sábado, 3 de novembro de 2012

MATILDE

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Ana caminhava lentamente pelo estreito corredor e, ao passar ao lado da sala, ouviu vozes masculinas. Como ela jamais conseguira conter seu ímpeto alcoviteiro (se é que alguma vez tentou!), colou a pequena e sagaz orelha à porta, e aproveitou. Do cômodo, reparou as vozes de Edú, seu irmão mais velho, e Nilo, o marido de sua melhor amiga.

—Ela é um espetáculo, meu amigo. —Nilo comentava, empolgado.

—E como ela é? —o outro questionava, mostrando interesse.

—Quando ela anda, não tem quem não repare. Quadris largos, com um rebolado bem marcado. A traseira é empinada. Puro mignon. Ela é minha e ninguém tira. Fiquei babando pela Matilde

Ana estarreceu. Sua melhor amiga estava sendo traída? Um turbilhão de pensamentos passou por sua cabeça, mas a vontade de colocar aquela bomba no Facebook e levar a fofoca adiante foi maior do que tudo. No entanto, era sua melhor amiga, e por certo deveria ser ela a primeira a saber. Depois, é claro, repartiria a informação com algumas poucas pessoas nas redes sociais. Então, em menos de cinco minutos, Ana estava em sua caminhonete e rumando apressadamente para a fazenda onde a amiga residia.

—Dedéia, minha amiga. É isso mesmo. Eu “vi” tudo, com essas orelhas que terra nenhuma há de comer. Afinal, não paguei uma fortuna em cirurgia plástica pra terra estragar tudo depois.

—Ana, que inferno! Eu não posso acreditar nisso! —Dedéia bufava, atônita. —O que mais ele falou, amiga? Diz, sem dó nem dor no “célebro”.

—Ah! Sei lá! Disse que ela é loira, alta e rica. Que conheceu ela numa boate, e que ela é praticante de dança do ventre. Disse que tá apaixonado. E também que a bunda dela é grande.

—O que? —um berro esganiçado e carregado de raiva brotou da boca de Dedéia. Ela rodou nos calcanhares e começou a jogar tudo o que alcançava ao chão. —Loira? Rica? Faz aqueles “trem” esquisitos com a barriga? E ainda de bunda grande? Ah! Ele me paga. Me paga bem caro. O que eu faço, amiga? Me diz logo! O que eu faço com esse canalha?

—Se eu fosse você, destruía o que ele mais gosta. —Ana comentou em tom sarcástico, e, logo em seguida, sorriu como se estivesse plenamente satisfeita por incitar a amiga a fazer alguma maldade.

Dedéia ouviu aquilo e desapareceu pelas escadas que levavam ao segundo andar da casa. Ana, sem entender, foi atrás. Em instantes, localizou a amiga num dos quartos, mas estaqueou, ficando boquiaberta com o que viu. Dedéia, armada com um taco de golfe, espancava violentamente um pato de borracha.

—Mas, o que você está fazendo?

—Ué! Fazendo o que você mandou. Estou destruindo o que ele mais gosta! Ele adora esse patinho de borracha. Quando vai pra banheira, só toma banho com esse patinho dentro da água.

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—Pelos deuses do “Olímpo Egípcio”! Sua tonta! E desde quando espancar um pato de borracha vai atingir o safado do teu marido? Tem que fazer algo mais impactante. Se bem que esse patinho é bonitinho! —Ana pegou o pato de borracha e perdeu alguns segundos, admirando-o e virando-o, até que reparou algo na parte de baixo do brinquedo. —E por que tem esse buraco desse tamanho na parte de trás do pato? Cabem meus dois polegares juntos aqui nesse buraco!

—Não seja indiscreta, amiga! Mas, você tá certa! Vou dar cabo disso agora mesmo. Ele brincou com fogo, então, vou contra-atacar com fogo também.

Dedéia agarrou o pato de borracha e desapareceu novamente. Ana, desanimada, sentou e esperou, pois sabia que a amiga pouco faria. Então, sem pressa, abriu o guarda-roupas e passou a admirar os vestidos de festa de Dedéia. E assim, o tempo passou. Meia hora depois, Ana sentiu um cheiro forte de fumaça, e correu até a janela. De lá, pode observar uma nuvem preta subindo aos céus. Aos tropeços, correu pelas escadas, e só parou quando chegou ao lado da amiga, que mantinha um olhar extremamente sórdido.

—Sua louca! —Ana gritou, pasmada. —O que você fez?

—Ué! Dei cabo das duas coisas que o pilantra mais gosta. O pato de borracha e a caminhonete dele.

—Essa é a minha caminhonete, sua estúpida!

—É? Vocês têm caminhonetes iguais? Nem me dei conta disso!

Sem que elas percebessem, as labaredas atingiram a casa, e em pouco tempo, tudo veio ao chão. Algumas horas depois, já com os bombeiros controlando tudo, Nilo chegou ao local, completamente desesperado.

—Homem é tudo igual. Vocês insistem na mentira até quando as provas são incontestáveis! Eu escutei você falar até o nome dela, seu safado! —Ana esbravejava, ainda querendo incitar a amiga a ficar com raiva do marido. —E você falou em alto e bom tom! Matilde!

—Espera! Espera um pouco! —Dedéia parou o que fazia e sentou a um canto, nitidamente desconcertada. —Matilde era minha vaquinha que morreu, e você tinha prometido comprar outra. Você não estava falando da... minha vaquinha, estava?

Nilo apenas balançou positivamente a cabeça, o que foi suficiente para que Dedéia quase entrasse em um colapso nervoso. Ana tentou acolhe-lha, mas acabou enxotada pela amiga. Um pouco mais distante, Nilo olhava para os restos de sua casa, e levou um susto enorme ao ouvir seu próprio telefone celular tocando. Saiu para o lado e atendeu, mostrando nervosismo.

—A situação tá feia. Tudo queimado. Minhas duas caminhonetes, caminhão, trator, minha casa, meus pertences. Meu patinho amado. Tudo. E o pior é que ainda vou ter que comprar uma droga de uma vaca pra sustentar a história que, por pura sorte, me livrou de um divórcio. Ainda bem que a porcaria da vaca tinha o mesmo nome que você. E por favor, Matilde. Não me liga mais no meu celular, meu amor. Senão, ainda arranjo encrenca por tua causa.



MarcioJR

6 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkk, Marcito!

    Que rolo. E tadinha da Matilde.
    Estava com saudade das tuas histórias assim, salpicadas e bem temperadas de bom humor e gargalhadas.

    Ganhei o meu dia.

    E cá entre nós, a vaca literalemente, "pagou o pato" rs

    Beijooooooooooooooo Muahhhh,
    Sam.

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  2. Excelente narrativa, conduzida com sagacidade para levar a um final inusitado, marca dos bons escritores que impressionam e surpreendem.
    Agora vamos ao humor, tragédias que se tornam cômicas pelo olhar também sagaz do escritor, tornando o texto uma leitura divertida a despeito da terrível situação. Satírico para dizer das imperfeições humanas, dos sentimentos que os deixam vulneráveis (ciúme, intriga). Portanto, meu querido amigo Márcio, um excelente conto.
    Um beijo
    Celêdian

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  3. Bem exploradas as características humanas narradas...como sempre, o texto prende a atenção, num crescente que deseja ver o desfecho, ainda que lamente quando o ponto final aparece...sempre agradável sentir este vento que acolhe tua prosa!

    Beijos, boa semana!

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  4. Impossível não rir com esta bela tragédia que você tão genialmente urdiu aqui, meu grande amigo. Realmente, esse seu talento de cronista-contista expõe a nu e cru, através de uma sutílima crítica ferina o desastre que é quando se tem um temperamento impulsivo.

    Fico me perguntando se essas histórias saem mesmo de sua grande imaginação, ou se algumas lhe chegam pelo vento de fatos reais. Para ser honesto, ao ver a imagem da vaquinha no início, eu fiz uma leve associação de nomes e pensei que Matilde pudesse ser a mãe do queijo branca e preta que se vê. E realmente, calhou de ser a mesma, a boa de filé, como diz o nosso amigo.

    Mas essa história aí do pato de borracha, essa você vai ficar me devendo, meu irmão. *rs rs E em correio confidencial, lacrado com sete sigilos e sem a menor assinatura !!!

    Saborosos instantes para mim quando venho aqui, Marcio, e me deparo sempre com uma crônica que não só desopila o fígado, como me traz boas lembranças dos hábitos da nossa gente que você sabe como ninguém retratar. Minha admiração de sempre, meu amigo, deixo-lhe aqui um forte abraço com saudades.

    Fique bem, muita saúde e paz!

    André

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