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O tempo e as coisas empoeiradas têm uma estreita simbiose. Talvez seja uma relação de cumplicidade entre aquilo que prezamos e, claro, o que nos pesa.
Algumas pessoas, no
entanto, são enfadonhas. Leem algo e, por mera preguiça, sequer se dão ao
trabalho de interpretar. O que me pesa não é aquilo que carrego por obrigação,
e nem tanto é um peso morto e que me estressa ou castiga. Essas coisas já aprendi a largar
pelo caminho. O que me pesa são, justamente, as coisas que eu prezo e que gosto
de carregar comigo, porque são partes do meu quebra-cabeça e, invariavelmente, indispensáveis ao meu jeito de ser. Se esqueço de uma
pecinha pelo caminho, fico incompleto.
Não sou “amarrado” no
passado. Longe disso. Mas sou um alguém que quando gosta de algo, realmente
gosta. A nostalgia, no entanto, não move meus dias. Ela é perene pelo fato de
me fazer recordar momentos bons nas horas em que me sinto descompensado, e isso
é algo que aprendemos e apreendemos como um jeito de blindar uma esperança já massacrada
diante de todas as coisas ruins que tentam empurrar pela nossa garganta abaixo.
Gosto de um jeans
rasgado. Mas, veja só. Eu já usava isso lá na década de 1980, quando a moda
ainda nem existia. Minha jaqueta de couro tem, pelo menos, 20 anos de
existência (sobrevivente), e muitas músicas que eu canto pelos cantos têm, pelo
menos, 30 anos de gravação.
Mustangs anos 70, caminhonetes
fabricadas nos idos de 1960 e motocicletas antigas. Sou fascinado por modelos
clássicos quando o assunto é motor. E nada melhor do que pilotar um veículo
assim nas ruelas de uma cidade antiga.
Gosto do silêncio
vertiginoso das ruínas de cidades abandonadas. Para muitos, pode ser uma
cidade-fantasma, mas para mim, é uma chance ímpar de pensar na vida e refletir
nos erros que levaram a tal situação. Por que a cidade foi abandonada? Por que
alguns vieram e muitos se foram? Um erro é algo passível de conserto, mas o
abandono total...? Talvez seja até perversidade. E quantas vezes abandonamos
algo ou alguém, não é? Só que sempre damos aquela famigerada desculpa de que todos devem aprender a voar pelas próprias asas. As vezes é até verdade, mas em alguns momentos, é por egoísmo mesmo.
A durabilidade dos
móveis velhos e a beleza que eles carregam. A batalha contra os cupins e a resistência
contra a futilidade dos mais novos. Madeira. E como ela parece atrair a poeira, não é? A compensação para ela, no entanto, vem da paixão verdadeira
daqueles que deixam espelhar o brilho do olhar no lustro da madeira envernizada
e tratada para durar, pelo menos, mais algumas décadas. Queria eu ter essa resistência e essa gana de me manter intacto diante do tempo. Difícil é vencer os malditos cupins da vida.
As pedras. Essas
mereceriam um capítulo especial. Citei, certa vez, que a diferença entre um ser
humano e uma pedra está, unicamente, na densidade. Poderíamos ser pedra se não
fossemos tão densos. Imponência, beleza e rusticidade fazem das pedras um cilo de ensinamentos para qualquer um. E o que mais me encanta...
elas sabem guardar o silêncio. Diamantes? Que nada. Pedra bonita é pedra que se
tropeça nela.
Até agora, falei de objetos. Mas tem muito mais coisa que o pó guarda e faz se esconder de olhares desatentos. Quer coisa mais
bela do que um amor "empoeirado"? E se você leu e não tentou interpretar o que eu
disse, lá vai uma explicação.
Alguns amores permanecem lá
no peito, guardados e esperando para extravasar no momento certo. Sabe o vinho?
Ele fica lá na garrafa, ganhando consistência, cor e sabor. Muitos namoram a
garrafa, tocam nela, mas não sabem beber, ou sequer tentam tirar a rolha. Até que chega alguém e, com paciência
e sabedoria, abre a garrafa e saboreia como se deve, com paixão. Muitos amores
são assim. Morrem com o corpo sem nunca terem sentido a verdadeira
reciprocidade. O resultado disso é que eles se vão sem ter tido a chance de explodir
verdadeiramente.
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Um amor desses, quando
achado e despertado (e correspondido, claro) é como um desses vinhos raros.
Você só provará uma vez, mas viverá dele até o fim, sem jamais esquecê-lo. Ele
te aquece, te enternece, te torna eterno e, sempre, te atiça. Você se sente
envolvido e plantado na densidade de seu sabor único. Mas, diferente do vinho,
depois de aberto, ele não acaba, a não ser que você, num acidente ou numa besteira
qualquer, derrame fora. Daí, meu amigo, não tem vinho nem amor que dure para
sempre, não é?
Já me disseram que
muitas coisas belas só são descobertas por olhos apaixonados. Depois disso,
muitos olhares são atraídos, mas o brilho verdadeiro é dado pelo toque paciente
e dedicado de quem sabe apreciar as nuances da natureza daquilo que se gosta e se
quer para a jornada. Paciência é virtude nessa hora.
Por isso, lá no
começo, eu falei que aquilo que me pesa não tem relação nenhuma com aquilo que
me faz mal. Carrego porque quero e porque gosto. E gosto, sim, de coisas
antigas e empoeiradas, e que muita gente sequer deu atenção antes de mim.
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
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