imagem: arquivo pessoal - todos os direitos reservados |
MÃOS
"Elas também são casas.
São, ainda, o intermédio
da criação de nossa alma
no mundo. Na escolha
das cores, nos traçados,
nos rabiscos. Escrevem e
apagam. Rascunham. Tecem
uma constelação bonita de
tantas outras mãos e brilham,
quando cumprimentam a vida."
Samara Bassi
Da sugestão de uma palavra,
ou do sabor de uma brisa, sempre brotam momentos inesquecíveis. E mesmo que a
palavra ou a brisa sejam intocáveis, o sentimento provocado por eles é
suficiente para tornar tangível qualquer sonho de voar mais alto.
Tanto falei das mãos,
dos sonhos e do tempo, que creio ter feito um elo entre essas três coisas.
Sempre esparsos, esses três elementos vinham a mim como um alento. Em cada
período que algo não estava bem, lá estava um deles me socorrendo. Por vezes, o
tempo se encarregava de cicatrizar uma ou outra ferida, enquanto que os sonhos
me acomodavam num descansar da alma. Assim, tudo amainava e caminhava num ritmo
todo meu, embalado pelo som de uma flauta de Pan, encontrada unicamente em meus
momentos oníricos. Tantas foram as vezes que um par de mãos alvas e pequenas
apareceram em meus sonhos segurando essa flauta. Mãos. Mãos segurando uma
flauta. Mãos, sonhos e tempo.
Quando me dei conta,
tracei toda uma vida sonhando. Nunca me deixei ficar sem esse algo a mais que
permeia alguns de nós. Sim, algo a mais. O sonhar é um “querer ir além”, como
se aquilo que se apresenta não bastasse. Não me refiro à ganância, pelo
contrário, mas sim ao fato de buscar algo que se acredite ser bom, de descobrir
novas fronteiras. Num certo dia, o sonho ficou maior do que eu, e precisou vir
a tona, e um novo elemento juntou-se aos meus dias: a palavra.
Escrevi tanto, mas
tanto, que nem sei se não me soterrei nas minhas próprias confabulações. Mas
tudo bem, sempre foi tudo tão introspectivo, tão guardado para mim mesmo...
será que foi mesmo? Não, não foi. Assim como aconteceu com os sonhos, minhas
palavras também tomaram corpo e cresceram, escapando de mim. Espalharam. A
brisa deu jeito de espalhá-las. E aí está o quinto elemento que compõe minha
existência. O vento.
O sonho, o tempo, a
palavra e a brisa. Quatro elementos que seguiram sempre comigo. Acostumei-me a
eles de tal forma, que se qualquer um deles faltasse, eu próprio não me
reconheceria no espelho d’água que carregamos nos olhos. Todavia, ainda faltava
um elemento para ser trazido a mim: as mãos que seguravam aquela flauta de Pam
em meus sonhos. Foi quando o vento e a palavra decidiram se encarregar de
buscá-las.
Num sem-querer dessas
esquinas do destino, o vento (carregando minhas palavras), fez uma curva e
estacionou num remanso que acalentava não a música de Pan, mas sim as mãos de
alguém que escrevia palavras tão sublimes, que o próprio Pan se encantava com
elas e compunha suas músicas. O vento, sem pestanejar, descarregou ali as
minhas palavras e voltou, tal qual um pombo-correio apressado, para me guiar
até essas mãos mágicas.
O tempo entrou em
ação, atiçou os sonhos, e por mais de dois anos, me fez fazer brotar palavras
suficientes para atulhar de trabalho o coitado do vento. Isso tudo unicamente
para banhar com letras aquele par de mãos serenas e mágicas que ele próprio, o
vento, havia encontrado.
imagem: arquivo pessoal - todos os direitos reservados |
Soberano, o tempo
correu e fez das suas. Mas não foi carrasco. Num dia de outono, de leve brisa,
aquele par de mãos fecharam um ciclo em minha vida. Essas mãos, juntamente com
as minhas, num enlace de calor e magia, fecundaram algo que ficará marcado para
sempre em mim. O sentimento de completude me veio, como se os cinco elementos
que me formam estivessem juntos e alinhados. O espiritual e o carnal
tornaram-se um só, e toquei a vida como poucos fizeram. Entendi a essência que
me compõe.
Mãos. Não as minhas,
mas aquelas que me guiaram para meu próprio eu. As mãos alvas, macias e
quentes. As mãos daquela que compôs as notas para acertar o compasso do meu
coração. Não são mágicas, mas sim milagrosas. Sabem fazer laços sem amarras, e
juntamente aos braços, enlaçam num abraço onde somente o mais tolo pensaria em
se libertar.
Dou-me por completo,
onde cada elemento que há em mim me foi presenteado por um ser divino. O maior
e mais valioso presente que me foi dado? O último elemento, claro. As mãos. E o
bom é que elas me trouxeram junto alguém muito especial. Mãos, corpo, alma e
coração. Alguém muito além daquilo que meu sonho mais intenso pudesse ter
imaginado.
Marcio Rutes
(Marcio JR)
Meu querido,
ResponderExcluirComo é fantástica essa sensação que suas palavras causam no peito da gente. No meu, principalmente.
A leveza com que compõe esse texto que na verdade, soa como poesia. A poesia que gera a vida por dentro e por fora.
E sabe, tudo isso que te compõe, me compõe. Tudo isso sempre existiu em cada um de nós.
A palavra está em nós na fala, no rabisco dos versos, naquilo que um olhar diz sem a boca pronunciar. Nos gestos que acenam e relatam histórias, que carregam saudades, lembranças. Tudo isso é palavra.
Os sonhos estão em nós na mente, no coração, na dedicação que o peito traduz em certezas e os passos apenas acompanham para que eles não sejam realizados não, pois a partir do momento em que são imaginados, bem quistos, eles já existem. Apenas tomam caminhos para se tornarem palpáveis.
O tempo, carregamos em nossos cabelos brancos, nas rugas que o corpo adquire, nas lembranças, na idade que vamos acumulando.
O vento está mais que presente na brisa que nos toca os cílios. É simplesmente o nosso sopro de vida: o ar que nos preenche os pulmões com golpes de ar, tão necessários, obrigatoriamente necessários e vitais para que cada um desses elementos possam ser continuados.
As mãos, meu anjo, constroem a vida em cada um dos seus detalhes. Fecunda jardins, transforma abismos em pontes. Facilita o abraço, é quem dá o laço final, que dá o ajuste final e nunca finaliza pois é ela quem dá o aceno para o próximo (re)encontro.
Lindo lindo querido meu.
Saio daqui, mas aqui permaneço, sempre encantada.
Beijo na alma,
Sam.