terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SINOS SISUDOS QUE SE NEGAM AO ALARDE

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Ensaio sobre a palavra criada 
e a palavra roubada.

Primeira parte.







O OBSCENO ATO DE PARIR A PALAVRA


Terça parte do teso terço, estancado no esticado terreno ouriçado do alpendre paludoso. Maldoso. Maledicente é o terço orado, mas não alcançado pelos arcontes de um mundo esquecido.

Então, eu rezo.

Erguido está frente às tetas de um tesmóteta, de uma lei sem cão, de um pão sem o trigo em grão, ração profana dos arquétipos que alimentaram Platão em suas epifanias. Ruminante é todo aquele que julga-se jugo de junco. A canga não aguenta e arrebenta, “insustenta” na testa a marca da culpa:
  • te falta algo; 
  • pois tens quase tudo e queres mais; 
  • pois morrerás seco; 
  • pois do útero oco de um poço que não sangra sangue, jamais verterá palavra; 
  • é lavra para gafanhotos as tuas rotas letras; 
  • cria e não copia, e assim acharás a salvação do inferno da submissão a que afundaste; 
  • ou então afunda a língua na íngua inchada que tua inércia mental expropria dos ascos fedorentos da tua preguiça. 

Então, te desnudo o corpo.

Se da surdez nasceu a palavra escrita, foi de cristal que o poeta pintou cada poro das letras. Palavras surdas para ouvidos cegos. Versos em pregos, apregoados e pregados em diálogos minguados na luz do candeeiro. Um sinaleiro no celeiro do seleiro, um selenita em busca da lua minguante, gestante de versos afobados, consternados pelo branco do pergaminho... são selos nas selas, e são sim do seleiro, e o celeiro é rasteiro, pronto para anarquizar qualquer alfabeto no inverso do verso.

Então, exorcizo teus demônios.

Palavras ensurdecedoras para mentes dementes, incoerentes em sua "analfabetizada deseducação". Humilhação do poeta frente aos desmandos cínicos da "plagiância". Ganâncias de panças rijas, gulosas em créditos sem valor. Usura dos aplausos faustos, porém, insossos e vazios. Prédios brancos, céu castanho, estranho homem de estanho, que nas pálpebras tatuou cada pecado capital.
E o tolo destrincha a catraia, aquela mesma que traz presa numa catraca, o endosso para navegar:
  • vai, sem arrependimento;
  • vai, estica o lamento;
  • vai, teu retorno não será breve;
  • vai, cria e procria no nórdico acento de tuas letras, o gelo salobro daquilo que um dia foi água de letra doce;
  • vai, e cuida dos teus, porque os filhos jogamos ao mar, mas os versos navegam pelo papel; 
  • vai, e jamais renega tuas letras;
  • vai, e destrona os falsos monarcas que te furtam o fruto.

Então, invoco meus desatinos.

Façanha é aquela que abocanha a palavra e faz dela gestação. Fecunda palavra e nasce verso. É no inverso da maré que o poeta verdadeiro sangra sua sanga. E de sangue faz tinta, pinta prosa e risca poesia, arisca enquanto se arrisca pelo pedregoso vieiro de pirita.

Então, te penetro ereto, reto e profundo.


Seriam nossos versos o tão famoso ouro-dos-tolos? Talvez sim, pois verdadeiro é aquele que não espera fama, mas sim respeito por suas pedras. Talvez sim, pois o que reluz deve ser a originalidade da composição, e não o falso valor de cumprir escalas nas composições alheias. Talvez sim, pois escrevemos por escrever, e não para dourar palavras em papéis azedados pelo gris dos olhos pouco atentos. Alento nas letras, que são puro pio de cotovia para os ouvidos.


Então, te conjuro em jorros de tinta transparente.

Sinos sisudos e que se negam ao alarde.

Então, rente, você sente. Grávida das palavras você está. Nascerá verso.



Marcio Rutes

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4 comentários:

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  2. O exercício das aliterações, quando não excessivo, contribue para o enriquecimento de um texto, seja de prosa ou poético, através das sonoridades. das consoantes. Estas, segundo o encadeamento que lhes dê, contribuem, por sua vez, para gerar ritmos e acentuações que galvanizam um texto, engrandecendo-lhe em estética, e criando (ou corroborando) um estilo.

    Neste teu ensaio, meu querido Marcio, é profícuo o uso desta figura de linguagem, tanto em consonâncias como em assonâncias. Mas, também, em rimas; e, com um pouco mais de métrica, tu nos teria dado um ensaio em forma de poema, ou vice-versa. Muito oportuno o tema e muito inteligente a maneira de tê-lo tratado.

    Os dois primeiros parágrafos portam o sinete do libelo, ataviados de um espírito acusador tingido em cores proféticas, senão bíblicas. Não quereria estar na pele de quem plagia neste momento em que os leio. Tuas cores assumem cores nietzschianas, Zaratustra desce-lhes o pau, sem piedade. Mostra-lhes a radiografia da intenção, senão do vício. E quando chego a pensar que um Batista alimentava-se de gafanhotos, no deserto, se esses trouxessem em suas entranhas tantas dessas "letras rotas", difícil imaginar o que teria sido do profeta ou não.

    O terceiro parágrafo é um poema em prosa, quase à maneira de um Baudelaire. "Versos em pregos, apregoados e pregados em diálogos minguados na luz do candeeiro." é de uma riqueza imagística excepcional. E segue, rítmica e onomatopaica, no "sinaleiro do celeiro do seleiro…" mas o recado está dado.

    O parágrafo seguinte, conquanto guarde o mesmo tom terrível de esconjuro, amacia-se nas assonâncias e rimas internas inter frases, relativa-se no lírico do discurso e arremata com um consonante catrai com catraca, desaguando, finalmente, em uma frase que, por si, já vale um verso de chave-de-ouro: "o endosso para navegar". Excelente!

    E finis maledictionem, os desatinos são invocados, senão qual disparates, porém qual devaneios. Um testemundo de fé, eu diria. E, pôsto que sincero e coerente, apóia-se entre o paradigma e o elogio do ofício poético, este árido exercício de escolhas em um "pedrogoso vieiro de piritas". Um parágrafo que se completa no seguinte, inquirindo através da palavra mineral a invalidade do próprio ato da subtração intelectual, aludindo ao caráter quase epicurista da escrita poética, desprovido a priori de pragmatismos.

    (Este teu "puro pio de cotovia para os ouvidos", em sentido semelhante diz-se aqui pelos páramos onde habito, "um espelho de cotovias", ou seja, que age sobre os olhos, embaralha a visão. No fundo, em pio ou espelho, o pássaro dos campos semeia realmente confusões….)

    E aos tropos finais, finalmente, dão a chave para que o leitor recolha ,na adição ordenada dos intertítulos, toda uma metalinguagem paralela ao teor mesmo do texto principal, isto é, um diálogo aberto que poderá evocar em percepções mais dualistas, uma declaração apaixonada através do universo masculino-feminino em todas as forças de sua metáfora.

    O verso final é a conseqüência inevitável do que acabo de dizer. E sem alarde.

    Um texto, querido amigo, onde o poeta supera o cronista que, por sua vez, este atropela o poeta e, neste enlace de pernas-pra-que-te-quero, filósofo e crítico sobrevoam, maneiros, as constelações de versos, de figuras de retórica e metáforas de um ar sobranceiro, enquanto que o uísque estica a noite até as pistonadas agônicas dos Armstrongs nacionais….

    Marcio, meu bom amigo, aplaudo-te de pé e, garanto-te, saborearei um Cabernet à beleza deste texto e à longa vida do autor. Santé!

    E aquele abraço, meu irmão.

    André

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  3. Sangrei a palavra num beco de dedo como quem pari e expele a placenta do verso, um universo do caos. Caótico estilhaço do ser que me finca nas têmporas as tuas grades prisioneiras e de caligrafia vadia, verborragiei.

    Então que me despi sem pressa das vogais comportadas em consoantes desatadas na palma das mãos calejadas de lapidar o verso, desvirtualizei o parto até que me apartasse de ti, as nossas língua endiabradas, compreendidas em qualquer idioma.

    Tola é a página respingada de nada, nas entrelinhas das minhas pernas, o reflexo-ventre desacordado como caneta que repousa na borda lasciva do tinteiro, sem dor alguma.
    Meu demônio é anjo e exorciza-me de todos os santos que não me saibam ler. Que não me gestem na escrita, toda composição umbilical.

    Ereto e certo tom foi dado como quem embrulha um pardo céu de ontens e debruça as costas para lhe devorar a carne. A minha palavra pulsa e geme, aos ouvidos breves das suas.Porque a fome é analfabeta.

    Escorre e corre o texto na ponta da língua esse gozo letrado e metaforicamente enraizado, no ato, qualquer laço inverso de se fazer dizível, visível. Indizivelmente indivisível do resto, o resto sangrado num papel de cartas, qualquer vestígio de verso lido por uma cigana, nas (entre)linhas da minha mão.

    Maravilhosooooooooooooo, Marcitoooo!!!!
    Essa sua construção, meu amor, foi de arrepiarrrrrrrrrr!!!
    Que vou dizer mais? André já disse tudo!
    Aplaudo de pé!
    A melhorrrrrrrr "divagação"que já li.
    Muahhhh
    Sam.

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