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Aquele final de manhã de sábado teria tudo para ser normal. Pleno outono, de um mês de abril lá na década de 30. O lugar? Piracicaba.
Algumas pessoas caminhavam tranquilas pela rua, e se cumprimentavam naquela prática muito mais gentil do que obrigatória, originária de uma educação que já não existe mais. Os homens tiravam seus chapéus em reverência, e as mulheres curvavam a cabeça, em agradecimento. Mais adiante, no armazém de seu Anésio, alguns fregueses faziam suas compras e aproveitavam para por as conversas em dia, mas não desgrudavam a atenção da estrada.
--Ixe! Lá vem o Chico Contente di novo, cum mais uma carroçada di galinha. Oh! Anésio, qui é qui esse porquêra tá puxano esses frangote a manhã toda, sô?
--Puis óie! Tumem tô c’os bicho carpintero atentado, homi! Vô dá um brado pr’ele vir ter uns dedo di prosa aqui.
E lá foi seu Anésio, cercar o Chico. O matuto, assim que viu o dono do armazém chamando-o, ordenou ao rapaz que o acompanhava a seguir na jornada, e desceu da carroça, ganhando o rumo do armazém. Ao entrar, foi para o balcão e cumprimentou a todos apenas com um gesto de cabeça.
--Chico, tudas as pessoa tão matutano aqui. --comentou o dono do armazém, enquanto servia uma dose de cachaça ao recém chegado. --U qui é tuda essa galinhada qui ocê tá puxano a manhã interinha, hómi?
O Chico virou o rosto de lado e deu uma cuspidela no chão, quase acertando o pé de outra pessoa que estava ao seu lado. A pessoa, por sua vez, deu um pequeno salto, chegando mais para o lado. E o Chico, ao se voltar para o outro lado, apenas mirou o chão e fez menção de repetir o gesto, mas não foi necessário terminá-lo, pois aquele que estava ali tratou de se afastar imediatamente.
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--Puis, óie. Pareceu lá nu sítio, um ingomadinho lá das banda de Itú, cuma proposta vantajosa pur dí mais. Metade da minha tropa di mula por uma baita popriedade di terra, coisa di virá a cabeça di quarqué um.
--Eita! --seu Anésio se interessou no assunto, mas se mostrou preocupado. --Conta miór isso daí, qui to achano qui tem arapuca nissu tudo. Ondi qui é essa tar popriedade, sô? É nos arredor nosso daqui di Piracicaba?
--Mais, seu Anésio, num é qui num é? É um lote prás banda do céu! --Chico arrematou de forma tranquila. --Um baita terrenão, cum iscritura i tudo. I o abestado do moço inda levô minhas pior mula.
Todos os que estavam no armazém ficaram estarrecidos. Mas, foi seu Anésio quem ficou mais irritado com o que ouviu.
--Chico, seu burro! Cumé qui vóis micê mi entra numa lorota dessas, hómi? Num tá vêno qui isso é tramóia? Esses larápio vêm aqui i passa a perna ni nóis, i adespois sai pur aí ispaiano qui nóis é tapado i burro, i tudo acurpado são ocêis, qui si apinxam no conto do vigário. Será qui só eu qui tenho miolo nesses arredor? Pur pura sorte, meu pai mi insino a se isperto i eu passo isso pru meu fio, que virô sitiante dos bão.
--Carma, seu Anésio. --um dos clientes falou ao comerciante, como se desconfiasse que ainda havia mais coisa a ser contada. --Dexa o Chico caba a história, ara!
--Dexo, nada! --seu Anésio continuou em sua irritação. --Esse daí é pur dimais gaiato, mais é burro inguar as mula dele. Mais vá, trimina logo essa história, qui adespois, vô lá contá pru meu pai a ingomada qui ti déro. I tem mais. Quí é qui essas galinha tem cum tudo isso?
--Bão. --Chico coçou o queixo e tomou um gole de sua cachaça, estendendo o copo como se pedisse mais uma dose. --Matutei qui matutei, i achei qui aquilo tudo era muita terra pra ieu suzinho, i vindi a metade. Cumo pagamento, aceitei essas quinhentas galinha, qui vale muito mais du qui aquelas déiz mula véia que gastei no negócio.
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--Mais ieu to falano! --seu Anésio bufava, ainda mais irritado. --Ocêis num vale o ar qui arrespira. Seus asno. Será qui só vai restá ieu i minha famía cum miolo pur aqui? Quem foi o miolo móle qui vóis micê inrolo nessa presepada?
--Óia. --completamente calmo, Chico se despediu de todos com um aceno de cabeça e foi na direção da porta. De lá, olhou para trás e encarou seu Anésio diretamente nos olhos. --A metadi ieu vendi pro Quinzinho, vosso fio, na troca das galinha. Mais dona Matirde, vossa mãe, já mando mi avisá qui o cumpadi Heitor, vosso pai, tá mi percurano prá módi nóis negociá o restante. Mi parece qui ele qué investi num miarar celeste, i já qué mi incomenda inté as semente. Quem sabi, nóis num negoceia as mula qui mi restô prá puxá a safra celeste tumem?
Marcio JR