quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MUNDANA

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Desceu as escadas apertadas e escuras, e só se sentiu melhor ao sair daquele lugar fétido. Sentia-se imunda, machucada, e trazia atrás dela o último cliente do dia. Era um homem comum em sua aparência, mas violento em atos, e deixou isso em marcas bem claras no rosto dela.

Aquele homem se foi e logo outro apareceu, o cafetão. Tomou-lhe o dinheiro que carregava e devolveu um pouco, verificando seu rosto em seguida. A xingou, humilhou mais um pouco, além daquilo que os clientes do dia já haviam feito, e se foi. Ela, de cabeça baixa, apertou a blusa surrada contra o corpo e saiu pela garoa, como se aqueles pingos ralos pudessem ser um consolo em seu rosto.

Por onde passava, via e ouvia as pessoas maldizendo-a. “Mundana, vagabunda, prostituta, meretriz”. Era assim que a chamavam, pois se deitava com vários homens por dinheiro.

Quando chegou em sua casa, correu para o quarto para ver seu filho menor, e o acalentou. Tirou da bolsa o remédio que comprara e um pequeno agrado, um bichinho de pelúcia. Para a outra filha que estava na porta, um pouquinho maior, passou alguns chocolates e doces, de forma escondida, mas não que o outro filho que estava na cama não pudesse ver, e sim para o marido nada perceber.

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E lá estava ele, esperando por ela na cozinha e dando bronca pelo jantar atrasado. Tomou-lhe a bolsa e se apropriou do restante do dinheiro. Quando viu seu rosto machucado, deu-lhe um tapa, exatamente sobre a face ferida, e argumentou que assim, toda marcada, não poderia trabalhar no dia seguinte. A jogou contra a parede e saiu, provavelmente para um boteco qualquer, onde aproveitaria aquele dinheiro com outras mulheres iguais a ela. E torceu para que ele não fosse violento com elas.

Ela ficou ali, caída e tentando lembrar o começo de tudo. Foi até onde pôde, e viu seu pai a forçando a se prostituir, em troca de dinheiro e favores, quando tinha apenas doze anos de idade. E depois, já maiorzinha, foi vendida ao marido, que continuou o trabalho sórdido do pai.

Estava acostumada a ser chamada de vagabunda e mundana. A vida para ela sempre fora dessa forma. Todos a julgavam, mas nunca paravam para ouvir o que ela tinha a dizer.

18 comentários:

  1. Lindo e triste...Acontece!abraços,chica

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  2. Bom dia, Márcio!
    esta história, que retratas, como sempre, de forma excelente, em nossa chamada sociedade civilizada e moderna é uma história que se prolonga através dos séculos e séculos amém. A quem realmente a culpa? triste a história e a sina daquelas, vergonhosa e criminosa a atitude daqueles, pais ou não, que a criaram. Um história quase banal e nem por isso de um trágico terrível. Como erradicar coisas assim? belo e muito oportuno texto, caro Márcio, meus parabéns. Um forte abraço. André

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  3. Devastador, entretanto de realidade crua.
    Sem maquiagem, é dessa forma que deve ser mostrado.
    Eu também publiquei três escritos sobre o tema em forma de poemas.

    Lhe convido a ler:

    http://afogandooganso.blogspot.com/2010/10/praticidade.html#comments

    http://afogandooganso.blogspot.com/2010/10/espera.html#comments

    http://afogandooganso.blogspot.com/2010/10/sabor-de-dor.html#comments

    Abraços.

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  4. Com sua permissão!
    Gostei muito do comentário que fez à postagem de Erico,"Conjecturas Poéticas",realmente
    a situação dos professores hoje é complicada,e creio que só através da educação,é que consegue-se mudanças.
    Mas como educar???
    Parabéns pelo blog!Lindo.
    Abraços e até mais.

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  5. Olá Marcio, bem vindo ao meu espaço.
    Lindo teu texto, triste mais muito real, infelizmente.
    Abraço.

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  6. Neste caso...sob um outro ponto de vista...
    Vagabundo é o marido que fica em casa esperando pelo dinheiro que ela trará mais tarde.
    Fétido é o cafetão que dela também se aproveita.
    E prostituta é a nossa sociedade que vende sua suposta moral e se deixa corromper por dinheiro.

    Grande texto, Marcio!
    Beijin

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  7. Oiê!!

    ...é prostituto o homem que se propõe a comprar o corpo de uma mulher por não ter competência para se fazer ser amado!!!

    Marcio, desculpe o desabafo!

    Apesar que existem várias formas de prostituição, não é mesmo?

    Um grande abraço :)

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  8. Isso não pode ser destino, é cuel demais, tem que haver uma saída!

    =\

    Beijo, beijo.

    ℓυηα

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  9. Se temos condições de usar o corpo para ganhar dinheiro,porque não mandar as favas esse marido cafetão? Sempre existirá isso enquando as mulheres não valorizarem seu suado dinheirinho.
    Desculpe pela invasão é que adorei sua postagem.
    Fique com Deus Jr!

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  10. E como elas muitas por ai, são condenadas sem ao menos ter o direito a defesa.
    Mas é impressionante como essas mulheres ainda se sentem culpadas pela vida terrivel que te,
    Se acham imerecedoras de algo melhor.
    E suportam tudo caladas...
    Como se para elas aquela vida fosse um premio.
    Mas sabemos que as vezes a vida lhes obriga a trilhar por estes caminhos de dor.

    Bjos achocolatados

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  11. Que triste!
    Eu não entendo essa maneira de se julgar alguém.
    Não podemos ser juízes, não temos essa capacidade visto que não somos perfeitos.
    Mas existem os julgamentos e as suas futilidades junto.
    Chorei ao ler esse texto, porque a crueldade sempre me deixou sensível.
    Houve um tempo em que eu não percebia certas diferenças nas pessoas.
    Mas não sou Deus e deixo para ele esses quesitos julgamentos.
    São fatos da vida meu querido infelizmente, estas coisas acontecem muito.
    Mas pouco se fala.
    Marcio, você escreve lindamente.
    Um beijo.

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  12. Oi Márcio,

    Profundo teu conto amigo... E reflete uma realidade que não queremos enxergar. Penso que muitas mulheres estão nesta situação - negligenciadas, vendidas e corrompidas.
    Meu amigo gostei daqui! Já te sigo
    Abraço

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  13. Chorei uma vida. Que triste, mas lindo.
    Já fui desses que dizem pelas costas e teorizam sem saber, mas depois de algumas coisas a gente percebe que toda história é uma história. Tudo nasce de algo, que nem sempre é o esperado.

    Beijo, Márcio.

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  14. Prá essa moça, a vida é uma porcaria de fardo, se fosse comigo eu fugiria com meus filhos...


    Beijos de passarinho!!!

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  15. Oiiiiiiii Márcio!
    Belo e comovente texto. A história é comum, infelizmente. E existe desde que o mundo é mundo. Mas fico pensando na vida dela: voltar atrás e começar de outro jeito, agora é impossível, então como sair dessa? Será mesmo que ela não tem saída? Bom, aí depende. De muitos fatores. Mas, de que lado mesmo ela está? Parece-me que ela não está jogando no seu próprio time. Mas isso é papo pra outra ocasião. Ótima postagem, parabéns pelo texto, você escreve muiiito bem. Adoro ler seus posts.
    Bjssssss

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  16. É assustador que estas coisas ainda aconteçam nos dias de hoje.
    Bjs.

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  17. Oi Márcio...

    Texto muito interessante....pq é exatamente assim que as mulheres são tratadas e depois acabam ainda sendo mortas de alguma forma...

    E nunca ninguém para pra lhes ouvir....

    Triste....

    Bjos!!!!

    Zil

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  18. Há muitas perguntas sem respostas, há muita crueldade nessa vida que não dá para entender,

    um texto desconcertante, a realidade nos deixa sem palavras...

    Bj

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