sexta-feira, 14 de junho de 2013

BRISA FRIA DE OUTONO

crônicas de uma música

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“Das minhas buscas, eu não sei da ordem, pois todas são prioridades e meus olhos apenas se fecham para senti-las melhor, para resgatar aquela maresia preenchendo o peito e todo o som ao redor dos meus ouvidos, mesmo que numa espreitada, numa curva, numa tsunami interna e desconhecida.
Samara Bassi






Carregava um sonho na palma das mãos. E cantava também. Cantarolava Don´t Know Why, em voz baixa e bem ritmada, enquanto caminhava em meio aquele turbilhão de pessoas apressadas. Os olhos, agora calmos, mostravam o avermelhado deixado pelas lágrimas de antes, secadas com a seda de um par de mãos pequenas e alvas. Mãos quentes aquelas.

Um esbarrão ou outro não eram suficientes para tirá-lo de seus pensamentos. Como ela estaria agora? O que estaria fazendo? Talvez cantarolando a mesma música que o tomava por horas.

Os rostos contrários quase raspavam o seu, e ele sequer se preocupava em desviar. Na realidade, ele não enxergava mais nada além da rua e da pouca luminosidade do fim de tarde. Logo anoiteceria. Uma noite feita para não ser dormida, mas sim consumida com parcimônia. Algumas estrelas apareceriam, por certo, mesmo que vítimas da luz forte da metrópole. Tão fácil confundir discos voadores com estrelas, mas ele não se importava. A artificialidade do modernismo já não importava mais. Queria apenas o natural do pio da coruja, mas isso ele não teria ali. Teria que imaginar por si próprio os gorjeios da madrugada.

O vento, um tanto repentino, barrou seus passos. Lavanda. Sentiu-se inundar pelo odor canforado que bailava pelo ar. Arregaçou a manga da camisa e cheirou os braços. Ela passara lavanda em seus pulsos, mas não era dali que o cheiro perpetuava. Vinha de longe, vinha do alto. E ele apenas afinou o olfato e seguiu o vento. Talvez uma superfície de riso estivesse ancorada no mais frio dos arredores. Era assim que ele sentia aquele cheiro refrescante, como um riso sem fim a tomá-lo.

Consumiu as escadas lentamente, passo por passo, como se cadenciasse a respiração e a passada, até que chegou diante da porta. Novamente lavanda. Entrou. A música brotou do interior daquele quarto, e num instante ele escutou

“...eu esperei até o sol raiar
não sei por quê eu não fui;
deixei você ali, onde você gosta de estar,
não sei por quê eu não fui...”.

Tantas foram as vezes em que acovardou os sentimentos, que guardou tristezas, ou que deixou de ir. Mas hoje ele entende. Não era a hora, nem aquilo que parecia ser. Não era ele ou o destino, mas um recontar de histórias gêmeas. Não era ela em outros bancos de praça, nem tanto era o vestido dela a bailar sob o sol da tarde.

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Ali era o lugar onde ela gostava de estar, e ele não a deixou ali. Desta vez não. Foi buscar um abraço devido aos dois, ou um caminhar de mãos dadas pelo chão de estrelas que ela tantas vezes pintou em letras pelas telas da vida. Vinho e macarrão nunca foram tão saborosos numa noite de outono. Foi quando o pulsar sereno da noitinha revelou o sorriso largo de alguém que saia do outro cômodo. Pele alva e mãos pequenas recepcionaram-no num abraço sem medida.

Não foi preciso esperar até o sol raiar.





X X X X X X X X X X


crônicas de uma música

O texto acima não é uma tradução e não faz menção literal à música "Don´t Know Why" de Norah Jones. Longe disso, pois em qualquer tradução, muitas vezes existe a perda da essência daquilo que se traduz. O que fiz foi apenas escrever de forma alusiva o que sinto e visualizo quando escuto tal canção.



música Don´t  Know Why (Norah Jones) - by YouTube



Marcio JR
(Marcio Rutes)


Um comentário:

  1. Querido meu,

    Fiquei e sempre fico deslumbrada com tuas palavras tão lindamente tecidas, unidas. Tão belamente confeccionadas de forma a ocuparem o lugar na medida certa para cada uma.

    Que honra e que gostoso sentir essa surpresa de tão singelos e humildes versos meus dispostos nessa sua grandiosidade. Meu coração se enche de alegria e meu riso, se desprende mesmo florindo nos lábios e com raízes no coração.

    No decorrer da leitura ao som inconfundível de Norah Jones (adoro a música. Muito bom gosto, querido ;p), as sensações sacolejavam no peito de forma a transbordarem como raios de sol num pequeno, mas lindo jardim, aguardando a época de florir.

    "Tão fácil confundir discos voadores com estrelas," - Essa frase me causou uma adoração sem definição. Você foi simplesmente F.A.N.T.Á.S.T.I.C.O. nessa construção. Imersa numa fantasia, numa aura de tanta possibilidade, como se qualquer detalhe pudesse se tornar qualquer sonho que desejássemos viver. E é. Aqui, tudo é possível.

    Daqui saio, mas aqui permaneço. Embalada nessa magina desacordada e caminhante por entre os cílios, um outono colorido e cobrindo as calçadas pra aconchegar futuros passos.

    Caminho em cada avenida que teus olhos nos demonstram nessa pintura escrita e reencontrada como mundo que se choca sem se perturbar.

    Adoro-te em todos os versos, universos. E cada palavra e música. Em cada raio de sol, gota de chuva. Em cada estrela gigante, gigante no coração e em olhos nus. Pois a beleza está nos olhos de quem vê e você, você me mostrou a sua.

    Beijo na alma, querido meu.
    Sam.

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