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Nunca foi muito fácil
falar de mim mesmo. Bom, a bem da verdade, e por mais que alguns deem risada do
que direi, no meu caso o ato de falar é que nunca foi fácil. Chame de timidez,
introspecção, vergonha, formação intelectual precária, ou seja lá o que for, mas o
fato é esse. Tive dificuldades com o tal “falar” durante quase uma vida toda.
Bom, quem sabe por isso eu escrevi tanto nessa minha trilha de migalhas que venho seguindo?
Bom, quem sabe por isso eu escrevi tanto nessa minha trilha de migalhas que venho seguindo?
As primeiras experiências do tal "falar" sempre são mais fáceis, apesar de árduas. Calma, eu explico. Quando sequer
sabemos o be-a-bá, lá estão pai, mãe, tios e um monte de gente mais velha
fazendo aquele famoso (e completamente desnecessário, senão prejudicial)
introdutório do ato de falar no estilo
eu-falo-erradamente-e-você-repete. Mais ou menos assim, ó: gugú-dadá, bebê qué papá? fala mã-mãe meu bebê cuti-cuti, fala pá-pai bobão, bebê feiz totô?, etc, etc... Obviamente, não
me lembro bem dessa fase, mas penso que me arrepiava só de ver um adulto
falando assim perto de mim, e, claro, com aquele biquinho que todo mundo faz.
Mas, enfim, esse é o começo, e só o que temos que fazer é tentar repetir. Mais
depois, a coisa aperta, e os adultos que ensinavam tudo errado passam a nos
corrigir sempre que engatamos em alguma palavra. Que vida, não? Primeiro, nos
ensinam do jeito mais equivocado, e depois, se nos equivocamos, nos censuram e
corrigem.
Próxima etapa: escola.
Aqui, outro perrengue para mim. No meu tempo de primário, quatro décadas atrás,
a coisa era diferente. As professoras não eram nada compreensíveis, e se não
aprendíamos por bem, ia por mal mesmo. É nessa época que se começa a entrar na
língua formal, é claro que muito superficialmente, mas o nível começa a mudar. Detalhe.
Pouco se explicava e muito se impunha. No entanto, eu ganhei um presente imenso
nessa mesma época. Algo que somente lá na adolescência é que dei o devido
valor. Trilhei meus primeiros passos numa coisa chamada escrever.
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O tempo passou, e
sobrevivi aos primeiros anos de escola. Lembro que a cada vez que algum
professor me chamava para ler ou falar, era um calvário. Pedagogos ou
psicólogos, hoje, dariam solução facilmente, mas naquela época sequer se sonhava
com isso. Crescíamos assim mesmo, com essa sensação de terror de se apresentar
em público, de medo de ler em voz alta, ou de pavor em ter alguém julgando.
Quando cheguei nos meus
quinze ou dezesseis anos, notei que gostava muito mais de escrever do que do
próprio ato de ler. Tá, hoje eu sei. Um completa o outro. Mas eu sequer pensava nisso nessa época. E
foi quando um mero professor de português me ajudou a amar desmedidamente o ato
de escrever. Ele pegou uma de minhas redações e disse que aquilo estava um
lixo, e que eu jamais conseguiria escrever uma migalha sequer que se
aproximasse de algo que ele chamou de “composição aceitável”. Fiquei puto da
cara com ele, mas hoje eu agradeço. E esses parágrafos, até agora, são
dedicados unicamente a esse professor de português.
Pós-adolescência,
juventude, fase madura. Em cada uma dessas fases aprendi alguma coisa, e trouxe
comigo. Resultado? Hoje eu falo pelos cotovelos, me informo, falo mais ainda,
me informo mais, e falo de novo. Procuro bases para argumento, aceito críticas,
critico, busco pessoas que se interessam por assuntos que vão além das novelas
ou filmes para dialogar... e assim vou. Eu sei que tudo isso é quase uma
catarse, e também um escudo, mas sou assim.
Isso tudo que relatei acima fui
achando pelo caminho, seguindo as migalhas que estavam na trilha. Na minha
trilha. O engraçado é que tudo parecia acontecer mecanicamente. Até que um dia
precisei me questionar, me perguntar onde eu estava errando e por que existia uma sensação de vazio nas minhas composições. O ofício de
escrever me completava, mas naquilo tudo tinha alguma coisa que não caminhava bem. Eu não conseguia atingir as
pessoas como queria, faltava algo. Foi quando me disseram que eu não deveria
obrigar os outros a falar minha língua. Era eu quem deveria falar a língua de
meu público. Um sábio conselho que trago até hoje. Não entendeu? É mais ou menos como “se está em Roma, aja como os romanos”. Resumo
da ópera: lá fui eu me adaptar. Mas foi bom. Conheci pessoas de outras áreas,
com outros assuntos e outras idéias. Não sei se consegui a adaptação que
queria ou como ela deveria ser, mas entrei num mundo completamente diferente.
Quando comecei essa
adaptação, achei que era um tanto tarde, pois eu já estava pra lá dos quarenta
anos de idade, mas logo depois, um fato me deu a certeza de que não poderia ter
sido diferente. Mas isso explico mais para frente.
O que sei é que minha
vida mudou completamente quando pisei na sala de um curso de publicidade. Foi
como dar asas a uma imaginação que já voava mesmo sem ter céu para isso. Mudei
um tempo de cidade, perdi completamente o medo de expor minhas composições e
conheci pessoas de todos os jeitos. Algumas muito especiais. Uma delas, inclusive,
resolveu aparecer em minha vida para, pouco tempo depois, deixar um imenso
buraco. Um buraco grande a Bessa. Mas, tudo bem, é a vida.
Vai daqui, vai de lá,
e as migalhas sumiram do caminho. Aquelas mesmas que eu estava tão acostumado a seguir. Me senti um pouco perdido, sem ter como me guiar, até que enfiei a mão no bolso e encontrei algo
inesperado. Um pão que era interminável (isso é metáfora, tá bom?). Levei um
tempinho para entender isso, e como aquele pão teimava em não acabar, eu ia
rasgando e jogando os pedaços pelo caminho, para ver se ele diminuía ou desaparecia, mas ele continuava lá, no meu
bolso, se refazendo a todo instante.
Entrei em tantos
assuntos esquinais depois disso. Passei por tantas “vibes”. Criei coragem para dizer as
verdades que doíam aos outros mas que, ao mesmo tempo, me engasgavam.
Acreditei em tantas
coisas antes impossíveis, que minha trouxa de viagem pesou nas costas. E
desacreditei em tantas outras para, somente então, perceber que muita coisa
nessa vida se finge de fácil somente para esconder que é, realmente, ...fácil.
Amar é fácil.
Acreditar em céu e inferno também. Mas admitir que se gosta de arroz e feijão
queimados, pipoca estourada com pimenta malagueta ou algodão-doce roxo, isso é
difícil. Sim, pois acreditar no amor é uma convenção. Já céu e inferno é
imposição, e acredita-se, muitas vezes, para satisfazer aos outros, mas as
pessoas tendem a acreditar. Já nessas outras coisas (o feijão e arroz queimados, a pipoca com pimenta e o algodão-doce roxo), é questão de gosto, e se
alguém não gosta, lá vem aquele “ecaaaaa, você gosta disso?”. Pois é. Para
alguns, só podemos gostar do que eles gostam. E durante muito tempo, a coisa
funcionava assim para mim. Dizer que gostava, ou não, de algo unicamente para
satisfazer quem estava perto. Demorei para mudar isso. Mas mudei.
O pão? Continuava no
bolso. Só que agora, por onde eu andava eu via passarinhos me seguindo. Num
belo dia, resolvi guardar o pão e parei de jogar os pedaços. E aquela
passarinhada berrou sem parar. Foi quando um estranho me disse que eu tinha o
dever de alimentar aqueles pássaros, pois fora eu quem tinha deixado os ditos
mal acostumados. Tá, vamos nessa. Eu continuei, e até exagerei. Pedaços maiores,
o pão inteiro, mais frequência na alimentação... até que além dos passarinhos
de sempre, resolveram aparecer pássaros maiores, inclusive urubus. Os grandes
pássaros, mais ávidos, roubaram o pão de minhas mãos, e se foram, acabando com a mágica da restauração. Ficaram junto a mim apenas os pequenos passarinhos, que passaram a se alimentar de sementes, mas continuaram
comigo pelo caminho.
Ali, em meio aos que ficaram, encontrei uma
pequena passarinha. Ela, quem sabe, nem fosse a mais aparente. Pelo contrário,
ela tinha os mesmos problemas que eu tinha lá atrás. Não gostava muito de
aparecer. Mas eu a enxergava perfeitamente, e a admirava tanto que passei a observá-la cada vez mais.
O caminho estreitou,
depois alargou demais, secou, virou rio, escarpa, buraco, subida, descida, até
se transformar, dois anos atrás, numa bela vereda. Alguns passarinhos ficaram
pelo caminho, outros seguiram trilhas diferentes, enquanto os que me seguiam iam comendo sementes e “plantando” as mesmas pelas
beiradas, de um jeito só deles. E quer saber o fruto que vertia dessas sementes que eles “plantavam”?
Pães mágicos. Somente pessoas com um certo dom é que conseguiam vê-los. Alguns
outros, como eu, podiam colhê-los, mas raros eram aqueles que sabiam usá-los corretamente e não os perdiam. Quem conseguia aprender, pasme, virava passarinho plantador de pão. Eu, no entanto, perdi o pão e por pouco não perco a mágica de enxergar os próprios passarinhos. Perdi sim, mas entendi a mensagem. Não aquela do homem me
dizendo que eu tinha a obrigação de alimentar os pássaros. Eu falo da mensagem verdadeira.
Hoje eu sei que é
fácil alimentar fartamente quando se tem o que dar, sem pensar no futuro. Só
que nessa hora, poucos sabem guardar para um momento de carestia. E, além
disso, aparecem os esfomeados, aqueles que são gulosos ou, o que é pior, que só
aparecem para se aproveitar e roubar daqueles que realmente precisam. Esses esfomeados-esganiçados usurpam o que podem e depois
somem. A verdadeira mensagem veio de uma certa passarinha, que desde o começo
guardava as migalhas que eu desperdiçava pelo caminho. Então, no dia que me vi
faminto, ela deu para mim aquilo que ela amealhou pelo caminho.
Há que se ter o que
plantar, mesmo que se tenha um pouco de fome. Se você tem duas sementes, coma
uma. Amenize sua fome. Mas a outra semente, plante-a. Só assim, mesmo tendo que
esperar um pouco, você terá mais amanhã. E se nascer pão, então espalhe-as pelo
caminho, para alimentar quem realmente precisa e sabe reconhecer esse gesto. Mas
sempre guarde algumas migalhas. Mesmo pequenas, elas te alimentarão algum dia e, claro, servirão de sementes.
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Essa passarinha, que
eu tentei certa vez prender em mim e precisei soltar para não perdê-la, se
transformou em algo muito maior do que uma mera companheira em minha vereda.
Hoje, faz dois anos que ela disse SiM para mim. Posso afirmar,
com toda a certeza de todos esses anos de crenças e descrenças, de que ela é a
maior certeza de minha vida. Se um dia eu achei que amar era fácil, ela me fez
ver que sim, realmente é fácil. Mas, me ensinou também que não basta amar. Tem
o respeito, o companheirismo, a cumplicidade, a vontade de querer amar sempre
mais, o caminho, a vereda, as migalhas, a liberdade das asas... Ela me ensinou
a ser moleque de novo, e me mostrou que existem pessoas que gostam de falar,
enquanto outras preferem escutar. Me mostrou que isso é absolutamente normal. E
eu achando que era um estranho por não gostar de falar! Tá, hoje falo demais, não é, Samara? Parte dessa culpa, acho, deve ser tua.
Lá atrás, falei que a
adaptação que precisei parecia ter vindo tarde demais, e comentei também que eu
estava errado. Pois é. Não poderia ter sido antes. Não sei se acredito em
destino, mas gosto de pensar que tudo estava predestinado a ser assim. Senão,
penso que teria atrapalhado um pouco a vida de alguém que é bem mais nova que
eu. E ela precisava ter vivido o que viveu, ter passado pelas experiências que
teve, senão, como poderia, hoje e mesmo muito mais nova, me ensinar tanto
quanto ensina?
O fato é que amar,
realmente, é fácil, mas somente quando temos a pessoa certa ao nosso lado. E eu
amo minha Samara e a tenho SeMpre junto a mim.
Ah! Sim. Faltou dizer
algo. Sabe no que eu acredito, depois de tudo o que relatei? Creio que se
pode "acreditar" naquilo que quiser, desde que haja vontade de enxergar algo
belo, assim como a magia de duas folhas numa poça d’água. Elas não estavam lá
para qualquer um, mas sim para aqueles que souberam apreciá-las. Os demais
sequer reparam nelas, ou passaram por cima, resmungando com a chuva.
Entendeu? Não? Tudo
bem. Espero que teu caminho seja o suficientemente grande para que isso, algum
dia, faça sentido.
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.
Amor, essa coisa toda nossa de revelar caminhos guardados em outros desvios, de nos estremecer por dentro num medo sem motivos, de nos acalmar na brisa todas as nossas dores. Essa coisa toda nossa de tropeçarmos nos nossos passos desajeitados, de não darmos ouvidos a quem não nos sintoniza... sempre nos leva além.
ResponderExcluirE você, foi muito mais que além. Porque, quando você decidiu abrir suas asas, descobriu que sonhos são pássaros com o instinto do voo aprendido e ninguém pode tirá-los isso.
Você, menino-sonhador, é o meu pássaro, é do mundo e passou por mim como quem colore um céu de amor e de brincadeiras que sabemos bem, toda criança que não adulteceu por dentro compreende.
Tua história é um caminho farto de contos onde um pulso é largo e pulsa sem freios de realização. Você, me surpreende todo dia e toda ida é um volta desmedida, pronta pra morar nosso abraço, espalhando mais migalhas de bem viver.
Você fala de bolsos, de mãos... e meus bolsos não habitam roupas que não me sirvam, e neles só guardo preciosidades que meu coração encontra, que meus olhos eternizam. Na minha vida, teu sorriso é minha semente cor de laranjeira, com canto de sabiá.
Você, amor meu, é o meu sentido e todas as direções e não há migalhas que possam contar, ainda que milhões, os nossos passos juntos.
Eu te amo.
Da sua, Sam.
Samara Bassi.