sexta-feira, 12 de outubro de 2012

NASCE DORINHA, A MENINA QUE ADORA SONHAR

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O velho Juba estava ansioso. Andava de lá para cá, deitava, levantava, arranhava a porta, mas nada acontecia. Ele sabia que algo estava acontecendo naquele quarto, mas estava demorando demais para que aquela porta se abrisse. Seus instintos caninos não costumavam errar e, repentinamente, alguns gritos quebraram o silêncio que imperava na casa grande.

A porta do quarto foi aberta e algumas mulheres passaram por ela, desesperadas e correndo. Uma delas, uma senhora de idade já avançada, mostrava o rosto todo molhado por lágrimas e foi para o corredor, enquanto outras duas ganharam a direção da porta de saída da casa e desapareceram sabe-se lá para onde. O velho Juba assustou-se, e por muito pouco não foi pisado por aquelas pessoas apressadas. No entanto, seus instintos fizeram com que ele voltasse a atenção para o interior do quarto. Lá, prostrada na cama, estava outra mulher, completamente encharcada de suor e pranto. Nos braços dela, uma criança recém-nascida.

O cachorro colocou o focinho quarto adentro e caminhou lentamente. Parou somente perto do leito e, sem saber o que acontecia, deitou-se ali, como se iniciasse a guarda daquela mulher que ficara sozinha. Mas não demorou muito e várias pessoas entraram novamente naquele recinto, deixando tudo ainda mais tumultuado.

Ninguém se entendia, e a desordem crescia cada vez mais. Todos olhavam para a criança e balançavam a cabeça negativamente, até que outro homem, um tanto mal educado e que o cachorro não conhecia, entrou no quarto. Ele olhou, olhou, olhou e sentenciou: “nasceu morta”. Nesse instante, o que já era desespero acabou se tornando martírio e agonia para todos.

O velho Juba latiu, como se pressentisse o ocorrido e lamentasse em conjunto com os demais, mas foi contido a chutes por aquele último homem que entrara no quarto. Segundo ele, “ali não era lugar para um pulguento dormir”. O cão baixou a cabeça e saiu, entristecido, mas ficou por perto, vendo cada uma das pessoas deixar aquele ambiente também. Pouco tempo foi necessário para que ficassem apenas a mãe e a criança naquele quarto, o que fez com que o animal se aventurasse novamente e retornasse até ao lado da cama. E lá ele ficou, num misto de tristeza e desesperança, olhando para a mulher.

A mãe mal tinha forças para chorar, e o que fazia agora era apenas gemer. Porém, ela silenciou repentinamente, assim como todo e qualquer outro barulho que se fazia ouvir na casa. Tudo ficou estranhamente silencioso. O cachorro apontou as orelhas e, rapidamente, pulou e se colocou em estado de alerta. Farejou e olhou de soslaio para os cantos, mas não viu nada. Seus dentes apareceram e foram acompanhados de um rosnado, assim como seus pelos se ouriçaram tal qual um porco espinho. Tinha mais alguém ali, e alguém desconhecido.

Um latido miúdo, de cachorro novo, veio da sala, e logo em seguida o filhote do velho Juba entrou no quarto. No entanto, não era ele o motivo dos temores do velho cão, que continuava em estado de alerta. O cachorrinho, que parecia não ligar muito para as preocupações do pai, passou por ele como se nada estivesse acontecendo. Parou apenas ao lado da cama e iniciou uma série de latidos agudos, que mais pareciam uivos. O cachorro mais velho olhou para a cama e se ouriçou ainda mais, sentindo uma presença forte naquele lugar. Mas não enxergava nada. Apenas sentia algo.

O cachorrinho começou a rodar em seu próprio eixo, como se corresse atrás do próprio rabo. Brincava e pulava, latindo descabidamente. Ao contrário do velho cão, o filhote estava feliz. Parecia ver algo que o outro não enxergava. Até que, sem mais nem menos, o filhote parou o que fazia e arregalou os olhos, mirando diretamente a cama onde a mãe recolhia seu bebê nos braços. E os olhos do cachorro espelharam algo surpreendente. Uma luz intensa apareceu e cobriu tudo, sumindo rapidamente para dentro daquela criança e, também, para dentro do próprio filhote. Nesse momento, tudo pareceu congelar, e somente o  velho cão conseguia se mover ou sentir algo, mesmo sem ver o que acontecia. Ele uivou ferozmente e, em seguida, correu até a cama, mas ao chegar ao lado dela, parou o que fazia e olhou ternamente para a criança. Ela estava sorrindo docemente, como se acordasse naquele mesmo instante de um sono profundo e de um sonho bom.

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Ali, naquele instante, nascia Dora, a Dorinha, a menina que mesmo antes de nascer, já passeava pelo mundo dos sonhos. E foi justamente por adorar esse mundo mágico, que ela se atrasou até para nascer. Foi necessário que um anjo a buscasse e a trouxesse para a terra da realidade, ou então, ela já teria ficado por lá mesmo. Como se não bastasse o atraso da menina, o anjo se descuidou e deixou seu pó de estrelas derramar sobre a menina e, também, sobre o cãozinho, mas isto é outra história.

O velho Juba não demorou muito para partir, e seu filhote, que ganhou o nome de Jujuba, cresceu junto com Dorinha. A menina, que nasceu sorrindo, aprontou e brincou muito, e junto com ela, vários outros personagens apareceram, seja neste mundo ou no mundo mágico. Somente ela e seu pequeno companheiro sabem como chegar até este mundo, mas com certeza, histórias sobre ele não irão faltar.




Marcio JR

5 comentários:

  1. Senti-me pisando em estrelas, num mundo distante dos olhos, mas bem perto do peito, do coração, onde os sonhos são flores, são sementes que se esvoaçam ao vento, qualquer sentido de luz, qualquer buscar amanhecido de bem querer e aquecimento de mãos que nunca irão se soltar.

    Uma sutileza pinta essa história de uma leveza e beleza sem igual, meu querido Marcio. Uma luz intensa vem nos mostrar e nos confirmar de que mundos mágicos podemos sempre construir, em qualquer lugar, à qualquer hora... ao lado das pessoas/animais mais queridos, seja pra recordar abraços, seja pra acenar afagos, seja pra fazer traquinagens, seja pra sorrir os dias, nas noites, nas madrugadas.... em qualquer estrada de magia e amor.

    Que belo nascimento e eu, apaixonada que sou por tuas fábulas, mal posso esperar com os olhos brilhando, as próximas delas.

    Beijo nessa tua alma linda, querido meu,
    Sam.

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    1. Sam, mocinha. Você sabe muito bem que a Dorinha tem muito de você. Basicamente, ela nasceu de nossas conversas, de nossas trocas de experiências literárias e dos gostos parecidos que temos em relação ao gênero de contos.

      Sou um apaixonado pelas fábulas e parábolas, assim como pelos contos infanto-juvenis, e fazia muito tempo que queria uma "irmã" menos "perigosa" para a loirinha. Foi então que me apareceu você, com esse teu jeito todo próprio de ser, com essa vontade de brincar na asa do passarinho e escorregar no pescoço da girafa. Só o que fiz foi buscar a Dorinha bem dentro de você. Até acho que eu sou apenas um observador e você sim é a criadora da Dorinha.

      Ela não é minha personagem, é NOSSA. Então, curta muito essa sonhadora, pois ela é a personificação de tudo aquilo que tanto eu quanto você buscamos nesse mundo fantástico dos sonhos que chamamos de "mundo mágico".

      Bjs, minha querida.

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  2. Simplesmente maravilhosa e mágica essa história. Adorei ver Dorinha nascer e te ler. Muito legal sempre! abração,tudo de bom,chica

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  3. Pura magia, deve ser lindo nascer assim!

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  4. Levei um tempo, meu querido Marcio, para compreender que o velho Juba era um cão e não um homem; e que um cão não é um urso. Mas, lhe digo, valeu a pena. Neste seu magnífico conto-crônica as surpresas se multiplicam. Aliás, a ótica da narrativa se alterna, ora ao nível do chão, ora ao nível do olhar humano, a leitura se faz quase que "por dentro". Sem dar importância à trama novelesca, ao enrêdo episódico, seu conto aqui, querido amigo, abre perspectivas novas para esse gênro de narrativa. Como suporte, a linguagem sensível, artística, ponto concêntrico da reflexão profunda, transcendente até, diante do inexplicável, do ilusório.

    Seu talento (e que conheço de outros carnavais) se insere na linha dos grandes intimistas, os que buscam na realidade aparente, trivial, onde se abrigam os repórteres de superfície, para sondar, a fundo, o coração humano, a existência problemática, por vêzes, a angústia ancestral, o amor, os valores éticos. Sim, meu irmão, histórias não irão faltar tanto que sua inspiração continue a nos privilegiar com tais contos e crônicas. E mesmo que por ora afastado das letras, é sempre um momento de inefável prazer espiritual para mim, o vir aqui e navegar nos encantadores meandros de suas histórias e crônicas, um verdadeiro hausto de ar fragrante e oxigenado no meu cotidiano.

    Um forte abraço, meu velho amigo, e um excelente fim de semana, saúde e paz.

    André

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