sábado, 14 de julho de 2012

UMA PORTA SELADA

série "crônicas de uma música"
tema: Just When I Needed You Must
intérprete: Randy Vanwarmer


image by Google
O sorriso de cada manhã me veio à boca, e te procurou na cama, mas não encontrou nada além do travesseiro num lugar vazio. Guardei palavras para este momento, e ensaiei forças que deveriam me tomar, mas tudo em vão. Vi que diante da realidade, a dor é sempre maior do que aquela imaginada.

A chuva, antes tão companheira, ardia pela janela, e foi justamente por ela que você caminhou. Se correu, já não faz mais diferença, pois não serei eu a te recolher e acolher com toalha e sentimento. Não mais.

Do dia em que se foi, sobraram cinzas de uma lua diurna. Sim, ela veio após a chuva, como uma mandrágora amarga e amaldiçoadora. Mas ela estava lá, a lua, fazendo questão de me lembrar de cada instante em que estivemos sob ela, jurando eternidade para um sentimento que, hoje, sei que é mentiroso.

Você se foi, e levou com você a minha maior vontade. Carregou meu gosto pela vida. E você se foi num momento em que tanto te necessitava. Eu vivia em você, e você me negou uma simples palavra. Você me negou até um Adeus. Saiu ainda noite, e fez madrugada em meus dias.

Das palavras que guardei para aquele momento, fiz germinar poemas e cartas. E foram tantas. Tantas também foram as noites em que esperei resposta a cada anseio que te enviei, mas somente a mandrágora me ouvia. Ela voltava a cada noite, aterradora e gigantesca, habitando meus sonhos. Somente ela estava lá, e respondia a cada carta, a cada verso. Talvez tenha sido nela, nessa lua medonha, que busquei forças para te sobrepujar em meu peito.

E como o destino é imprevisível, não é? A mesma chuva que te carregou, hoje encharca um jardim seco. No oco dos olhos onde a mandrágora habita, já se enxergam luzes que, apesar de destoantes, refletem um mar sereno diante da tempestade.

Aquela lua fez mágica. Mesmo mandrágora, ela se apiedou e se atirou para fora de meus pesadelos. E na madrugada, enquanto eu olhava pela janela o caminho que te levou embora, a chuva voltou. Era fina, e em conluio com a lua, fez um arco-íris em plena noite.

Você foi embora, e aquela porta pela qual saiu nunca mais abrirá. Arranquei-a e nela fiz parede. Nenhuma porta a mais se abrirá, e no milagre da lua, já encontrei nova Cinderela, que mesmo na virada da madrugada para o dia, não vira gata borralheira. E se virar, pois que assim seja, pois é para ela que o sorriso de cada manhã esta guardado doravante.

Por onde ela entrou, se não existem mais portas em minha alma? Ora, Ora. Pela janela.


música JUST WHEN I NEEDED YOU MOST (Randy Vanwarmer) - by YouTube


Marcio JR

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A série CRÔNICAS DE UMA MÚSICA não reflete, necessariamente, momentos verídicos ou sentimentos em mim contidos. Muito menos o texto das crônicas espelha a tradução da música inspiradora. O texto é livre e independe do contexto pensado pelo autor da canção.

Nesta série, busco músicas que fizeram parte de minha vida em algum momento, e extraio delas uma imagem que se forme em minha mente ao ser tocado, seja pela letra, seja pela música.

2 comentários:

  1. Felizmente que eu tive a boa idéia de ir até o final do teu post, antes mesmo de começar a lê-lo. A nota de rodapé do texto norteou totalmente a minha leitura e a interpretação do mesmo.

    A gente não sabe lidar com as perdas, sobretudo aquelas que concerne nossos afetos e seres aos quais nos ligamos. Não existem fórmulas de sublimar uma perda. Ela deve ser vivida até ser esgotada, até que as malhas de chumbo da dor se transformem, pouco a pouco, em plumas, façam-se asas e nos levem a outros novos horizontes, a novas montanhas, a novos céus.

    Existe muito de poético em tuas palavras, meu amigo Marcio, muitas imagens e construções que dirigem a atenção do leitor a elementos que se configuram dentro da, digamos, paisagem do sentimento descrito. Impossível não notar o teu gôsto pelos símbolos transcendentes, mágicos, plenos de fantasia e que, aliados ao leitmotif de algo que se foi, da saudade, das reminiscências, e busca de compreensão, fazem desta crônica um texto literário de alta qualidade. E, sem que eu esqueça, com um sutil toque de humor-ironia no final.

    Independente de ser ou não ficcional, o teu texto, meu irmão, é muito verdadeiro. Noto que está imbuído desse sentimento real de quem fala de um assunto com muita propriedade, uma situação que conhece bem. Todavia, relevo aqui também o teu incalculável talento, um talento que emancipa tua idéia e teu sentimento, levando-os ao terreno do poético e do literário, mesmo que partindo de uma essência de realidade. Essa é a marca dos grandes escritores, dos grandes cronistas, dos grandes literatos, enfim. E, não é novidade, continuas neste Olimpo das letras para mim.

    Um bom domingo, boa semana, querido amigo, estarei meio ausente das letras por esses dias, mas voltarei.

    Um forte abraço, e muita saúde.

    André

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  2. Nota para um semi-comentário temporariamente postergado(?!):

    "É o que eu tô pensando?". rsssss

    Smacks!!!!

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