coisa.
Conheço bem quem me cerca. E si ele num tem o qui fazê, qui vá percura Cajuíno,
aquele fio da muléstia.
A mulher fingiu que
não escutou o que o marido falava, e continuou revirando o guarda-roupas. Ela,
nitidamente, perdia a paciência, até que viu um vestido lustroso e todo cheio
de decorações brilhantes. Pegou-o e mostrou ao marido, que entre um deboche e
outro, alfinetou a esposa.
―Antuérpia, nem as
quenga da Maria Gorda usa um despudoramento desses. Daonde ocê arranjô isso?
―Foi a Matirda, tua
irmã, qui mi vendeu. Era o vistido dela í na domingueira do Padre Bastião. Num
tá alembrado?
Natalino mordeu os
lábio e calou. Remoeu que remoeu, e até abriu a boca para retrucar, mas
preferiu não provocar mais. E assim ficou, vendo a esposa derrubar para a cama
todos os cabides que estavam naquele guarda-roupas. Uma hora depois, a mulher
estava pronta. Ou quase.
―Muié de Deus! Que
qui é isso?
―Arre! Num tenho quase
ropa ninhuma! Intão, improvisei!
―Vistido
vremeio, cum chapéu redondo e essa raposa no pescoço? Ocê endoidô?
―Raposa? Raposa
nada... isso é chique. E chama istóla (estóla).
―Tá um calor de dar
invéja nu capeta, muié. Pra quê isso?
―Pare de me avechá,
Natalino. Ocê num intende o qui vai ni nóis. Num tem um pingo di querência.
Ela baixou a cabeça e,
propositalmente, soltou alguns soluços. Natalino deu de ombros, como se
soubesse que havia sido vencido, e concordou. Por mais que tentasse argumentar,
de pouco adiantaria. Além disso, o atraso fazia com que ele, um homem orgulhoso
de ser cumpridor de seus compromissos, ardesse de pressa.
―Tá, tá. Intão vamô
imbora, qui devem tá só isperando nossa chegada pra dar início no compromisso.
―Nem pensar. Farta a
borsa, os sapato e, claro, o principar. A maquiage.
Natalino desceu para a sala principal e soltou o
corpo para sentar em algum lugar. Por muito pouco, não erra a poltrona. Antuérpia, que o seguira até o andar de baixo, se voltou para as
escadas e subiu, sem pressa nenhuma, como se fizesse mais birra a cada
contestação do marido. Nesse instante, o bisneto entrou pela porta principal e
olhou para Natalino, esperando uma bronca pela demora, mas não escutou um pio
que fosse.
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Ao olhar para a bisavó
subindo as escadas, o rapaz entendeu o motivo de Natalino estar ali largado
naquela poltrona. Era sempre a mesma coisa. Então, sentou-se ao lado do bisavô
e, sem ter o que fazer, calou e esperou.
Uma hora depois,
Antuérpia apontava novamente pelas escadas, e ao chegar ao andar de baixo,
deixou tanto Natalino quanto o bisneto de queixos caídos. O rapaz foi o
primeiro a ter alguma reação.
―Vó do céu! A sinhora
tá mais parecida cum pinherinho di natar.
―Cala a boca, Cajuíno.
Sinão essa peste vai querê acrescê mais arguma coisa, i o compromisso num vai
isperá nóis. Vamo logo.
Antuérpia deu dois
passos e, do nada, o salto do sapato estalou e quebrou. Foi o suficiente para
os outros dois se olharem desesperados. Sem que a mulher esperasse, os dois agarraram seus
braços e a carregaram, a contra-gosto, para a caminhonete. No meio do caminho,
a única coisa que ela fazia era reclamar.
―Oceis são dois
animar. I ainda mi fizeram borrar a maquiage qui tanto mi deu trabaio.
―Ara, vó! Isso é
maquiage? Pensei qui era minhas tinta da iscóla. I do jeito qui tá, inté parece
aquelas muié lá do carnavar carióca qui passa na tv. A módiquê isso, vó?
―As minina vão tudo
num chiquê só. Só eu qui vô ansim, tudo disarrumada no compromisso.
Natalino, que dirigia
apressado, rangia os dentes e reclamava acintosamente.
―Nunca mais, Antuérpia. Nunca mais te aviso quando
convidarem nóis prum velório.
Marcio Rutes
(Marcio JR)
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK, Marcitoooooo!!! Há quanto tempo que não me divertia com essas tuas histórias assim, bemmmmm assim sô.
ResponderExcluirConfesso que é um pouco dificultoso ler, primeiro pra relacionar com as palavras corretas. E depois, é pelo riso mesmo, pelas gargalhadas.
Essa coisa de ir de preto no compromisso que é só pra quando "ela se for" e esse abestalhado confundindo calça com cirola, com calcinha, Vixe mariaaaaa Zé!!!! rsrs
(e eu sabiaaaaaa que ia ter vaca nessa história hehehe) Me rachei!
Ameiiiiiiiiiiiiii ameiiiiiii.
Você sempre trazendo bonitezas, alegrias, diversão, humor para os meus e tantos outros dias, de tanta gente amis.
Beijocaaaaaaaa com paçoca! rs
Sam.
Vc se superou, Marcio....rsrsrs
ResponderExcluirApesar de ter passado hj por uj velório foi impossível contar o riso te lendo... aliás, na parte da noiva que tinha dentes, gargalhei... e isso me fez bem.
Sam está com a razão, engrenar a leitura com este palavreado é uma "dificulidade", mas a gente entra na cena e fica louco pra saber o desfecho..... a-do-rei!!!!!
Beijos, contador de causos!!!