Topo Gigio (criado por Maria Perego, na Itália, em 1958). Estreou na TV brasileira em 1969, mas seu sucesso em terras tupiniquins se deu na década de 80 |
A resposta é “sim,
estou envelhecendo”. Mas, e quem não está? A pessoa passa a envelhecer no exato
instante em que dá as caras a este mundo. Basta começar a respirar para que seu
relógio da vida dispare, e com um detalhe muito importante, esse tal relógio é
severo e impiedoso. Algumas pessoas, por meios naturais ou não, demorarão mais
para mostrar as marcas do tempo na face, mas mostrarão, cedo ou tarde. Uns
viverão mais e outros menos, alguns poucos com mais qualidade e a maioria,
dependentes de sistemas humanos falíveis, falidos ou safados, pagarão por não
terem nascido em meios mais abastados. Mas todos envelhecerão, até aqueles que
se dizem “jovens por dentro”. Não há escolha nem exceção para esta regra.
Como? Aqueles que
morrem muito novos não envelheceram e nem envelhecerão? Bom, se considerarmos
que eles passaram alguns minutos neste plano, então ficaram alguns minutos mais
velhos a contar do momento em que nasceram, não é? Mas o assunto aqui é outro.
Bem diferente.
Essa expressão, “porque
no meu tempo...”, me incomodava. Usava-a com uma reserva danada de controlada.
Penso que tentava fugir tanto da idade que demonstrava no rosto, quanto da
experiência que eu possuía. Tinha medo de ser tachado de piegas ou, até mesmo,
de brega.
Até que num certo dia
comecei a comparar o que vejo hoje com aquilo que vivi NO MEU TEMPO. Minha
infância foi pobre sim, com poucos brinquedos ou quase nenhum acesso a muita
coisa que eu gostaria de ter conhecido. A tecnologia da época era muito
evoluída, isso se fosse comparada com a tecnologia existente NO TEMPO do meu
pai, mas se comparada a de hoje, era uma piada. Porém, existe uma inversão
aterradora na questão de qualidade de vida. Lá, NO MEU TEMPO, ela era
infinitamente melhor, se traçado um paralelo com a qualidade de vida existente
nos dias de hoje.
Obviamente, os avanços
colocaram a medicina, as engenharias, a eletrônica e outras ciências num
patamar incomparável com o que se via NA MINHA ÉPOCA. A qualidade de vida que
se tem hoje, sob certa ótica, é superior, mas não é baseado nesses meios que
defendo a qualidade de vida lá de trás. A modernidade traz conforto, curas,
meios para se cansar menos, etc... Mas, em contrapartida, trouxe também o caos
urbano e com ele a insegurança, novas doenças, pressa, preguiça mental, violência,
alimentos que não alimentam, acúmulo de lixo, mais pobreza, discriminação, ...,
e ..., e..., etc. A lista é enorme.
NO MEU TEMPO eu andava
descalço, subia em árvores, brincava na rua sem medo da violência, tinha amigos
com os quais eu conversava face a face e, pasme, falando e sem precisar digitar
ou apertar “enter”. Quando brigávamos, eu não “deletava” ninguém,
principalmente porque aquilo, na maioria das vezes, era passageiro, coisa de
criança mesmo. E quer saber? NA MINHA ÉPOCA, criança era criança, e não se vestia
ou agia como adulto. Apenas brincava e aprontava suas danezas. Estranho isso,
não é?
Outra coisa engraçada
é que pêssego tinha gosto de pêssego, e não raro, colhíamos diretamente no
pessegueiro do próprio quintal (se você não gostar da analogia com os pêssegos,
pode trocar por uvas, ou outra fruta... sei lá se você é desses que entende
tudo “ao pé da letra”. NO MEU TEMPO, a gente raciocinava mais sobre as coisas).
Hoje, você compra pêssegos no supermercado. São grandes, bonitos, guardados em
câmaras frias e com gosto de qualquer coisa feita de borracha. Mas quase não
tem gosto de pêssego. Natal, NA MINHA ÉPOCA, tinha cheiro de natal, de bolacha
de mel e bolo, tudo feito pela mãe ou por alguma tia doceira. Hoje, compra-se o
assado já pronto, a ceia quem faz é um bufet, e tem até o homem-churrasco, que
é contratado para fazer a sua festa sem você precisar se preocupar com nada.
Lembro que a diversão num churrasco, NO MEU TEMPO, era justamente... preparar
tudo. E pra quem não quer comer um churrasco, tem o homem-pizza, o
homem-cachorro-quente, o homem-brócoli, a mulher-melancia, a mulher-macaxeira...
ops, isso já é outra história.
toca-disco de vinil |
Talvez alguns moleques
nem acreditem, mas é verdade. Afirmo que idealizávamos e construíamos nossos
brinquedos, e sem um computador para ajudar a desenhar ou pesquisar tutoriais.
E sabe por que? Porque mesmo se um computador já existisse, sequer sonhávamos
em poder usar ou ter um a disposição.
No fim das contas, e
mediante isso tudo que escrevi e muitos outros argumentos que eu passaria o dia
aqui escrevendo, perdi a vergonha de dizer PORQUE NO MEU TEMPO...
Ainda mais porque se
eu for pensar bem a fundo, meu tempo foi tanto aquele lá da minha infância
quanto este que estou vivendo agora. São gerações diferentes, a minha e a de
meu filho, ou a de outros em idades intermediárias, mas todas convivendo sob um
mesmo céu. Eu só tive, talvez, o privilégio de ter vivido num mundo sem tanta
tecnologia, onde a criatividade precisava ser inerente, ou tinha que ser
buscada, mas precisava acompanhar cada um, ou então aquele que não a tinha iria
penar por ter muito menos capacidade que os demais.
Se eu voltaria para esse
tempo lá de trás e que tanto citei acima, mesmo conhecendo e tendo
experimentado tantas modernidades? Sim. Voltaria. Mas levaria uma ou outra
coisinha comigo. Afinal, SeMpre precisamos de um algo a mais, não é?
Marcio Rutes
Nooooossa!!!
ResponderExcluirPra ser sincera? essa foi uma das suas crônicas mais bonitas que eu já li. Ela veio com um toque mais especial, e diria que além das reflexões que toda crônica propõe, há nela um ar de nostalgia, mas daquelas bem lá do fundo mesmo.
Você iniciou majestosamente referindo-se ao tempo e assim foi por toda a história (simmmm, porque pra mim está mais como aquelas histórias em que a gente senta no chão e cruza as pernas e escuta, escuta e mais, aprende, conhece, experimenta, degusta e quer repetir).
Envelhecer? sim, todos nós iremos. Aliás, já envelhecemos tanto e digo isso também olhando para aquele bebê recém nascido em teus braços, nos braços daquela moça, daquela criança, com aquela boneca brincando de "adultecer". E também praquela semente que nem desabrochou ainda, tampouco germinou.
O que é envelhecer senão "perder"?
Sim, porque perdemos algo para dar lugar a outro.
A começar por nossas células e nem digo na hora do nascimento e porque não, muito antes da fecundação, mas enquanto erámos ainda óvulos/espermatozóides em nossos genitores?
Sofremos alterações durante todo o ciclo de vida, fomos perdendo a "exatidão" de nosso DNA, fomos sendo "arranhados", transmutados. Perdemos células para crescermos, multiplicarmos, dividirmos, para nos transformarmos.
Diante da fecundação, perdemos espaços, eliminamos junto ao sangue da mãe, envelhecemos pois estamos diante de reações que o tempo já se faz presente pra não deixar nunca de "acontecer".
Perdemos lembranças, esquecemos o ferro ligado, desistimos de caminhos, procuramos outros... enfim, esse assunto vai longe rs.
Sempre também me pego pensando, recordando passagens que o tempo despediu de mim, mas que não se perderam por dentro. Mas se misturaram nas chuvas, nos dias de sol, e é de lá também no meu tempo que a vida tinha um gosto mais fresco, mais doce, mais natural.
Terra tinha cheiro de terra e mesmo as frutas como você mencionou, tinham gosto próprio e ainda, eram reconhecidas pelo cheiro. No meu tempo, o gosto de fruta arrancada direto do pé, não tinha gosto de plástico, nem de remédio, tampouco de agrotóxicos, tinha era gosto de fundo de quintal, de brincadeira, de quitanda da vila.
"NO MEU TEMPO eu andava descalço, subia em árvores, brincava na rua sem medo da violência, tinha amigos com os quais eu conversava face a face e, pasme, falando e sem precisar digitar ou apertar “enter”. Quando brigávamos, eu não “deletava” ninguém, principalmente porque aquilo, na maioria das vezes, era passageiro, coisa de criança mesmo. E quer saber? NA MINHA ÉPOCA, criança era criança, e não se vestia ou agia como adulto. Apenas brincava e aprontava suas danezas. Estranho isso, não é?"
Esse seu trecho foi pra mim, o mais fantástico de todo o texto.
Se passava o tempo inteiro brincando na rua, com pé no chão, fazendo brinquedos improvisados e qualquer desavença mesmo, começava e terminava na rua, entre amigos. Nada de mandar matar, nem de torturar. No meu tempo, Bulling não passava de uns empurrões disputando o bola do futebolzinho no campo sem grama com poças de lama. Perseguições, era só com bicicletas pra subir nos morros de terra.
As pessoas não eram descartáveis, nem tampouco, marionetes sob conveniências.
Amigos do meu tempo, são amigos até hoje, quando se falam e recordam momentos, dand risadas com certa lágrima no canto dos olhos, e essa lágrima, carrega nada mais nada menos que um mundo inteiro desde lá de trás.
Disco de vinil era tesouro e estranho, o que era simples antigamente, apesar de todo avanço e praticidade do hoje, está fazendo as pessoas recordarem e trazerem de volta os valores que carregavam num tempo em que a vida, acontecia lenta, mas sem tantos lamentos.
Marcitooooooooooo, com licença mas você foi
F.A.N.T.Á.Á.Á.Á.S.S.S.T.I.C.O!!!
Que orgulhooooo você me dá!
Beijooo na alma,
Sua Sam.
Te amooo.
Marcio, meu querido amigo,
ResponderExcluirperdoe-me só agora poder vir aqui. Como se já não bastasse o meu alheamento da "esfera blóguica", o nosso hospedeiro Blogger me aprontou ainda mais uma com um dos meus novos blogues, e tive que refazer ainda um outro a mais, correndo contra o tempo! é dose, meu amigo, mas publicações virtuais terão sempre dessas. Pelo menos comigo! *rs
Muito interessante essa sua crônica, Marcio, na medida em que, partindo do conhecido bordão do topolino italiano, você faz um apanhado de reminiscências e, inevitavelmente, as compara com a hora presente. Rilke, o poeta, dizia que a infância é a fonte maior de todas as inspirações, e onde ele ia sempre dessendentar-se, parece.
Embora tenhamos, com a idade, a tendência comum de lançarmos sempre uma luz dourada, tamisada, aos dias em que a nossa compreensão do mundo se fazia mais pela imaginação que pela objetividade, a infância e a adolescência (salvo em casos especiais) terão sempre para aqueles que delas guardam recordações prazerosas, um encanto muito peculiar.
Há sempre algo meio confuso no ar quando dizemos "na minha época" ou "no meu tempo" pois, afinal, e de quem é então esta época em que vivemos atualmente, não é a nossa também? *rs o ser humano porta, naturalmente, em si o germe da nostalgia, isso é certo. E este pode levar-nos a comportamentos morosos, melancólicos, de ressentimentos com a realidade.
Mas, o passado também pode ser, como dizia Rilke, fonte inesgotável de belas inspirações e que, filtrada por um talento como o seu, meu amigo, frutifica sob forma de uma crônica tão saborosa como esta aqui. É, para mim, o melhor aspecto que podemos dar a algo que já não existe mais, senão em nossas recordações.
Excelente texto, meu velho amigo Marcio, sem dúvida está a viver um momento muito especial de criatividade literária, meus mais sinceros aplausos!
Muita saúde, um forte abraço, e obrigado.
André
Pois bem querido amigo Marcio e foi assim que recriaram a expressão "a arte de envelhecer" para nela empacotar todos os que usam e abusam da expressão aqui bem descrita por voce.Estamos lá com todo o saudosismo de um tempo diferente sim. Um tempo em que a chuva corria pelas ruas e não causavam as inundações que vemos hoje, não só pelo fato de não serem pavimentadas e permitirem a infiltração das aguas na sua trajetoria. No tempo os rios corriam para o mar, hoje nem sempre.Mas o que mais me leva para aquele tempo, são os banquinhos nas portas das casas, onde as pessoas contavam causos e ou namoravam ou simplesmente descansavam. Perdemos feio amigo para as grades de hoje e cercas tipo de penitencias, que as vezes fico na duvida de que lado está o meliante. Que tempo foi este, que não se precisava enfiar as mãos entre grades para comprar um remédio ou uma fruta? Por falar em fruta,por onde anda aquele cheiro tão característico das maçãs enroladas naquele papel roxo, as vermelhas. E aquele pão que a gente comia e sabia que era pão. Naquele tempo eu não tinha preocupação com agrotóxicos e comia e me lambuza com o que o pomar me ofertava. Então meu amigo nosso relógio disparou e temos o intervalo para fazer e acontecer até que velha senhora venha nos desligar o tal relógio.
ResponderExcluirBela cronica com sua arte.
Um abração terno amigo.
Vim ler a sua crônica que o amigo Toninho referenciou. Ah! eu sou deste seu tempo. Não sou de usar esta frase, mas relato, quando considero necessário, minhas experiência vividas, numa época em que as cadeiras ficavam nas calçadas, que havia o leite em garrafas de vidro e que o pão era entregue nas casas. São muitas as recordações, bons tempos, mas também gosto desse nosso tempo computadorizado, na qual posso conhecer pessoas que não cruzariam nas ruas por onde passo, posso ler crônicas com a sua, segundos depois de ser mencionada. Enfim, gostei muito do que li.
ResponderExcluirAbraços
Pego-me a pensar no que poderá vir a ser o meu tempo diante desse viver que escapa do passado e futuro pra ser só presente.
ResponderExcluirCadinho RoCo