sábado, 14 de maio de 2011

CHICO CONTENTE – MATUTO SIM, BURRO JAMAIS.

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Aquele final de manhã de sábado teria tudo para ser normal. Pleno outono, de um mês de abril lá na década de 30. O lugar? Piracicaba.

Algumas pessoas caminhavam tranquilas pela rua, e se cumprimentavam naquela prática muito mais gentil do que obrigatória, originária de uma educação que já não existe mais. Os homens tiravam seus chapéus em reverência, e as mulheres curvavam a cabeça, em agradecimento. Mais adiante, no armazém de seu Anésio, alguns fregueses faziam suas compras e aproveitavam para por as conversas em dia, mas não desgrudavam a atenção da estrada.

--Ixe! Lá vem o Chico Contente di novo, cum mais uma carroçada di galinha. Oh! Anésio, qui é qui esse porquêra tá puxano esses frangote a manhã toda, sô?

--Puis óie! Tumem tô c’os bicho carpintero atentado, homi! Vô dá um brado pr’ele vir ter uns dedo di prosa aqui.

E lá foi seu Anésio, cercar o Chico. O matuto, assim que viu o dono do armazém chamando-o, ordenou ao rapaz que o acompanhava a seguir na jornada, e desceu da carroça, ganhando o rumo do armazém. Ao entrar, foi para o balcão e cumprimentou a todos apenas com um gesto de cabeça.

--Chico, tudas as pessoa tão matutano aqui. --comentou o dono do armazém, enquanto servia uma dose de cachaça ao recém chegado. --U qui é tuda essa galinhada qui ocê tá puxano a manhã interinha, hómi?

O Chico virou o rosto de lado e deu uma cuspidela no chão, quase acertando o pé de outra pessoa que estava ao seu lado. A pessoa, por sua vez, deu um pequeno salto, chegando mais para o lado. E o Chico, ao se voltar para o outro lado, apenas mirou o chão e fez menção de repetir o gesto, mas não foi necessário terminá-lo, pois aquele que estava ali tratou de se afastar imediatamente.

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--Puis, óie. Pareceu lá nu sítio, um ingomadinho lá das banda de Itú, cuma proposta vantajosa pur dí mais. Metade da minha tropa di mula por uma baita popriedade di terra, coisa di virá a cabeça di quarqué um.

--Eita! --seu Anésio se interessou no assunto, mas se mostrou preocupado. --Conta miór isso daí, qui to achano qui tem arapuca nissu tudo. Ondi qui é essa tar popriedade, sô? É nos arredor nosso daqui di Piracicaba?

--Mais, seu Anésio, num é qui num é? É um lote prás banda do céu! --Chico arrematou de forma tranquila. --Um baita terrenão, cum iscritura i tudo. I o abestado do moço inda levô minhas pior mula.

Todos os que estavam no armazém ficaram estarrecidos. Mas, foi seu Anésio quem ficou mais irritado com o que ouviu.

--Chico, seu burro! Cumé qui vóis micê mi entra numa lorota dessas, hómi? Num tá vêno qui isso é tramóia? Esses larápio vêm aqui i passa a perna ni nóis, i adespois sai pur aí ispaiano qui nóis é tapado i burro, i tudo acurpado são ocêis, qui si apinxam no conto do vigário. Será qui só eu qui tenho miolo nesses arredor? Pur pura sorte, meu pai mi insino a se isperto i eu passo isso pru meu fio, que virô sitiante dos bão.

--Carma, seu Anésio. --um dos clientes falou ao comerciante, como se desconfiasse que ainda havia mais coisa a ser contada. --Dexa o Chico caba a história, ara!

--Dexo, nada! --seu Anésio continuou em sua irritação. --Esse daí é pur dimais gaiato, mais é burro inguar as mula dele. Mais vá, trimina logo essa história, qui adespois, vô lá contá pru meu pai a ingomada qui ti déro. I tem mais. Quí é qui essas galinha tem cum tudo isso?

--Bão. --Chico coçou o queixo e tomou um gole de sua cachaça, estendendo o copo como se pedisse mais uma dose. --Matutei qui matutei, i achei qui aquilo tudo era muita terra pra ieu suzinho, i vindi a metade. Cumo pagamento, aceitei essas quinhentas galinha, qui vale muito mais du qui aquelas déiz mula véia que gastei no negócio.

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--Mais ieu to falano! --seu Anésio bufava, ainda mais irritado. --Ocêis num vale o ar qui arrespira. Seus asno. Será qui só vai restá ieu i minha famía cum miolo pur aqui? Quem foi o miolo móle qui vóis micê inrolo nessa presepada?

--Óia. --completamente calmo, Chico se despediu de todos com um aceno de cabeça e foi na direção da porta. De lá, olhou para trás e encarou seu Anésio diretamente nos olhos. --A metadi ieu vendi pro Quinzinho, vosso fio, na troca das galinha. Mais dona Matirde, vossa mãe, já mando mi avisá qui o cumpadi Heitor, vosso pai, tá mi percurano prá módi nóis negociá o restante. Mi parece qui ele qué investi num miarar celeste, i já qué mi incomenda inté as semente. Quem sabi, nóis num negoceia as mula qui mi restô prá puxá a safra celeste tumem?



Marcio JR

23 comentários:

  1. Realmente de bobo ele num tem é nada, e um causo muito bom de ler e ver que as aparências enganam.

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  2. Boa tarde, Márcio!

    Se todos por ai conservassem a simplicidade do matuto, mas com a sagacidade que ele tem, dificilmente alguém tentaria passar a perna no outro, não é?

    Márcio, gosto imensamente de suas narrativas, são bem objetivas, mas sem omitir detalhes que dão vida ao fato narrado. Características dos bons escritores de contos e crônicas, que conseguem envolver o leitor, sem cansá-lo.

    Um grande abraço, meu querido amigo e obrigada por ter restituído o comentário que havia sido excluído no boon dos blogs.
    Celêdian

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  3. rssssssss....que danadinho esse chico e tu tens casa idéia maravilhosa que vou te contar...


    Lindo causo, muito bom de ler e cheios de "emoções",rsrs

    abração, tudo de bom,chica

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  4. Oi Márcio,

    Muito bom o causo, adorei! Rsrsrszrszrsz dei muita risada do "abestado". Você escreve muito bem!

    Beijos

    Carla

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  5. Pois é!!

    Bão dimais da conta.... Gostei meRmo.
    "Iguár di quando o prayboy pra tirá uma com o Matuto na beira da estrada que parou seu carrão e priguntou...! Ô caipira tu sabe onde fica nunseiondê? O Matuta disse -Sei não. O prayboy riu dele dizendo que ele não sabia de nada... Aí o Matuto arrespondeu assim... - Moço, eu posso num sabe meRmo onde fica pois nem tô indo pra lá, pois quem tá perdido priguntando onde fica é o sinhô.. Uaí!!

    Deusssssssskiajude
    Tatto

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  6. Aqui em Minas fala-se da seguinte forma desses espertinhos: "nóis é bobo,mas drome na nota." hahahahaha! Maravilha, Márcio! Abração e ótimo dia! Paz e bem.

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  7. Risos....
    Mas o esperto mesmo nisso aí foi Chico! Rsrsrs.
    Maninho, maninho...
    Você é d+!!!!
    amei!

    Beijinho.
    Fernanda

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  8. Bão dimais Marcio!
    Abração!
    Berzé

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  9. Bom dia Márcio!
    Eita Chico pra lá de esperto!
    Essa imagem do burro olhando para cima ficou hilária também.
    kkkkkkkkkk!
    Cada causo que você escreve!Por demais de bão!
    uma ótima semana para ti com muita inspiração, alegria e harmonia.
    abração

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  10. HA!HA! E pensar que tem tanta gente que cai no "conto do vigário".. Maravilhoso o conto Márcio, prendeu minha atenção desde o início e muito engraçado... Boa Semana!!!Abraços

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  11. De muita risada com seu texto, ainda mais por ser de Piracicaba, minha terrinha... vou espalhar por aqui... Esse Chico é muito do esperto!!! Adorei! Su.

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  12. Maravilhosa história! O chico tem a sabedoria que não se ganha com diploma, é a sabedoria de quem está na estrada há muito tempo. Esse Chico é realmente muito esperto! Parabéns, Márcio, você é muito bom na arte de escrever. Abç!

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  13. Mas mininu du céu! Num é qui tu agora arrebentaste cumingo! Eita qui já sou tua fã inloquicida das tuas iscrituras poraí , e entoçes agora tu arrasou foi di uma vez!
    Num é qui sou uma fã louca desti linguarado caipires qui tu cum um talendo abençoado do céu trouxe aqui para me alegrar o coração e murrir de saudades de tudo puraí!
    Pois é! sou tão fã deste linguarado que leio e releio e morro de rir relendo tudo que encontro nesta língua! Até mesmo eu cum este meu talento um pouco" fragula" ( sei lá o que significa fragula!) inventei de fazer uma Humenagi ao pueta Migué Jacó, lá do Recanto das letras, cum um texto caipires " Pru mesti cum Carinho" texto o qual vóis micê leu e cumentou lá no RL...
    Eita hómi talentoso és vóis micê!
    Qui Deus ti abençoi amigo!
    Inquanto o Chico contente...eita hómi isperto! Deu um banho de isperteza neste besta do Anésio!

    Deixu aqui pru cumpadri Márcio meu abraço!
    Ange.

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  14. Maninho querido.
    Passando para te deixar um beijo enorme.
    E dizer que moras bem aqui dentro do meu coração,mesmo quando eu custar a vir te dizer isso.
    Saiba: você é especial Marcio.

    Beijo
    Fernanda

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  15. Até o mais matuto dos matutos tem um tanto de sabedoria, não é? Teu texto flui, amigo meu.
    Bjooo

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  16. Marcio, estou com saudades e tambem muito preocupada com o seu sumiço, depois da cirurgia ficou tudo bem?
    Você abusou né moço e nem repousou o quanto deveria.
    Esta tudo bem?
    Espero que sim.
    BeijossSSS no coração

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  17. CHEGUEI AQUI PARA COBRAR SUA AUSENCIA AQUI,MAS CHEGUEI E JA ENTENDI!!!

    POR UMA BOA CAUSA!!!

    BEIJOS

    OTILIA

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  18. Gosto deste blogue!

    Podes adicionar o meu aos links sff?

    http://davidjosepereira.blogspot.com/

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  19. kkkkkkkkkkkk de bobo o chico não tem nadica de nada! hehehe
    Meu querido
    vim deixar meu abraço e meu carinho de sempre.
    Matar as saudades das boas gargalhadas que consigo aqui.
    Meu carinho, querido meu.
    Samara Bassi

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  20. Hahahahahaha muito bom!
    Beijo, beijo!
    She

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  21. Oi,boa tarde, muito interessante a criatividade!Estou procurando seguir blogs pelos quais eu me identifico de um modo ou de outro.
    Amei o seu perfil, seu pensamento.Concordo com você plenamente.Enfim, nem sempre é fácil lidarmos com as diferenças, porém é saudável elas existirem.Excelente semana.Bj.Se quiser conhecer o meu blog, será bem-vindo.Chama-se redescobrindoaalma.Ele é um recém-nascido, estou alimentando-o para que ele cresça forte e com muito amor.Ficarei feliz em receber-te!

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