da série Empírica Mente
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Há um caos no tempo,
como se fosse um rasgo no futuro, ou o passatempo amalucado de um deus
brincalhão e tão ou mais demente do que crente em suas criaturas. Mal sabe ele que suas brincadeiras, que a ele parecem tão inocentes,
são meramente incipientes. Não. Talvez incipiente não seja a palavra adequada
para esse ato vil de largar a esmo uma criatura tão frágil quanto o tal humano
por aí, nesse inferno pré-lúdico que estampa cada face que brota da escuridão.
Esse deus apenas pensa que brinca, mas ele próprio já é fruto da anarquia
bizarra de outro deus maior. Penso que nisso tudo, um deus faça parte apenas da
constelação de vários céus, divididos uns dos outros por meros véus alaranjados
e transparentes.
Tem um deus para cada
gosto, ou até mesmo um para mero tira-gosto. Crenças absurdas nascem do nada e
morrem assim, a desdém daqueles que saem por aí, reconfigurando a crendice com
palavras puramente espúrias, pífias e rangidas em dentes que mal servem para
mastigar algo putrefato. Existem deuses belos, que regam seus séquitos com
chuva de água de flores, enquanto exigem sacrifícios de virgens para que a
beleza vingue em determinado lugar. Que chuva é essa? Flores que vertem seiva
sanguinea? Enquanto isso, numa outra esquina celestial qualquer, outro deus
apela pela dissociação da ignorância, distribuindo sabedoria embarcada em
sub-deuses em forma de vento. O problema é que o vento nem sempre é manso, e ao
invés de construir, torna tudo pura ruína. E a sabedoria se perde pela mão
pesada daquele que impera tal qual um rinoceronte ignorante num trono de folhas
secas.
Tem deus da colheita,
da floresta, da chuva, do manifesto inconformista, da marmita azeda, das
virgens orelhudas, e o que eu mais gosto, do cogumelo da esquina. Ah! Esses
últimos não existem? Por que não? Se existem tantos deuses por aí, alguns
inventados enquanto se apruma o cotovelo no balcão de um bordel qualquer, por
que não posso inventar os meus?
E no fim das contas, é
bem assim. Vai se moldando um deus a seu bel prazer, que atenda suas
reverências enquanto mal se consegue fazer uma única referência verdadeira à
existência de um céu que não seja esse infinito escuro que temos diante da
crista do olhar humano.
E assim, caro
companheiro, fomos criados e largados a mercê de um cosmos devorador de
consciências. Dizem que tem um deus por aí, que cria, que conspira entre
estrelas e planetas, mas que depois larga seus bibelôs a própria sorte. Esse é
o deus do momento, poderoso o suficiente para ser um ente gigantesco mas, em sua
infinita magnitude, se esconder dentro do olhar de um ser minúsculo e sem
cílios. Então, repito aqui uma frase que me deixou muito animado, extraída de
uma série de tv um tanto antiga, do fim do século passado: “A verdade está lá fora,
juntamente com um punhado de mentiras.”¹.
A verdade é essa (ao
menos assim eu penso): existe um deus, e ele é gigantesco. A mentira, no
entanto, vem ancorada, dizendo que ele se esconde. Não, ele não se esconde. Ele
está aí, e é realmente gigantesco. Não podemos vê-lo porque, pasme, estamos
dentro dele. Nosso mundo, nosso universo sem fim, é puramente a consciência
desse deus, e não se iluda, achando que não existem outros deuses. Existem sim.
Uma constelação deles. Todos morando lá fora, numa coletividade divina
inexplicável e insuportavelmente inimaginável. E cada um desses seres
fantásticos tem seus “mundos” internos, seus universos imaginativos, suas
consciências vivas ou, ao menos, em formação.
Não diria que fazemos
parte de “matrix”. Vou além, e afirmo que nós somos matrix, pois penso que podemos ser o fruto da imaginação de
um ser apaixonado pelo ato da criação. Ele não nos abandonou a esmo. Jamais
faria isso com algo que ele idealiza faz tanto tempo. Ele apenas está em seu
sono reparador, mas logo acordará.
Enquanto isso, alguém
escreveu que “...homens e suas sombras me contam que lágrimas são migalhas de
pão de quem não voltou pra casa, e qualquer asa é uma afronta aos que se mantém
presos nesse concreto em ebulição. Não são mendigos de sonhos, mas de
realidade.”².
Saiba, meu amigo, que
a maior carência humana é justamente essa, a da realidade. É muito triste
querer ter crença e não poder tocar naquilo que seria o combustível de sua fé.
Palavras não passam de um amontoado de letras, e tanto escrevem verdades quanto
mentiras, podem fantasiar, maquiar aquilo que é real, esconder o que é
gigantesco ou tornar soturno o raiar de um dia ensolarado. Palavras cortam mais
do que chicote. Talvez, justamente por tudo isso, é que esse deus que me move
não fale. Ele prefere imaginar, racionalizando suas ações diretamente para o
fruto bendito de suas querências. Não há livre arbítrio. O que existe é a
liberdade de sonhar. Mas ninguém consegue controlar o que se sonha, não é?
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A realidade mais palpável
vem daí, de um sonhador alucinado que adormeceu sob uma macieira anciã, aquela
mesma que não frutificava mais. Eva não comeu a maçã, e o coitado do Adão é
meramente a ilustração machista das mãos daqueles que mal e porcamente sabiam o
que era o mundo, mas que conheciam muito bem o poder escravizador que a palavra
possui. Não foi um deus quem criou paraísos perdidos para bajular o ser humano.
Pelo contrário. Foi um deus quem deu a chave para que essa clausura fosse
aberta. E quando as portas desse paraíso foram derrubadas, a magia se fez clara
e definitiva. Ele, esse deus, tentou dar ao ser humano um pouco de, veja só,
REALIDADE. E o que nós fizemos?
Eu digo o que fizemos.
Pegamos essa realidade e a transformamos em algo mentiroso, pois não sabemos
viver de nada concreto. Inventamos, pois, o sofisma.
Séculos se passaram, e
o que mais fazemos é justamente isso. Inventamos verdades para esconder as
mentiras. E tudo está lá fora, nesse grande omelete sem ovos que é o universo
dos pensamentos de um deus que jamais abandonou seus sonhos.
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.
referências:
¹ - da série Arquivo X
² - da crônica DE AZUL ENTARDECIDO, de Samara Bassi
Pra começarrrr, que imagemmm showww essa da árvore!! PQP! hehe
ResponderExcluirDepois, que texto fantástico, bem elaborado, abordado e alucinógeno, ops, digo, elucidante! hehe
Sim, porque nos tira um certo véu, nos faz refletir e pensar com nossas próprias indagações.
Uma crítica às 'regras de dentro da caixinha', as ladainhas passadas de geração a geração, por séculos, milênios. Ufa!
Que bom existir pensadores e escritores assim, Marcio, como você. (meu par imperfeito de papo-bate hehe)
Bem, tudo é um caos e como já discutimos, é um caos organizado, porque o universo é mesmo essa sintonia milimetricamente pensada, até para nos enganar.
O caos está nas histórias ditas, escritas, traduzidas, sagradas de uma era que até hoje perdura, de crenças guardadas e postas em um altar de ignorâncias, não pelo desconhecimento, mas pela tolice humana em não questionar o que a própria humanidade diz. Não condiz om as mentes abertas da nova era, esse papo empoeirado de adão e eva, enquanto protestam por direitos iguais nas ruas inundas e caóticas da cidade.
O mundo é um chá de cogumelo às avessas. Tende a cegar-se de dentro pra fora.
Não que cada um não deva ter a sua crença, a sua fé. Mas que não se deixe manipular por regras e dogmas que o façam se sentir inferior. E pior: pecador!
Porque, deus não está no tribunal, tampouco ele é o juíz.
Deus pode ser qualquer coisa, até um filho da puta a brincar de fantoches e se divertir em montar cenários, histórias desastrosas para suas personagens.
Se o seu deus é a tira gosto, à contra gosto, gosto do meu mais no mês de agosto, não por ele 'ter me feito' rsrs... mas prefiro-o por causa dos ventos. Um aperitivo que cai melhor com um fumacê à gosto. Ahhh, como eu gosto! heheh
Sim, cada um é livre para o seu pensamento, mas cada um é fadado a colheita de suas consequências. De suas atitudes, até as mais ingênuas.
São escolhas que atravessam lugares e povos, uma comunidade que se atropela, tantas vezes para seguir o que tampouco ou nada entende. Não compreende o que profetiza.
Não enfatiza o que crê, porque não se permitiu conhecer, desvendar, transgredir, renovar.
Sinto-me lisonjeada ao ver um trecho do meu texto aqui, tão humildes palavras do meu coração, diante e integradas a esse texto fabuloso com que você nos presenteia. Sim, porque a reflexão, a construção do desentendimento para enfim, construir um entendimento vasto de outras ideias, é para poucos, meu amor. E você faz isso tão, tão, tão bem.
Parei quando você diz: "É muito triste querer ter crença e não poder tocar naquilo que seria o combustível de sua fé."
Realmente, o querer e a realização parecem os extremos de uma ponte e para muitos, há um abismo entre eles.
O sonhar não limita, a realidade sim. Isso é triste e desgastas sim, aqueles que guardam mundos dentro das pálpebras. Os olhos não seguem o mesmo caminho e as mãos, tão calejadas de vento, abertas, expostas ao pedir, ferem, muito mais que chicotadas.
Que não sejamos tolos, muito mais do que somos. Que saibamos aproveitar as divergências, as experiências...
A sabedoria anciã e mudar os rumos. Antes dos pensamentos, que dos passos.
Showwwww, amorrrrrrr.
te amooo
Samara Bassi.