sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

TRAIÇÃO

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Aquela mesa estava silenciosa. Até os filhos adolescentes, sempre ativos, se mantinham calados. O marido esticou o braço para pegar a travessa de macarrão e, ao se aproximar dela, deu de encontro com a mão da esposa. Os dois se tocaram e se olharam de imediato, deixando um grande constrangimento os tomar. Os dois filhos também levantaram a cabeça e olharam para os pais, esperando que a qualquer momento uma guerra de ofensas aflorasse. Mas não aconteceu, e assim continuou o jantar, silencioso e amargo.

Após o término dos pratos principais, veio a sobremesa. Era uma noite de sexta-feira, a tradicional noite das doces e tenras tortas da esposa. Mas até a torta ficou ali, relegada ao silêncio. O marido mantinha a cabeça baixa, remoendo cada pensamento que lhe vinha a cabeça, enquanto a esposa o fitava de canto de olho, inquieta e irritada. Um dos filhos se levantou e fez menção de se retirar do local, mas foi contido pela mãe, que implorou para que ficasse, pois precisavam resolver aquela situação ali, em família. O outro filho, um pouco mais novo, soluçava solitário, prevendo o futuro que os aguardava.

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Durante vinte anos, foram uma família unida, onde o companheirismo e a dedicação imperou. Mas, e agora, o que fariam? Alguém de fora quebrara a hegemonia daquele lar, destruindo laços que se pensavam indestrutíveis, mas que se partiram ao primeiro sinal de fraqueza do corpo. E aquela aventura sexual valera a pena? Justificava a perda de confiança de alguém que caminhara junto por mais de vinte anos de alegrias e intempéries? E foi então que alguns nós apareceram nas gargantas de todos quando o marido levantou e foi para o quarto. Ao voltar, depositou ao chão duas grandes malas e foi até os filhos, beijando-os ternamente. A esposa o olhou com ar de irritação, e não se surpreendeu ao vê-lo, simplesmente, virar as costas e sair porta afora.

--Filhos, não pensem que seu pai os está abandonando. Ele apenas...

--Mãe, corta o papo! --o filho mais velho falou, em tom áspero --Nós já sabíamos que iria acabar assim. Mas está tudo bem, afinal, o mundo não é perfeito, não é assim? Só queremos um favor seu. Mantém aquele seu namorado bem longe daqui.

16 comentários:

  1. São as consequências dos atos diários e que arrebentam famílias...
    Fique com Deus Jr!

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  2. Marcio,
    Traição é um assunto espinhoso... De qualquer forma, espero que tenha valido à pena para ela. Torço sinceramente para que a sua personagem não se arrependa. Bjito

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  3. Marcio,

    Impressiona a intensidade das emoções
    que consegue colocar em seus textos.
    Me senti naquela mesa , vivendo a cena ...
    Todo o peso da situação.
    Final surpreende e excelente.
    Sempre se parte do princípio que a traição vem do homem , fato não correto.
    Só discordo do :
    "Alguém de fora quebrara a hegemonia daquele lar,"

    Não acredito nisso , não foi alguém de fora , foi alguém de dentro mesmo. Infelizmente ...


    Deixo Bjo e desejo de uma Tarde de Paz.

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  4. Como eu sempre digo, traição não é o fim de um relacionamento, mas pelo jeito, o que impera nessa cena é a deslealdade, e isso é imperdoável.

    Beijo, Márcio.

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  5. Oi Marcio....

    Surpreedente!!!!

    Um texto intenso...repleto de emoções..e a forma que vc o escreveu fez uma enorme diferença....

    Amei!!!!!

    As relações são complicadas e qd existe traiçao...nem gosto de pensar...pq no caso...acho que quem mais perde e sofre são os filhos...

    Bjos!!!!

    Zil

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  6. Ah, que legal ser surpreendida no final, vendo que o marido era a vítima e não o traidor. Gostei muito do texto.

    Não compartilho do pensamento que uma terceira pessoa "destruiu o lar", nem aceito que alguém possa "roubar" uma pessoa de outra, já que seres humanos são livres e não pertencem a outros. Acredito, sim, que se um terceiro encontrou espaço foi porque os vãos foram abertos, intencionalmente ou por descaso, descuido, desinteresse.

    Beijo, beijo.

    ℓυηα

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  7. Oiê!

    Como sempre seu conto teve um final surpreendente!

    A separação aconteceu entre meus pais, no entanto, não havia ninguém na história!
    Quando o amor acaba, viver junto significa se anular, sofrer e fazer sofrer. O melhor a fazer é terminar amigavelmente!!

    Um forte abraço, amigão :)

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  8. Que triste!
    Você escreve lindamente Marcio.
    Eu sei que isso ás vezes ocorre mesmo, mas que bom seria se o amor imperasse de forma que o outro se mantivesse firme e fiel ao ato de amar.
    A união de um casal é a coisa mais linda e pura e os filhos é a bênção dessa união.
    Então por quê?
    Eu não consigo entender essas coisas, mas me esforço um bocado.

    Beijo.
    Fernanda.

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  9. O final seria cômico se não fosse trágico! Vou postar no Linkando Poesias (um projeto que visa dilvugar os escritores e poetas da blogosfera) idealizado por mim a pouco menpos de um mês, ainda estou trabalhando na divulgação. Um blog que será de todos nós e reunira textos e poemas de diversos autores (uma especie de miscelanea cultural) Um abraço

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  10. Traição é algo que marca muito os sentimentos de quem os vivencia... parece que nos dias atuais isso faz parte rotineira de alguns casais, desestruturando famílias e filhos... mas quando isso ocorre, existe sim um culpado e está dentro do próprio lar, algo foi esquecido, negligenciado, não foi dado o devido valor e não foi valorizado os sentimentos de cada um.. é preciso regar todos os dias esse sentimento, para que um dia não caimos na armadilha de sentir o frio e gelado gosto da traição.Amei seu texto, onde você colocou palavras certas com grande verdades e supreendente desfecho cheio de emoções. Um lindo fim de semana pra ti. Giovanna

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  11. Difícil uma separação que não seja traumática. Isso depende de como nos comportamos toda a vida, da consciência que temos de nossos atos e sentimentos. Entretanto, não acredito que "alguém de fora" balance um casamento bem sucedido. Acho que se houve a possibilidade de entrar alguém nessa relação é porque algo já não ia bem e/ou alguém não era o que parecia, não sentia o que demonstrava. Sempre há sinais, as pessoas é que não querem ver.
    O texto é maravilhoso, muito bem escrito. consegui "estar" naquele jantar e sentir as emoções de cada um deles. Muito bom, Márcio.
    Beijokas e um lindo fds.

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  12. Marcio,
    Vim te agradecer o carinho.
    As tuas palavras sempre me abraçam com gosto.
    É bom vir e te ler.
    É bom te encontrar por lá.
    Simplesmente pela sintonia que se encaixa tão bem conosco.
    Hoje vivo a alegria de ter vocês, alegria que ganha asas e pousa em cada cantinho que me acolhe com tanta ternura.

    Obrigada meu amigo!
    Beijo.
    Fernanda.

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  13. É meu amigo, é tudo isso e mais um pouco!!!

    Mas mudando de assunto...

    Valeu a visita e comentário! Se canta daí que eu canto daqui. Eu sou meio desafinada, mas não tô nem aí, minha irmã dá risada, diz que eu troco a letra de tudo... risos.

    Beijos querido amigo e bom domingo!!!

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  14. O que a Luna colocou foi o que eu penso. Numa situação dessa procurar um culpado é espúrio. Quando rola isso numa família ée porque ambos foram desleixados e pronto!

    Abraços.

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  15. Me surpreendeu...

    Traição: qtas famílias destruídas???

    Obrigado Marcio pela sua companhia.

    Um bom domingo pra vc.

    beijooo.

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  16. Não existe separação que não seja dolorosa, que não sangre, que não doa no mais fundo da alma e do corpo. E quando existem filhos é ainda muito mais dolorosa,mais complexa. O que dizer desse quadro que tão magnificamente desenhaste aqui, meu caro Marcio? a vida continua, certo, sempre continuou e as feridas se cicatrizam quando queremos que cicatrizem. Mas uma sempre ficará. E será muda. Pungente este teu texto, Marcio, mas belo, muito belo em expressão. Meus aplausos! um forte abraço. André

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