sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A IMPORTÂNCIA DO AGORA E DO DEPOIS

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A semente de dente de leão pousou lenta nas mãos da menina. Para ela, aquilo era a liberdade, poder voar como uma semente. Nascer da terra, transformar-se numa singela flor, virar semente e explodir para o mundo. Isso era importante.

Sentada no alto da montanha, ela observava o vale. O que havia naquele lugar que a prendia tanto? Casas simples, pessoas andando lentamente, alguns animais aqui e outros ali, o clima que não era quente e nem frio. Enfim, puro marasmo. Assim, ela levava a vida, contando cada minuto que passava e sonhando com o minuto seguinte. Viver seria somente isso? Ver a vida passar através de um caleidoscópio em preto e branco e sem a mínima perspectiva de colorir?

Ela olhou para trás e viu a estrada. Se seguisse por ela, iria de encontro à cidade grande. Lá sim a coisa era diferente. Agitação, pessoas que não paravam um minuto sequer. Grandes lojas, aparelhos eletrônicos em cada canto mostrando a modernidade, e a modernidade mostrando mais aparelhos eletrônicos que sequer seriam aproveitados, pois o imediatismo não deixava as pessoas se adaptarem a algo. 

Na cidade grande as pessoas eram “elétricas”. Elas se tatuavam, compravam cachorro-quente quando queriam, iam ao cinema, tinham TV à cabo, apareciam em outdoors, sonhavam sonhos diferentes de consumo a cada noite, saíam de madrugada... tinham a madrugada iluminada, com luzes fortes nos postes para andar o quanto quisessem. Melhor. Não precisavam andar, pois tinham motos, carros, patinetes e táxis. Lá, na cidade grande, não existiam vacas ou cabritos pelas ruas. 

Olhou novamente para o vale. De lá, veio o cheiro do doce de leite sendo preparado na única fabriqueta que empregava o povo do vilarejo. Possivelmente deveria ser algo em torno das quatro horas da tarde. Então, sua mãe estaria, neste exato momento, servindo o café da tarde. Pão de forma com geléia, café fresquinho, torresmo, bolo de fubá ou bolinhos de chuva. Chuva. Ela olhou para o alto e viu gotas de chuva encontrando seu rosto. Na cidade também chovia, e lá existiam lanchonetes e guarda-chuvas coloridos.

Na cidade grande existia tanta coisa diferente. Mas tudo tão artificial. 

Uma lufada de vento bateu em seus pensamentos, e quando ela se deu conta, a semente de dente de leão escapou de sua mão. Ela levantou e correu atrás da semente, mas já era tarde. Ela voou alto e foi, justamente, na direção do vale. Não havia liberdade, afinal. Não para a semente, que a única coisa que fazia era voar ao sabor do vento. Ou, quem sabe, a semente tivesse algum acordo com a natureza, e ficasse sempre por ali, num lugar onde ela pudesse se plantar ao chão e brotar livremente. Então, ela era livre? Ficava ali por que queria isso? Na cidade, existe asfalto, e ela não brota no asfalto. 

Outro dia terminou, e a menina não decidiu o grau de importância que aplicaria para seus minutos futuros. O que ela sabia, no entanto, é que naquele momento, sua semente estava plantada naquele vale, e isto era importante para ela. Correu atrás da semente, olhando-a ao longe, e sentiu-se livre, finalmente. Não entendia muito bem essa sensação momentânea, mas sequer deu atenção ao fato. Pensava, apenas, no pão com torresmo que encontraria na mesa do café. Não existia, por certo, pão com torresmo na cidade, isso ela sabia. Não aquele pão que sua mãe fazia.

Amanhã ela voltaria ao alto daquela montanha e pensaria na importância das coisas que poderia fazer nos outros “amanhãs”. Mas amanhã é amanhã, e esses minutos ainda estão no futuro. O importante é o “agora”, o presente, a vida real e imediata. O futuro deve ser programado com cautela e paciência, mas sem negligenciar o presente, pois se fizer tal coisa, possivelmente nem futuro a menina terá.

 

 

Marcio JR




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5 comentários:

  1. Meus olhos pousaram nas mãos da menina retendo na pupila a semente de dente de leão. Meus olhos pousaram na mensagem de Rajani - Beautiful blog; Please read my post. Outra era a semente agora. E assim as sementes se espalham. Ora, mãos as recolhem; ora, as pupilas; ora, a terra. E semeadas se multiplicam nos meandros das nossas vidas como se fôssemos duplicação da menina. É preciso semear todos os dias, todas as horas como se não houvesse amanhã ainda que semeemos para o amanhã , fazemo-lo sempre hoje, como adverte o narrador, pois assim não o negligenciamos. Também gostei dos olhos dessa menina. Quanto ele enxerga do alto da montanha, quanto ela sonha, quanto projeta cantando que "amanhã será outro dia!"
    Um abraço, Márcio!

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  2. Olá, Márcio, pois é, o hoje e o amanhã! Gosto muito desse assunto, lembrei de minha infância, de minha juventude que já vão longe, mas a coisa continua igual. Lembro que naquela época eu não tinha essa ânsia que hoje em dia temos por programar o amanhã, o futuro, o que compraremos, como empregaremos um dinheiro para quando chegarmos a uma idade avançada termos segurança e mil planos mais! Sempre sonhando à frente e deixamos de aproveitar nosso dia a dia; aproveitar a chuva e o sol. Quando vem o calor o papo é o inverno, aquele friozinho… e quando vem o inverno, ah, o sol, a praia, cervejinha... É papo unânime dentro de um elevador. Ninguém discute e todos concordam porque somos todos iguais nesse quesito!
    A menina do excelente conto, via tudo de bom onde ela não estava, até as crianças sonham sonhos futuros, também, na cidade tinha mais do que sua cidadezinha do interior lhe dava!
    Escutei mil vezes o que eu queria ser quando crescesse, e nunca perguntavam do que eu gostava de brincar ou de ler. Tudo sempre lá na frente. E crescemos assim. Você disse algo muito certo, já senti isso: " o imediatismo não deixa as pessoas se adaptarem a algo". Verdade pura, tudo é muito apressado. A pressa para viver o quê?
    Falam sem parar em aplicações para garantirmos uma boa velhice; sonham com a aposentadoria para morarem numa praia, e os planos já começam a tomarem corpo: ‘trabalhar para o futuro!’ Em suma, Márcio, o presente só vale para sonharmos, para construirmos o futuro, não é mesmo? Na verdade vivemos de planos!
    Uma excelente crônica, muito verdadeira, e como é chato vivermos assim!
    Grande abraço e um ótimo fim de semana!!
    Aplausos, sempre!

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  3. Marcio,
    Bom dia.
    Que delícia passear por seu texto.
    Liberdade é plenamente expressa
    por seu escrito, creio assim.
    Liberdade não é somente ir,
    e sim o poder de poder ficar.
    Encantada com essa minha
    1a leitura desse domingo de paz,
    deixo
    Bjins de gratidão.
    CatiahoAlc.

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  4. Olá, caro Márcio, sua crônica mostra com clareza e sabedoria esses
    dois mundos tão diferentes, o mundo da menina, onde se criou, em meio à natureza e as coisas simples, e o mundo que mais tarde ela descobriu, o mundo da correria, da impessoalidade, o mundo das grandes novidades, o mundo do comércio, com sua modernidade, tão diferente do mundo do campo campo, que a menina pode comparar e valorizar o modo de vida que sempre teve, dentre outras coisas, do café farto que a mãe lhe preparava.
    Uma crônica singular para a reflexão do leitor.
    Uma ótima semana, e um grande abraço.

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  5. Oi Márcio, boa tarde de sábado!
    Que alegria poder ler os seus escritos: me senti livre como a menina que soprou o dente de leão, senti o cheiro do gramado, das flores e também das delícias que a mãe dela preparava para o café da tarde...Lembrei-me de quando era pequena, e sempre uma menina solitária, quando ia na casa da minha avó, subia nas árvores e lá de cima ficava olhando as pessoas passarem na estrada de terra logo à frente: motos, carros, pessoas...E tudo era mágico...
    Seu texto tem vários significados, guarda uma importante ensinamento de que cada momento é único e deve ser apreciado como se fosse o último...
    Agora sinto saudades daqueles tempos em que a vida era mágica, atualmente essa magia se esvaiu como as suaves pétalas do dente de leão...
    Grata por me trazer doces lembranças!
    Lindo final de semana!!

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