sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

POIS É, SEU PADRE...

―Mas, filha! Você tem certeza disso que está me falando? Seu marido “tchum” mesmo? Quero dizer... ele... é... bem, como eu posso dizer isso de modo não agressivo? 

―Ele dá ré no quibe, Padre! É isso mesmo! É um desavergonhado! 

Padre Zinho, já antigo por aquelas paragens de cidades pequenas, tentava entender o que aquela paroquiana explicava. Mas, além do relato daquela mulher ser muito confuso, o nervosismo que ela carregava piorava tudo. 

―Trinta e cinco anos, Padre Zinho. ­―ela relatava, lamentando-se e soluçando. ―E pra quê? Tanta dedicação minha, tanto zelo, os cuidados com a família... pra quê, Padre Zinho? 

­―Acalme-se, minha filha... ­―o Padre começava a ficar incomodado, ainda mais quando se deu conta de alguns barulhos logo atrás do confessionário. ―Tente relaxar e me contar direito sobre essa história toda. Não há mal que não se possa remediar...

 ―Que remediar, Padre? Remediar pra quê? Criei meus filhos como eu pude, mandei pra faculdade na cidade grande, e agora, vem o Juvenal com essa história! E o pior é que o nosso filho mais velho tá metido em tudo isso! ―ela engrossou o tom de voz, como se tivesse tomado uma decisão. ―Quero divórcio, e dos dois! Do meu marido e do meu filho! Não quero ficar mal falada por aí! 

O Padre tomou o maior susto ao escutar aquilo. Divórcio do marido ele até entendia, mas mãe divorciar de filho? “Desfilhar”? E quando o Padre baixou a cabeça para tentar raciocinar, escutou novo barulho, como se algo caísse no assoalho de madeira, e bem atrás do confessionário novamente.

 ―Filha, vamos do começo. Me conte tudo. 

―Bom, Padre Zinho, tudo começou num sábado logo cedo... 

“...o Juvenal havia dito que ia pescar com a turma. Até aí, tudo bem, mas descobri que o Lourenço também ia. E o senhor bem conhece o Lourenço. Aquele lá é chegado numa jogatina e, o que é pior, não pode ver rabo de saia...”. 

―Não precisa entrar em detalhes. Vamos deixar o irmão do prefeito de fora disso. ―o padre pediu, ainda incomodado com os barulhos que escutava. 

“...meu filho falou que também iria para a pescaria, e eu me senti mais despreocupada. Depois que eles saíram, esperei a venda da Augusta abrir e fui pra lá, pois fiquei sabendo que o filho da Maria Francisca, aquele que tá na capital, tinha virado viadinho, e eu queria mais detalhes...” 

―Pula essa parteeeeeeeeeeeeee... 

“...taáááá. O senhor anda muito estressado, Padre Zinho. E to notando isso desde aquele dia que viram o senhor lá pelos lados da Maloca dos Viúvos. Lembra? Foi quando o senhor pegou aquela diarréia...”. 

―Chegaaaaaa. A senhora veio aqui pra pedir conselhos e confessar, ou pra fofocar, alcovitar e difamar? Quer que eu lhe escomungue? Se não quer, é melhor segurar essa língua de lavadeira! ―o padre perdeu as estribeiras, mas conseguiu calar aquela mulher, ao menos por alguns instantes. ―Agora, continue! 

“...credo, que jeito de falar comigo, que sou uma mulher tão pudica! Bom, eu não fiquei muito tempo lá na Augusta, pois aquela franguinha da afilhada dela estava lá. Eita menina fofoqueira aquela, e o senhor sabe que eu detesto fofoca. Quando cheguei em casa, reparei que o carro do Juvenal estava parado na rua do lado, e não tinha ninguém dentro. Estranhei e fui pra casa. Entrei de fininho e vi o Zé da Rosca, aquele da padaria, e o Juvenal conversando na sala, enquanto meu filho tava no telefone, conversando com alguém...”. 

―E o que isso tem demais? 

“...foi o que eu escutei, Padre Zinho. Foi o que eu escutei que me deixou desarvorada. Meu filho falava assim no telefone: ‘pois é, meu pai tá precisando de um macho; a gente tá indo pescar, então, se você tiver alguns, a gente passa aí e pega; devolvemos depois da pescaria’...”. 

―Machos? Eu escutei bem? 

“...pois é, padre Zinho. E o desavergonhado do meu filho ainda falou que não era pra se preocupar, isso porque eles iam ‘cuidar’ muito bem dos machos, e que se desse, era pra mandar ‘aqueles machos pretos maiores’. Eu quase morri, Padre. Além do meu Juvenal ser baitola, ainda é chegado num negão! O que é que eu faço, Padre? Me diz?...” 

“...mas a coisa não pára por aí não! Tinha coisa pior! Ainda escutei o Zé da Rosca falar que era uma pena que o senhor não ia poder ir junto, porque quando o senhor tava estudando, tinha ‘feito uns cursos e sabia lidar com machos’. Quando escutei isso, não entendi mais nada. Muito me admira o senhor, Padre Zinho! Justo alguém que deveria cuidar do galinheiro, anda frangueando por aí? Tudo bem que um padre não possa comer o milho, mas também não deve usar o sabugo...”. 

―O quê? Você ficou maluca? ―o berro que o Padre soltou foi ouvido até fora da igreja. 

―É isso mesmo que o senhor escutou. Aliás, já telefonei pro meu irmão, que conhece o Bispo. Amanhã mesmo ele tá aqui, pra tirar isso a limpo com o senhor. Bem que eu desconfiei que isso aí que o senhor usa tava mais pra saia do que pra batina. 

O padre apenas abria e fechava a boca, sem saber o que dizer. Até que, num dado momento, escutou alguns bochichos e resolveu espiar por um vão logo atrás dele, o que permitia que ele tivesse alguma visão do pequeno cômodo que ficava logo atrás do confessionário. Lá, duas beatas saíam às pressas, falando muito e rindo sem parar.

 ―Meu Deus! Não faltava mais nada! ―o Padre suspirou, balançando negativamente a cabeça. ―As irmãs Cascadura escutaram tudo! Agora, a cidade inteira vai ficar sabendo dessa história maluca! Valha-me, Senhor! 

Algum tempo depois, em outra parte da cidadezinha, Juvenal e seu filho paravam o carro bem diante de uma pequena oficina. 

―Heitor! ―Juvenal chamou, enquanto descarregava algumas coisas do carro. ­―Eu trouxe os peixes que tinha te prometido. 

Heitor, o mecânico, apareceu logo em seguida, todo sujo de graxa. 

ferramenta "MACHO", para fazer rosca interna
―E minhas ferramentas? Conseguiu usar? Esses machos são difíceis de arranjar por aqui, principalmente esses pretos maiores. Comprei lá na capital. 

―Pois é, meu amigo! Quase que eu não consigo recolocar aquele parafuso. Agora, dá uma licencinha, que vou ali na igreja cumprimentar o Padre Zinho. Esse danado, além de Padre, também fez curso de torneiro mecânico. Quero que ele dê uma olhada na minha rosca.


Um pouco mais atrás, as irmãs Cascadura escutavam a conversa, mas a única parte que ouviram, ou que quiseram escutar, foi justamente a última. 

―Escutou isso, Gervásia? 

―Escutei sim, Leocádia! Então é verdade mesmo! Mas não entendi uma coisa.

 ―O que é que você não entendeu, Gervásia?

―É o Juvenal ou o Padre que tá com problema na rosca? 

―Pare com isso! Não devemos ficar fazendo juízo errado dos outros. Só vamos passar lá em casa, que quero colocar isso logo no meu Zap Zap. Babado de primeira!

―Reparou como esse povo anda pecador, Leocádia? Acho que aqui nessa cidade, só nós duas é que nos salvamos. Vamos embora, que não quero me contaminar com esses pecadores!

 

 imagens coletadas no Google

Marcio Rutes


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4 comentários:

  1. Pois é, eu Marcio... Deliciosa narrativa. Se quisermos olhar da perspectiva da ambiguidade, da plurissignificação, é um parto feito. Ou um prato feito. E na sala de aula, estaríamos com a meninada rindo a bandeiras despregadas quando explicássemos o que é denotação, o que é conotação a partir do seu fino humor para tratar da pescaria, dos murmúrios e dos subentendidos que a conversa pode ter, quando “pescada” aos pedaços, a e a linha mordida quando menos se esperava, e o um peixe pequeno toma proporções gigantescas. E o leitor se encarrega dos pontos finais segundo o seu ponto de vista dependendo do seu modo de lidar com “os machos” e com a “rosca”. Pobre da mente fértil do homem sempre a completar as reticências do modo que lhe convém ou de acordo com as suas convicções...
    Um abraço,

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  2. Olá, Marcio,
    rssssssss, como ri desse seu causo! No começo fui pensando uma coisa e aos poucos fui mudando de entendimento, senti que não era bem o que eu pensei, as coisas tomavam outro rumo. Mas a conversa com o padre no confessionário nota 1000!!! Coloquei-me no lugar do padre, o que já é uma coisa meio complicada, situação que nunca pensei, e no final o desfecho inusitado, piorou! A fofoca nasce bem assim, com pitadas de maldade. E pimenta pura.
    O que senti é que você não deixou cair a peteca nem por um instante! Nossa... não sei se falei certo, também estou com medo de falar, posso ser mau interpretada! rssss
    Mas olha, deixo meus aplausos aqui pela história tão bem contada, um finíssimo humor, gostei imenso de ler.
    Meu abraço, e uma ótima semana.

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  3. Olá, amigo Marcio, esse seu conto, “Pois é, seu padre…” fez-me visualizar o interior de uma igreja, onde se encontravam os fiéis numa Missa de domingo, com os bancos todos lotados, e ao lado deles, o confessionário onde imaginei o padre lá dentro ouvindo as fofocas dessa paroquiana maluca, que imaginei vê-la ajoelhada e de costas para mim.
    Isso tudo se deu pela maestria do contista que soube envolver o leitor. Do Luis Fernando Veríssimo, li um conto que, do início ao fim, mostra cenas eróticas que envolvem o leitor até o seu final. Eram cenas do envolvimento de um casal na cama no final mostra que ele apenas pedia que a mulher lhe coçasse as suas costas conduzindo-as para os locais do corpo em que a coceira lhe incomodava. No final risos e surpresas tanto no conto do Veríssimo como nesse seu excelente conto que gostei muito de ler
    Votos de uma boa semana, Marcio.
    Grande abraço.

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