Arquivo pessoal |
O relógio marcava algo em torno das 9 horas da manhã, e como em incontáveis outras vezes, olhei pela janela para, mais uma vez, exercer um papel “voyeristico”. O que vi foi uma vizinha toda especial , bela e se exibindo para mim. Por vezes, seu companheiro aparecia, e então eram eles que assumiam o papel de observadores.
Ficamos assim por um
bom tempo, quase numa comunicação telepática. Penso que a paixão pela
observação mútua estava plantada em nós, isso frente as tantas vezes em que
exercitamos essa adoração entre nós. A admiração era tanta, ao menos de minha
parte, que cansei de estancar o que fazia para ficar olhando para ela ou, em
algumas vezes, para o casal. No entanto, naquele dia de Natal, as divagações
tomaram tanto a mim quanto a eles também. Evidentemente, não posso afirmar nada por eles, mas do jeito que me olhavam, creio que também estavam intrigados comigo.
Eu descansava,
enquanto o casal trabalhava exaustivamente, como se o Natal pouco significasse
para eles. Por que eles agiam assim? Seria um custo tão alto para eles se
parassem e aproveitassem esse dia tão especial? E eles, dentro daquilo que a
natureza ensinou, o que pensavam sobre minhas atitudes?
MEU PONTO DE VISTA
Um ano inteiro de
trabalho. Fins de semana e feriados ajudaram a repor as energias, mas o Natal...
ah! o Natal é o Natal, não é? Época de festa, de presentear e ser presenteado,
de fazer ceia, de rever amigos, de confraternizar, badalar, descansar, começar a pensar
nas resoluções para o novo ano, e gastar, gastar e gastar. Sim, claro. Afinal,
trabalhamos o ano inteiro para aproveitar justamente esse finzinho de
temporada. Alguns, mais precavidos, pensam num futuro mais distante, e poupam
um tanto. Mas a maioria torra o que tem e, o que é pior, o que não tem, nessa
época.
Arquivo pessoal |
Ela é linda, altiva,
forte e completamente elétrica. Quase exótica. O peito é algo que me deixa
boquiaberto, tal é o porte e a beleza. E ele... me apaixonei quando vi. É o
exemplo do macho que toma as rédeas do provento, e está sempre pronto para
colocar a mão na massa. Ele é daqueles que olha por cima, austero, imponente.
Porte físico avantajado, ágil, briguento, e se olhar torto para ele, já viu.
Ela escolheu bem. E além de ser um companheiro exemplar, é um pai como poucos tiveram.
Pode trabalhar o quanto for, pouco importa, ele está sempre presente.
A crença deles, pelo
que imagino, está na sobrevivência. Eles são do tipo dominantes. O que é deles,
é deles e pronto. Se deixar, vão expandindo seus domínios. Se apropriam mesmo.
Donos de um gênio forte, se completam em força quando estão juntos. Mas não
pense que ela é frágil quando está sozinha. Que nada. É uma mãe daquelas que
mata primeiro e pergunta o que está acontecendo somente depois que a “vítima”
parou de respirar.
E como são exibidos.
Mas, será que não vão
parar sequer no Natal? Vão trabalhar até nesse dia tão festivo? Isso chegou a
me lembrar da fábula da Formiga e da Cigarra. Enquanto a formiga trabalhava sem
parar, a cigarra cantava. Ficou provado que a cigarra teve um fim de vida mais
triste, enquanto a formiga teve um inverno mais ameno, com mais alimento e
chances de sobreviver a ele, mas, lá na frente, ambos morreram com o passar do
tempo. Morreram sim, mas a cigarra se divertiu mais.
Puxa vida. Que saco de
existência esses meus vizinhos estão ensinando para os filhos.
PONTO DE VISTA DELES
Piu. Piu. Piu.
RESUMO DA ÓPERA
Enquanto eu divagava,
meus “vizinhos” sobreviviam. Faziam aquilo que a natureza ensinou a eles. E se
eles não fizessem, ninguém faria por eles.
Pouco importa se é
natal, páscoa, dia das mães ou dia do índio. A crença deles está na pureza de
suas essências, na limitação de raciocínio que os impede de engenhar e
construir artefatos e, claro, no instinto que os impele e os mantêm vivos.
Imagem de Rubens Craveiro¹ |
Eu, no entanto, gastei
o que ganhei, e vou ter que trabalhar novamente para ganhar mais dinheiro e,
com isso, poupar para o próximo Natal ou, o que é pior, pagar as contas que fiz
para conseguir realizar meus festejos.
Eles não são reclusos
de crenças ou dogmas. Se é Natal, ou se existe um Criador, para eles pouco
importa. Estão aqui para cumprir um papel, que é o de manter viva a própria
espécie. E confesso que isso me causou uma pontinha de inveja.
Deixa eles. Afinal,
eles trabalharam tanto, e merecem a tranquilidade desse dia de Natal, mesmo que
eles sequer saibam que isso existe.
Eu? Vou ficar por
aqui, como um voyeur, olhando e admirando o casal de Sabiás que tanto adoro. De
tantos amigos que tenho, esses dois são os que mais têm meu respeito e
admiração.
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.
¹ Imagem pertencente a Rubens Craveiro.
Veja mais em www.panoramio.com/photo/43464406
Quer saber?
ResponderExcluirVocê me pegou direitinho! rsrs
Confesso que estranhei quando você 'se apaixonou' quando o viu, ou que o peito dela era lindo... me senti assim, meio perdida, meio sem saber o que, como e onde... rsrs
Mass quandooooo se deu o pio: — piu!
Ahh, aííí eu entendi tudooo e quer saber, me encantei e achei tudo tão tecido de uma forma tão bonita, meu amor.
É verdade! A vida é uma natureza instintiva e que faz jus ao lugar que ocupa nela. Que valoriza e sabe o quanto de contribuição oferece e dá.
Constrói castelos de barro e canta a música dos dias com tamanha simplicidade que pra um olhar mais atento como seu, mostra que felicidade não é preciso muito esforço ou complicação. Mas trabalho, sim. E o trabalho é a ponte de qualquer amadurecimento lançado em chão, de asfalto ou de capim.
Eu também fico aqui a admirar sua admiração, suas palavras, sua essência tão bem perfumada em tons de laranjeira e saltitante em suas flores amarelas.
E mais, o trabalho é construído junto, lado a lado, mútuo. E sabem que a síntese do 'piu 'diz muito mais que só eles entendem, enquanto nós procuramos compreender o quanto de 'pios' o ser humano ainda precisa se atentar pra perceber que mesquinharias não fortalece a espécie ( nem a própria nem a alheia). Mata é mais uns aos outros.
'Os sabiás divinam' - Manoel de Barros.
É, ele sabia das coisas. E você também ;)
Te amoooooooooo <3
Beijo n'alma,
Samara Bassi.
Poxa! Fiquei maravilhada maninho!
ResponderExcluirVocê tem o dom da escrita moço!
Tudo lindo aqui.
Beijo de saudades