domingo, 11 de agosto de 2013

DORINHA E O GATO DE BOTAS (série RECONTANDO UM CONTO)

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―Mas, papai! Por que ele comeu o rato? Eu gosto do Ogro, e o gato transformou ele num ratinho e comeu ele sem dó!

―Filhinha, o Gato de Botas precisava enganar o Ogro, e fez ele se transformar em rato para ajeitar tudo. Senão, o Gato de Botas não poderia ficar com o castelo do Ogro e fazer o rei pensar que o rapaz era o Marquês de Carabás.

―Mas... mas... mas... ele enganou o Ogro, papi. Por que ele fez isso? E por que ele mentiu para o rei também?

―É somente um conto de fadas, minha querida. Agora dorme, tá bom? Amanhã o papai conta outra história pra você.

Dorinha não parecia nada satisfeita com aquela história que seu pai acabara de contar. Tanto que, após ganhar seu tão esperado beijo de boa noite e ver o pai ir para outro canto da casa, ela saiu na ponta dos pés e abriu silenciosamente a porta do quarto. E como de costume, Jujubão estava lá, abanando o rabo e esperando para mergulhar no mundo dos sonhos de sua pequena dona.

―Vem, Jú. Temos que acertar contas com um gato danado.

O cachorro entrou e logo se ajeitou no tapete. Com o focinho colado ao chão, ele viu a menina pular para a cama e se cobrir toda, apressadamente. Ela ficou somente com o rosto para fora das cobertas, olhando o cachorro, mas logo adormeceu. Aquele era, literalmente, um instante mágico, pois logo em seguida algo também tomava seu mascote, e do nada, ele adormecia profundamente. E se ambos pudessem ver o que acontecia naquele instante, ficariam maravilhados. Era como se uma luz intensa se desprendesse de seus corpos, flutuando para a janela e se perdendo para o horizonte. Assim, Dorinha e Jujubão partiam a cada noite para o mundo mágico dos sonhos da menina.

Estranhamente, Dorinha não estava calma ao chegar ao mundo mágico. Ela, que sempre ia até lá para brincar e aprontar suas artes, desta vez parecia aflita. Tanto que sequer procurou pela girafa, que ao vê-la, já veio oferecendo seu pescoço para servir-lhe de escorregador.

―Depois brincamos, menina. Agora, preciso encontrar um certo gato sapeca. Vai, Jú. Fareja ele!

Com menos de cinco minutos, Jujubão havia farejado algo. Um belo e suculento pé de ração para cães, com frutos no formato de pequenos ossos.

―Não, Jú. Eu quero um gato. Eu sei que ele tá aqui. Procura, vai!

―Olá! Eu posso ajudar?

Dorinha estranhou aquela voz. Mesmo sendo um mundo mágico de sonhos, ela era a única por ali com a capacidade de falar. Então, quem havia dito aquilo? Ela procurou por todos os cantos. Olhou para cá, para lá, até que sentiu algo puxando a ponta de seu vestido. E quando voltou seu olhar para baixo, reparou um pequeno gato malhado, e calçando um par de botas nos pés.

―Ah! Então é você, gato danado. Quero saber por que você enganou o Ogro e o rei!

―Puxa vida! ­―o gato suspirou, baixando a cabeça. ­―Acho que nunca mais vou me livrar desse peso.

A menina estranhou, mas esperta que era, pensou logo que o gato estava aprontando das suas, tentando enganá-la.

―Nem vem com essa, gato. Eu me lembro da história que meu pai contou. E você só aprontou por lá. Caçou, mentiu, traiu o Ogro...

―Essa é uma história tão antiga, de um tempo em que nós, gatos mágicos, éramos muitos. Meu tátara-tátara-tátara-tetra-avô é quem aceitou participar. ―o gato continuou suspirando, agora olhando nos olhos da menina. ―Venha comigo. Vou te mostrar uma coisa.

Dorinha, mesmo desconfiada, chamou seu cachorro e, juntos, seguiram o gato. Os três andavam e, repentinamente, desapareceram, reaparecendo num outro canto qualquer do mundo mágico. Lá, um número enorme de gatos, de todas as espécies e idades, brincavam e corriam por todos os cantos.

―Veja. ―o gato apontou para aquela imensidão de outros gatos. ­―Aqui é a Gatolândia. É aqui que nasce cada gato que aparece nos contos de fadas ou outras histórias que são contadas para as crianças. Também é aqui que são criados os gatos que apareceram nas histórias de bruxas ou de outros seres malvados.

―Que lindo! ―Dorinha não acreditava no que estava vendo, e arregalava os olhinhos a cada gato que passava por ela. ―São todos tão fofinhos e bonitos.

―Sim. Eles precisam ser assim, afinal, vão embalar tantos sonhos de criancinhas exatamente iguais a você.

―Mas, seu gato! E aqueles outros que estão mais pra lá! Eles não parecem tão fofinhos. Estão todos estropiados, machucados! O que aconteceu com eles?

­―Alguns são gatos de histórias de terror, outros são gatos que participam das músicas iguais a “atirei o pau no gato”, e alguns são filhotes que os humanos nem deram chance de nascer.

―Existe isso, seu gato? Tem toda essa maldade?

―Tem sim. Muitas pessoas acreditam que os gatos são animais de bruxas, ou que trazem azar e coisas assim. Gatos não são nem bons nem maus. Eles são animais que precisam viver de seus instintos. Se caçam ratos ou outros pequenos animais, é porque isso faz parte da natureza deles. E não trazem azar, assim como as patas de coelho não trazem sorte. Se trouxesse sorte, o coelho não perdia a patinha.

―Então, seu gato, por que na história, aquele seu vovô enganou o Ogro?

―Porque naquela época era tudo diferente. As pessoas acreditavam em outras coisas, e os gatos eram ainda mais perseguidos. Acho que quem escreveu aquela história, devia gostar muito de gatos, por isso tentou fazer dele um herói. Aproveitou que todos tinham medo dos Ogros, e fez o meu vovô enganar o coitado.

­―Mas eu to com peninha do Ogro, seu gato!

―Fica não! Olha ele ali!

Ogro - image by Google
Dorinha olhou para onde o gato apontou, e viu um ser enorme, rodeado por pequenos gatos. Era o Ogro, sorridente e fazendo festa com os gatos.

―O que ele está fazendo aqui, seu gato?

―Ele se aposentou, e como adora gatos, veio ajudar a gente a cuidar dos filhotinhos. Ele fabrica pequenas botas para eles.

A noite terminou e, como sempre acontecia, Jujubão foi o primeiro a acordar. Ao lado dele, alguns biscoitos feitos de ração para cães e em formato de pequenos ossos estavam espalhados. Ele comeu um por um e, rapidamente, saiu do quarto, pressentindo que logo alguém chegaria para acordar a menina.

Perto da hora do almoço, o pai estranhou o sumiço de Dorinha. Procurou por toda a casa e, sem encontrá-la, começou a procurá-la por todos os cantos, completamente aflito. Mas logo sossegou. Alguém disse que vira a menina na loja de artigos para crianças, lá no vilarejo.

―Sim, ela passou por aqui. Eu estranhei, pois ela levou todos os sapatinhos para bebê que eu tinha na loja. Ela falou que depois o senhor pagaria, e que ela estava com muita pressa.

­―Meu Deus. O que essa menina anda aprontando?

O pai de Dorinha mal terminara de pronunciar aquelas palavras quando um gato, todo desajeitado, passou pela porta da loja. Algo comum, claro, se o gato não estivesse usando sapatinhos infantis nas quatro patas. Os dois correram para a porta da loja, e o pai da menina logo descobriu o que estava acontecendo.

Num canto da calçada, Dorinha estava com um gato no colo, toda afoita, tentando calçá-lo com alguns sapatinhos infantis.

―Dorinha, o que você está fazendo, minha filha?

―Ora, papai. Ajudando o tadinho do Ogro. Até parece que você não sonha!


Marcio Rutes






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Este conto é baseado na fábula O GATO DE BOTAS, de Charles Perrault. A fábula original foi lançada na coleção CONTOS DA MAMÃE GANSO, em 1697. Esta coleção reunia diversas fábulas de Perrault, e fez com que ele fosse considerado o pai da literatura infantil.

Saiba mais sobre:

O Gato de Botas                Charles Perrault


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Este conto é especialmente dedicado a Samara Bassi, que tanto sonhou e me encantou, até que fez nascer Dorinha e Jujubão.
Não é exagero algum chamá-la de "mãe" de Dorinha.
A você, Samara, meu agradecimento especial e de todo o coração.

2 comentários:

  1. Meuuuu queridoooo, poxa vida, assim você me mata! hehe. Mas de tanto sorriso, de tanto orgulho desse meu menino amado, cheio de talento e claro que uma homenagem dessa só poderia me fazer sorrir!

    É sempre uma alegria tão grande ver meu nomezinho citado pelo Encantador de Palavras e misturado à toda essa magia que você sempre transborda, meu amor, nessas suas histórias. Em todas elas. E confesso que os contos e assim como as suas fábulas sempre foram as minhas preferidas. Não há nada mais gostoso, mais fantástico do que se sentir misturado na história que a gente lê. A ponto de imaginarmos e elaborarmos todas as cenas na nossa imaginação, e por mais absurdas que possam parecer pra nossa realidade, a sensação e certeza de tudo poder sonhar e realizar sim (por dentro, sim! porque tudo germina, cresce e acontece por dentro, com as nossas essências) é primorosa. É única e diria mais, satisfaz até mais que chocolate. E quando a gente qualquer "coisa absurda", o riso criança sai tão natural como nos tempos de aprender a ler e a escrever com histórias contadas pelos nossos pais e avós. Nada nos impede, nada nos esbarra. Tudo pode acontecer. E acontece.

    Tuas histórias, amor meu, são como nossos doces preferidos. Não enjoam e sempre queremos mais. Sempre vamos às nuvens, sem contar que esse talento wonderfulllllll que você possui de criação, de construção e a boca aberta que eu fico com tamanha fluidez (coisa que eu levaria dias, meses pra conseguir escrever metade da metade... e nem escreveria. Você bem sabe o quanto penei pra te escrever um "(des)conto" de seis linhas rsrs)

    As figuras de linguagem que você utiliza como por exemplo: "pé de ração" foi de uma sensibilidade e inteligência aprimoradíssima. Pode parecer nada pra quem lê ou passa ou olho por cima. Pode nem aparecer para essas pessoas, mas é justamente nesses detalhes que se descobre e se cobre de magia, de essência de quem escreveu isso,aquilo, essa lindeza.

    Com essa sensibilidade pueril tão gostosa, meu amor, juntando com sua arte traquina de fazer malabarismos com as histórias, com as palavras e agora com essa feliz ideia de recontar os velhos e saudosos contos da nossa infância, os nossos contos de fadas, de Ogros, de gente que voa, de bicho que fala, só tenho a dizer o quanto você foi fantástico.

    Eu não me surpreendo mais pois sei de sua tamanha capacidade, mas é aí que eu me engano, pois quando eu chego aqui, eu me surpreendo mais um pouco com suas "cartas na manga"

    E não poderia meu anjo, deixar de agradecer por fazer de alguma forma e por ter feito, como disse, uma pequena participação, mas de sono e coração de coração nessa "gestação". Há pessoas que nos inspiram somente pelos gestos que nos remetem. E você, é uma delas.

    Saudades eu estava da Dorinha e do Jujubão hehe.
    Me apaixonei e não poderia ser diferente.

    Beijo na alma, meu amor.
    Te amo.
    Sam.

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    1. Querida minha, amor dos meus dias. Falar da Dorinha e não citar você seria o mesmo que falar do mundo sem falar da mãe natureza. A Dorinha vem de você, e digo mais, a Dorinha é parte você. Ela nasceu de nós dois, num momento que ambos precisavam de paz, de energia, de magia e, principalmente, de esperança.

      Na Dorinha nós descobrimos o prazer de continuar sendo, sempre, crianças. Sim, pois carregamos as nossas no peito. A Dorinha, sem você Samara, jamais teria nascido.

      Até chego a pensar que a Dorinha está dando a maior força para outra mocinha nascer, não é?

      E grato, grato, grato sempre por tuas palavras de incentivo. Escrever é minha vida, e mais, escrever literatura infanto-juvenil vem sendo algo que me realiza. É onde me solto, sem me preocupar com realidades verdadeiras ou inventadas. Não escrevo para adultos de vida ranzinza, mas sim para crianças curiosas e que querem viver o lado bom da vida: a infância e as coisas boas que ela pode proporcionar.

      Mas o melhor de tudo é que muitos adultos (alguns até meio escondidinhos) passam por aqui e se divertem. São como nós dois, não têm vergonha de mostrar esse lado criança que ainda mantém.

      Samara, minha pimentinha. Te amo demais, mãe de Dorinha e Clarinha.

      Marcio

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