quinta-feira, 26 de setembro de 2013

POIS É, SEU PADRE...

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―Mas, filha! Você tem certeza disso que está me falando? Seu marido “tchum” mesmo? Quero dizer... ele... é... bem, como eu posso dizer isso de modo não agressivo?

―Ele dá ré no quibe, Padre! É isso mesmo! É um desavergonhado!

Padre Zinho, já antigo por aquelas paragens de cidades pequenas, tentava entender o que aquela paroquiana explicava. Mas, além do relato daquela mulher ser muito confuso, o nervosismo que ela carregava piorava tudo.

―Trinta e cinco anos, Padre Zinho. ­―ela relatava, lamentando-se e soluçando. ―E pra quê? Tanta dedicação minha, tanto zelo, os cuidados com a família... pra quê, Padre Zinho?

­―Acalme-se, minha filha... ­―o Padre começava a ficar incomodado, ainda mais quando se deu conta de alguns barulhos logo atrás do confessionário. ―Tente relaxar e me contar direito sobre essa história toda. Não há mal que não se possa remediar...

―Que remediar, Padre? Remediar pra quê? Criei meus filhos como eu pude, mandei pra faculdade na cidade grande, e agora, vem o Juvenal com essa história! E o pior é que o nosso filho mais velho tá metido em tudo isso! ―ela engrossou o tom de voz, como se tivesse tomado uma decisão. ―Quero divórcio, e dos dois! Do meu marido e do meu filho! Não quero ficar mal falada por aí!

O Padre tomou o maior susto ao escutar aquilo. Divórcio do marido ele até entendia, mas mãe divorciar de filho? “Desfilhar”? E quando o Padre baixou a cabeça para tentar raciocinar, escutou novo barulho, como se algo caísse no assoalho de madeira, e bem atrás do confessionário novamente.

―Filha, vamos do começo. Me conte tudo.

―Bom, Padre Zinho, tudo começou num sábado logo cedo...

“...o Juvenal havia dito que ia pescar com a turma. Até aí, tudo bem, mas descobri que o Lourenço também ia. E o senhor bem conhece o Lourenço. Aquele lá é chegado numa jogatina e, o que é pior, não pode ver rabo de saia...”.

―Não precisa entrar em detalhes. Vamos deixar o irmão do prefeito de fora disso. ―o padre pediu, ainda incomodado com os barulhos que escutava.

“...meu filho falou que também iria para a pescaria, e eu me senti mais despreocupada. Depois que eles saíram, esperei a venda da Augusta abrir e fui pra lá, pois fiquei sabendo que o filho da Maria Francisca, aquele que tá na capital, tinha virado viadinho, e eu queria mais detalhes...”

―Pula essa parteeeeeeeeeeeeee...

“...taáááá. O senhor anda muito estressado, Padre Zinho. E to notando isso desde aquele dia que viram o senhor lá pelos lados da Maloca dos Viúvos. Lembra? Foi quando o senhor pegou aquela diarréia...”.

―Chegaaaaaa. A senhora veio aqui pra pedir conselhos e confessar, ou pra fofocar, alcovitar e difamar? Quer que eu lhe escomungue? Se não quer, é melhor segurar essa língua de lavadeira! ―o padre perdeu as estribeiras, mas conseguiu calar aquela mulher, ao menos por alguns instantes. ―Agora, continue!

“...credo, que jeito de falar comigo, que sou uma mulher tão pudica! Bom, eu não fiquei muito tempo lá na Augusta, pois aquela franguinha da afilhada dela estava lá. Eita menina fofoqueira aquela, e o senhor sabe que eu detesto fofoca. Quando cheguei em casa, reparei que o carro do Juvenal estava parado na rua do lado, e não tinha ninguém dentro. Estranhei e fui pra casa. Entrei de fininho e vi o Zé da Rosca, aquele da padaria, e o Juvenal conversando na sala, enquanto meu filho tava no telefone, conversando com alguém...”.

―E o que isso tem demais?

“...foi o que eu escutei, Padre Zinho. Foi o que eu escutei que me deixou desarvorada. Meu filho falava assim no telefone: ‘pois é, meu pai tá precisando de um macho; a gente tá indo pescar, então, se você tiver alguns, a gente passa aí e pega; devolvemos depois da pescaria’...”.

―Machos? Eu escutei bem?

“...pois é, padre Zinho. E o desavergonhado do meu filho ainda falou que não era pra se preocupar, isso porque eles iam ‘cuidar’ muito bem dos machos, e que se desse, era pra mandar ‘aqueles machos pretos maiores’. Eu quase morri, Padre. Além do meu Juvenal ser baitola, ainda é chegado num negão! O que é que eu faço, Padre? Me diz?...”

“...mas a coisa não pára por aí não! Tinha coisa pior! Ainda escutei o Zé da Rosca falar que era uma pena que o senhor não ia poder ir junto, porque quando o senhor tava estudando, tinha ‘feito uns cursos e sabia lidar com machos’. Quando escutei isso, não entendi mais nada. Muito me admira o senhor, Padre Zinho! Justo alguém que deveria cuidar do galinheiro, anda frangueando por aí? Tudo bem que um padre não possa comer o milho, mas também não deve usar o sabugo...”.

―O quê? Você ficou maluca? ―o berro que o Padre soltou foi ouvido até fora da igreja.

―É isso mesmo que o senhor escutou. Aliás, já telefonei pro meu irmão, que conhece o Bispo. Amanhã mesmo ele tá aqui, pra tirar isso a limpo com o senhor. Bem que eu desconfiei que isso aí que o senhor usa tava mais pra saia do que pra batina.

O padre apenas abria e fechava a boca, sem saber o que dizer. Até que, num dado momento, escutou alguns bochichos e resolveu espiar por um vão logo atrás dele, o que permitia que ele tivesse alguma visão do pequeno cômodo que ficava logo atrás do confessionário. Lá, duas beatas saíam às pressas, falando muito e rindo sem parar.

―Meu Deus! Não faltava mais nada! ―o Padre suspirou, balançando negativamente a cabeça. ―As irmãs Cascadura escutaram tudo! Agora, a cidade inteira vai ficar sabendo dessa história maluca! Valha-me, Senhor!

Algum tempo depois, em outra parte da cidadezinha, Juvenal e seu filho paravam o carro bem diante de uma pequena oficina.

―Heitor! ―Juvenal chamou, enquanto descarregava algumas coisas do carro. ­―Eu trouxe os peixes que tinha te prometido.

Heitor, o mecânico, apareceu logo em seguida, todo sujo de graxa.

―E minhas ferramentas? Conseguiu usar? Esses machos são difíceis de arranjar por aqui, principalmente esses pretos maiores. Comprei lá na capital.

ferramenta "MACHO", para fazer rosca interna
―Pois é, meu amigo! Quase que eu não consigo recolocar aquele parafuso. Agora, dá uma licencinha, que vou ali na igreja cumprimentar o Padre Zinho. Esse danado, além de Padre, também fez curso de torneiro mecânico. Quero que ele dê uma olhada na minha rosca.

Um pouco mais atrás, as irmãs Cascadura escutavam a conversa, mas a única parte que ouviram, ou que quiseram escutar, foi justamente a última.

―Escutou isso, Gervásia?

―Escutei sim, Leocádia! Então é verdade mesmo! Mas não entendi uma coisa.

―O que é que você não entendeu, Gervásia?

―É o Juvenal ou o Padre que tá com problema na rosca?

―Pare com isso! Não devemos ficar fazendo juízo errado dos outros. Só vamos passar lá em casa, que quero colocar isso logo no meu Alface Buque. Babado de primeira!

―Reparou como esse povo anda pecador, Leocádia? Acho que aqui nessa cidade, só nós duas é que nos salvamos. Vamos embora, que não quero me contaminar com esses pecadores!


Marcio Rutes


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7 comentários:

  1. Estou aqui rindo sozinha e os vizinhos devem achar que fiquei maluca,pois estou só em casa...Márcio, meu amigo,como é que você inventa estas histórias?Não vai me dizer que tira da vida real ou que aconteceu com algum parente seu...
    Gostei tanto que até me esqueci do frio que está fazendo e só agora vou subir pois minha sala é uma geladeira...só fazendo como no Alface Buque,KKKKKKKKKKKKKKKKK.
    Bjsssssss

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  2. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Rachei!

    Amoreeeeeee, mas não poderia dar outraaaaa, quer dizer, não dar. Ahhh sei lá rsrs!

    Eu nãoooo sei como você consegue pegar detalhes do cotidiano, nééééé? ( quer dizer, eu sei simmmmmm) e criar histórias tão fabulosas assim e mais, como um ralâmmmmpago de rápido e repleto desse bom humor danado de bom, de gostoso.


    Mas que mulher mais enrolada essa, hein.
    Só causando daneza no confessionário e ainda mais pro fim, deu do padre ter problema na roscaaaaaaa???!!! Kkkkk

    Viu?, e nessa história de macho, ainda bem que ninguém saiu "machocado" assim rsrs

    A...
    A...
    Alel.... pois é!!! :p

    Ameiiiiiiiiiii
    Ameiiii.

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  3. Volteiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

    esqueci de dizer que comecei a mijar de rir quando li: "―Ele dá ré no quibe, Padre! É isso mesmo!"

    Ré no quibeeeee??? e pensei:
    Que porra é essa!!!

    Ai, desabafei rsrs

    te amooo
    Bjoooo

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  4. Dá o ré no quibe.... peraí, dá um tempo, amigo! deixa eu puxar uma cadeira e me sentar que essa aí foi de dar nó em gota d'água! dá o ré no quibe.... *rs Realmente, meu amigo, a tua história teve tudo para acabar com a boa reputação de qualquer paróquia. Felizmente que, entre roscas e machos pretos ninguém se enroscou, né?

    Não "desfilhaste", Marcio, mas desfiaste uma crônica saborosa, como aquelas que já não se vêem mais por aí. O teu talento de contador de histórias, como se ainda pudesse, melhora cada vez mais, é um espanto! todos os ingredientes da trama estão aí: cidadezinha de interior, paróquia, confessionário, irmãs de língua de tramela.... e malentendidos perigosíssimos pelos tempos que correm. Barbaridade, sô!!

    Vir aqui sempre é para mim um momento de deleite como tu nem sequer imaginas, meu irmão. São resgates e mais resgates que se dão em minha memória já por demais desbotada. E tuas crônicas e "causos", meu querido amigo, estão entre os melhores textos que eu posso encontrar nessa teia que roda com a Terra, podes ter certeza! saboroso momento, hilário e que me traz de volta um tempo de sumarentas mangas e jambos maduros que não volta mais. Obrigado, meu irmão.

    Um primor, Marcio, parabéns. (*rss) Um forte abraço, meu querido, e um bom fim de semana!

    André

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  5. kkkkkkkkkk Este é lado negativo de uma cidade pequena, moro numa, mas como amo a minha terra só assisto os absurdos e começo a rir.
    Tenha um abençoado fim de semana. Abraço!

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  6. Muito bom, morri de rir, embora suspeitando que tipo de 'machos' se revelariam no final, mas os diálogos se encaixaram muito bem. Põe no Alface Buque! Grande abraço, amigo Marcio.

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  7. Só faltou o padre se entregar! (Havia esquecido esta observacão) :-)

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