sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

RECONSTRUIR

Re-edição


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Segundo o dicionário,reconstruir indica ação, ato ou efeito de refazer.

Reconstruir, em sua acepção, pode demonstrar algo belo. A vontade e a força que vem do ser humano em montar algo novamente, a resiliência tão peculiar em alguns, a determinação para seguir adiante apesar dos percalços. Tantos são os fatores que podem influenciar no modo de agir das pessoas e fazê-las retomar algo, que muitas vezes mudamos nossos destinos até mesmo sem sentir. Em certos momentos, evoluímos, crescemos material e espiritualmente, mesmo apesar das intempéries. Já em outros, não encontramos força suficiente para tal, e permanecemos numa pasmaceira constante, ou pior, afundamos num estado de letargia crescente.

Reconstruir, no entanto, pode ascender de alguma ação desfavorável. Para reconstruir, é necessário que algo tenha ruído, sido desmontado ou destruído. Algo existia e, de repente, acabou. Em algumas situações, isso é feito de maneira planejada ou pensada, e resultará em algo melhor. Mas, e quando tudo acontece repentinamente? Catástrofes, de maior ou menor escala, acontecem todos os dias mundo afora. Furacões, terremotos e tantas outras ações da natureza interferem profundamente no mecanismo que move a existência do homem, mas não são as únicas causas que promovem “reconstruções”. A ganância, o egoísmo, a inveja, a violência, o desrespeito pelo próximo e tantas outras características negativas inerentes do caráter humano, também se delineiam nessa cadeia de ação que leva à prática de se precisar devolver a forma a algo que esfacelou.

Pessoas saem de suas casas e não voltam. São vítimas mortais de uma sociedade que se fecha em seu egoísmo. A violência corre solta, e quase nada se faz para contê-la. A palavra, arma maior da eloquência humana, virou apenas um artifício da retórica na boca daqueles que banalizam os poderes legais. E são tantas as violências!

Como se não bastasse a ânsia latente de muitos, que não se contém em seu ímpeto e saem disseminando a desordem e o escárnio, as mídias se aproveitam e pioram tudo, implantando ainda mais o conceito de anarquia na alma humana. E o que era um crime a ser julgado, condenado e castigado naturalmente pela justiça, vira um instrumento de lucro na horda comunicativa. Resumindo, para se ganhar mais, oprime-se mais. Como explicação barata, dizem que é "o povo assumindo seu direito à informação”. Pura balela. Quando a audiência cai, esse direito popular à informação é deixado de lado, quer seja pela mídia, quer seja pelo povo, que corre para saciar-se em outro entrevero, e melhor ainda se for de alguém famoso, ou de algum escândalo de grandes proporções, ou ainda de algo que se possa sair falando aos quatro ventos, onde são acrescidas palavras à esmo e sem nenhuma verdade. Tudo, então, cresce novamente, tomando dimensões gigantescas, até cair a audiência e tudo voltar lá do começo, em um “looping” eterno. Teoria do infinito, ou uma ânsia inescrupulosa de se falar e difamar o alheio?

Existe a violência do lar, silenciosa por vezes, mas nem por isso de menor impacto. Os vícios, a ira, o ciúme infundado, o descaso conjugal, a luxúria, enfim, vários são os motivos que podem destruir uma família, e que encheriam várias linhas. Não raro, fatalidades acontecem, como pais espancando ou matando filhos, ou filhos matando os pais. Mulheres ou homens que traem não apenas sexualmente, mas também àquela jura de confiança mútua que se estabeleceu naturalmente no início da união. Espancamento físico. Espancamento moral. Subserviência obrigatória ou, puramente, opressão física e moral. Escravidão. São muitas palavras duras, que chocam, mas que estão entrando na banalidade. E quer saber por que isso me assusta? Justamente por não nos “assustarmos” mais com tudo isso. Tudo já é tão “normal”, que dentro em breve sequer olharemos isso como uma situação de afronta, afinal, “é tão normal”...

Enfim, quando nos damos conta, precisamos RECONSTRUIR.

Quantas pessoas passam décadas ao lado de alguém, sendo oprimidas, massacradas em seu íntimo, e sequer se dão conta disso? São lesadas diretamente em seu caráter, ficam enfraquecidas, abstraídas da servidão mental pela qual estão passando, que qualquer reação parece incapaz de ser enxergada. Estão mergulhadas na situação, beirando o afogamento, mas não visualizam isso. Até que em algum momento, acabam por despertar para a realidade, e com isso dois problemas surgem de pronto. Enfrentar a situação (sair dela) e, consequentemente num problema atrelado ao primeiro, reconstruir a vida.

Fênix de Gelo - by Google
Dei voltas para chegar até aqui. Talvez eu próprio tenha caído na tal “retórica”, mas tentei traçar paralelos para mostrar que a violência doméstica não está assim, tão diferente de qualquer catástrofe natural que se vê no nosso dia-a-dia.

Esta crônica não termina aqui, ela está apenas começando. Novo capítulo virá, e o que terei a dizer pela frente, muitas pessoas já estão vivendo em suas próprias carnes de um jeito muito amargo. Alguns sequer conseguem se reerguer, pois não suportam enxergar a luz depois de sair da escuridão da caverna e retornam para dentro. Tal fato não é bom. Outros, em contrapartida, se refazem. Enfrentam as batalhas de peito aberto, mas as cicatrizes ficam. As cicatrizes doem e não são algo bom de se mostrar, porém, são formadas justamente para cauterizar e lembrar de algo que precisou ser refeito. Aprende-se, então, com o erro.

Fica a lição: até mesmo algo não belo como uma cicatriz é uma reconstrução.


Marcio JR


domingo, 25 de novembro de 2012

ANGÉLICA E ANGELINA - QUANDO OS ANJOS DIZEM AMÉM (fábula)


Angélica - image by Google
Angélica teve uma infância pobre e restrita. Poucos brinquedos, roupas rasgadas, trabalho árduo e pesado para seus braços frágeis, mas com muito amor dado por seus pais. E assim ela cresceu, sempre esperançosa. Transformou-se em moça formosa, e mesmo com aquela infância sofrida, o mais belo sorriso sempre transbordou em seus lábios.

Nos cabelos de Angélica, uma flor fazia constante presença, branca e perfumada, e o amor não demorou para desabrochar em seu coração. Um jovem, também muito humilde, desposou-a, e juntos, construíram um lar e uma família.

O marido, rapaz honesto e muito trabalhador, preparou um roçado enorme na propriedade em que residiam, enquanto Angélica se ocupou da casa e do jardim, que de tão bem cuidado, era admirado por todos os moradores da pequena cidade.  O sonho do jovem rapaz era ver a esposa grávida, mas Angélica, por uma fatalidade do destino, não poderia gerar o filho tão desejado pelo marido.

Angélica entristeceu, e mesmo com todo o amor que ela tinha no coração, o jardim sentiu sua agonia. As plantas começaram a secar, uma a uma, e as poucas flores que ainda despontavam no alvorecer já não lhe davam mais alegria. Até que numa manhã cinzenta, recoberta de garoa, ela foi até o meio do jardim e sentou entre algumas flores brancas e de perfume marcante. Seu coração estava apertado, e ali ela jurou que teria aquele filho que o marido tanto queria, nem que tal ato fosse a última coisa que ela fizesse. Neste momento, uma dor muito forte tomou sua cabeça, fazendo-a desmaiar instantaneamente. Quando acordou, já estava em sua cama, com o marido ao lado, olhando-a.

Os dias passaram e ela logo reparou algo estranho em seu corpo. Enjôos e uma vontade absurda de correr pelos campos a tomava a todo instante. Inexplicavelmente, ela estava feliz novamente, e não demorou para saber o motivo: estava esperando um filho, mais exatamente uma menina. Assim, Angélica retomou seu sorriso e a lida no jardim, e quando a filha nasceu, deram a ela o nome de Angelina.

No entanto, a felicidade do marido se transformou em tristeza rapidamente. Angélica, pouco tempo depois de trazer ao mundo a filha, adoeceu e morreu, deixando uma nuvem negra naquela casa. Angelina cresceu vendo o pai amargurado e piorando a cada dia. No jardim, nada mais se via além de ervas daninhas, e o roçado, provento da família, secou em pouco tempo.

Angelina, mesmo tendo todos os motivos para se amargurar, mostrava felicidade, e em todos os fins de tarde, corria para o antigo jardim que a mãe mantivera com tanto carinho. De lá, ela sempre voltava com um sorriso no rosto, e quando o pai perguntava a razão daquilo, ela dizia que estivera com a mãe. Ela era, ainda, muito criança, e o pai tentava se convencer de que aquilo era unicamente uma forma dela se defender da tristeza que a rodeava.

Numa tarde ensolarada, o pai viu a filha correr para o antigo jardim, e não demorou muito para ouvir a risada da menina, como se brincasse e se divertisse com alguém. Ele, curioso, foi até o jardim para observar a filha, e quando chegou perto de onde ela estava, viu-a sentada no chão, ao lado de um pequeno pé de flor branca e perfumada. Era o único arbusto florido que ainda restava naquilo que fora um jardim cheio de vida. O pai assustou-se ao ver que a menina parecia conversar com alguém, pois não havia mais ninguém além deles naquele lugar.

Preocupado com a filha, o pai foi até ela e sentou-se a seu lado, chamando-a e perguntando com quem ela falava. A menina, calmamente, apontou a flor e disse que a mãe estava ali, rindo para ela.

―Minha filha, aqui não há ninguém além de nós dois. É apenas a sua vontade de ter sua mãe. Eu também morro de saudades dela.

―Papai. A mamãe pediu para você fechar os olhos.

―Filhinha. Ela não está aqui. Tente entender...

A menina olhou ternamente para o pai, deixando-o comovido. Ele, sem ter muito a fazer, fechou os olhos e sentiu uma sensação estranha. Um leve perfume invadiu seu corpo, e a imagem da esposa logo se fez diante dele. Ao abrir os olhos, ele se viu num campo completamente florido e perfumado. Ao lado dele, a filha estava em pé, sorrindo, e atrás dela, também em pé, Angélica a amparava pelos ombros e esboçava o mais belo sorriso, exatamente como ela fazia em seus tempos de juventude. Junto a eles, vários insetos esquisitos, parecendo duendes com asas, se espalhavam por todos os lugares e cuidavam do jardim.

Tulipa - image by Google
O pai ficou sem entender e se pôs em pé, chegando bem próximo daquela que parecia ser Angélica. Quando estava para beijá-la, tudo sumiu repentinamente e somente a filha permaneceu diante dele. Ele balançou a cabeça e pensou ser tudo um sonho, mas assustou-se novamente ao ver que várias flores brancas apareciam junto aos seus pés. Em poucos instantes, todo aquele antigo jardim se transformou no mais belo e branco campo de flores. Um sorriso estalou em seus lábios, e por mais que chorasse, sabia agora que Angélica sempre esteve ali, e que jamais abandou a ele ou à filha.

Alguns meses depois, naquela propriedade que secara com a partida de Angélica, foi construído um grande campo de plantação de flores. Com o tempo, Angelina e o pai passaram a retirar seu sustento da colheita e venda das mais variadas espécies que brotam pela grande e fértil propriedade em que residem. No entanto,  é no pequeno jardim onde Angélica cultivava suas tão adoradas flores brancas que os dois passam a maior parte do tempo. Lá uma flor branca e extremamente perfumada domina o ambiente. O nome desta flor? ANGÉLICA.


MarcioJR


sábado, 17 de novembro de 2012

O PERFUME QUE FICOU EM MIM

filme PERFUME DE MULHER - by YouTube

O ar da manhã, sempre perfumado daquele cheiro de flor acordando, me encanta os sentidos. Durante muito tempo, foi este o perfume que carreguei comigo. Até acredito que era o único perfume de que precisava em mim.

O tempo, com seu perfume amadeirado, caminhou comigo e contagiou minha pele. A impetuosidade da juventude, que acomete nos verdes anos com seu odor mais ácido, porém um tanto volúvel, ficou para trás. E o que era pressa se transformou na mais pura vontade de aproveitar o odor de cada dia, de cada instante.

Aprendi que cada coisa, cada acontecimento, cada momento (seja ele feliz ou não) tem uma identidade bem marcada. É como se uma memória olfativa me dominasse e me impusesse fragmentos perfumados daquilo que vivi e absorvi por essa já longa estrada. Seletivo que sou, o que me fica são os bons momentos, pois, e por sorte, os cheiros desagradáveis dos momentos ruins, esses se confundem e amenizam com o tempo. Não serão esquecidos, por certo, mas serão sobrepostos por odores que possuem elementos capazes de eternizar sentimentos bons na alma.

Estranhamente, e como a memória não é capaz de sintetizar odores, associo aromas e cheiros a imagens. Dia desses embarquei numa nostalgia tremenda, relembrando instantes de pura magia. Um filme brotou em meus pensamentos, e nele, um casal dançava tango. Al Pacino e Gabrielle Anwar protagonizaram uma das mais belas cenas a que pude assistir, e foi então que me dei conta de que não existia, ainda, um perfume a que eu pudesse associar tal momento.

Celêdian Assis
Revirei toda minha bagagem de memória, andei pelo jardim de casa, busquei no mais remoto daquilo que conheço, e somente um perfume me ocorreu para ancorar nesta tão bela recordação: o perfume do carinho, do afeto, da simplicidade, e da magia que vem de ti, Celêdian Assis.

Hoje é teu aniversário, minha querida amiga. É pena que a única coisa que posso te dar é o meu abraço imaginário e todo o carinho que consigo te enviar daqui, em palavras. Mas, saiba que você é uma das pessoas que mais admiro e respeito. O fato de poder tê-la como amiga já é, por si só, um dos maiores presentes que a vida me deu.

O perfume que ficou em mim? É o mais puro aroma de nossa bela amizade, Celêdian.

Feliz aniversário, minha preciosa e estimada amiga.


Marcio JR