re-edição
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O quarto sufocava. Por mais que tentasse fechar os olhos, eles insistiam em permanecer abertos. O sono não vinha, e durante anos ela ficou assim, numa insônia torturante. Lá fora, a lua era convidativa, principalmente quando se juntava com a lufada de ar fresco da madrugada. O luar permitia ver o imenso gramado e as árvores, que mesmo com a penumbra batendo sob suas copas, não pareciam assustadoras como nos filmes de terror. Um pouco mais distante, a ponte e a saudade. O riacho fazia barulho, um barulho corrente e borbulhante. Ela encostou a cabeça na soleira da janela e, aos poucos, adormeceu.
Seu corpo transportou a saudade do peito para o gramado, e mesmo dormindo, se viu lá, solta na luz do luar. Descalça, sentiu nos pés a maciez rude da grama recém aparada. Seus pés, de pele fina, sentiram a necessidade de tocar mais vezes o chão, não pela tentativa de engrossar mais a pele, mas sim pela enorme energia contida em seu corpo e que precisava ser descarregada. Suas mãos eram alvas e, estranhamente, pequenas. Ela estava pequena. Ela estava criança, adolescente. Uma linda e tímida adolescente de uns 16 anos de idade.
Silvos curtos chegaram aos seus ouvidos. Cigarras. No entanto, não eram cigarras da madrugada, e sim daquelas que se escuta durante o dia. Estranhou aquilo, mas pouco importava, pois não passava de um sonho, e ali, naquele devaneio, tudo poderia acontecer. As árvores balançaram, exatamente como ela via acontecer em sua infância, e ela foi até lá, até o lugar onde costumava passar várias horas de seu dia quando mais nova.
Caminhou lentamente, deixando a grama e o orvalho umedecerem seus sentimentos. A saudade doía muito, a embargava, e ao se aproximar da figueira, sentiu um aperto enorme no coração. Estava ao lado da ponte, e um medo imenso estampou seus olhos. Não queria olhar para o outro lado da ponte, mas precisava, sabia disso. Sabia que suas origens estavam lá, esperando por ela, cobrando pelo esquecimento e pelo abandono.
Sua natureza pobre nunca a assustou. Cresceu ali e pouco conhecia de outros lugares ou de outras culturas. Era órfã de sentimentos em sua caminhada pela vida, pois tudo o que conheceu e quis estava bem ali, do outro lado daquele riacho, que em outros tempos foi um belo e vívido ribeirão de ilusões. Levantou a cabeça e forçou os olhos. Alguém estava lá, chamando-a para o outro lado.
Sua mente deu mil voltas. Sentimentos brotaram e a angustiaram. Seria ele? Estaria lá aquele que a fez sonhar e se apaixonar, para depois abandoná-la naquele lugar distante? Aquele mesmo que a entregou à sorte da saudade? Ela o amava, sempre amou, e o que restava agora era o sentimento de falta. Tantos anos esperando sua volta, sua mão, seu sorriso.
A surpresa foi maior do que aquela que ela imaginava. Não era ele, e sim, ela mesma, chamando-a. Sem pestanejar, ela pisou a ponte e caminhou. Estranha sensação. Depois que ele partiu, ela nunca mais cruzou a ponte. Talvez por medo, ou quem sabe uma negação do passado. Mas agora não. Ela caminhava sozinha, sem saber direito o que buscava.
Do outro lado, ela mesma a esperava. Mais adiante, ele repousava sob alguns arbustos, dormindo. Ela ficou parada, admirando-o. Ele estava jovem também. Mas, que loucura era aquela? Por que ele estava ali, dormindo ao relento? O sonho virara pesadelo?
Remexeu as entranhas da memória e relembrou do dia em que ele se fora. Na noite anterior, teriam um encontro, mas ela se amedrontou diante da timidez e da falta de coragem em assumir seus sentimentos mais íntimos. Ela o amava e desejava, e ele a amava silenciosamente, respeitando-a em seus temores. Naquela noite, justamente naquela em que ela poderia fazê-lo ficar e mudar toda uma história, ela se acovardou e fugiu. Ele dormira ali, exatamente como fazia agora.
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No dia seguinte, ele partiu, juntamente com a família. Partiram para outra vida, para outra existência. Um acidente na rodovia os fez de vítimas, e ninguém sobreviveu.
Estranhamente, depois de vários anos, ela conseguia sonhar novamente. Buscou tanto isso, vê-lo mais um dia, mais um instante, um mero instante.
Estava decidida, ficaria ali, naquele mundo novo que se apresentou a ela. Um mundo onde, por mais que a saudade doesse, ela tinha algo que tanto buscava, seu primeiro, único e verdadeiro amor.
Marcio Rutes
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É! E quanto mais o mundo gira, mais parece não sair do lugar. Não evolui e ainda assim, inova.
ResponderExcluirOs valores se invertem, outro se acrescentam nos dias que passam e deixam faíscas do que "poderia ter sido".
As neuras se dissolvem, outras, se desenvolvem.
Espelhos d'água debruçam seus olhos para ver melhor a si mesma, a entender caminhos desviados e também, tempos passados e que sempre a visitam. Talvez seja essa forma pertubada de amanhecer por entre as ervas, as tuas lembranças-sementes que ela já não insiste em ir, ou voltar.
Há travessias necessárias, embora dolorosas. Laboriosas, um caminho nos pântanos do próprio coração. É preciso riscar os dedos na lama, os pés na areia, arranhar-se em espinhos pra sentir a boa nova, a grama macia na sola dos pés, o verdejar sonhos e reflorescer futuros.
Há tantas dores que nos cativam e por mais que tentemos, não as deixamos ir por um simpes motivo: o medo da solidão. Sim, quantos de nós nos agarramos em dores já tão empoeiradas no mediastino porque ainda assim, doídas, nos fazem companhias.
Eu, me senti revivendo um lugar familiar, revivendo uma travessia dificil, uma ponte sem beiradas, sem chão firme... e um sonho sem pouso, tão perdido e redundante quanto as estrelas que se explodem e fazem do caos, suas maiores maravilhas.
Mas sabe? houve um momento emq ue meu coração despertou e entregou-se, ainda receioso. Houve a vontade de pisar em outro chão e ainda assim, sentir-se em casa. Um coração sereno e semelhate, um olhar mirado pro melhor que eu trouxe e trago por dentro. Um amor semente pra germinar frondoso. Não houve ponte quebrada, nem mundos estranhos que me segurassem no medo. Atravessei a todos, e a tudo e ainda assim, caminho com um frescor no peito... sei, que a felicidade é uma caminhada em par, e também a sós.
É por isso e por muito amor que estou aqui, ao lado seu, SeMpre.
Meu amor, esse texto veste a leitura de uma melancolia boa, de revisar valores, de aparar os medos, de enfrentar! Triste, mas majestoso.
Um autodescobrimento, uma fortaleza adormecida, um choro manso daqueles que se sabem por dentro, sem nenhum temor, como você.
Eu te amooo.
Beijo n'alma,
Samara Bassi.