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A situação não anda
boa pra ninguém mesmo. E quem sabe para aquelas quatro senhoras e aquele senhor, presos num
distrito policial qualquer de uma cidade grande, a coisa fosse ficar ainda
pior.
Acusações? Invasão, assalto
a mão armada, sequestro, extorsão, tentativa de suborno e... assédio sexual
seguido de atentado violento ao pudor. Mas, afinal, o que motivou quatro
senhoras e um senhor, todos acima dos 65 anos de idade e vindos todos de famílias tradicionais, a
cometer tantos crimes? Teriam sido eles as vítimas de alguma mente
inescrupulosa dos tempos modernos, desses que aparecem nos programas policiais, e que os usou para depois se evadir e largar a culpa sobre eles? Ou fizeram tudo isso para se afirmar
diante de uma sociedade que segrega cada vez mais o idoso? Abandono familiar?
Tédio?
Não. O motivo foi bem
outro. Fizeram tudo isso por serem responsáveis e por honrarem os compromissos
assumidos. Ou seja, praticaram um ou mais crimes por serem, justamente, honestos. Curioso? Então, sente-se e se prepare, pois a história é longa.
Tudo começou numa
reunião do pequeno clube de baralho que Dona Maria mantinha em casa para, assim, reunir as amigas, distrair-se e manter as fofocas em dia. Dona Maria era a mais velha entre elas, 68
anos de idade, e viúva 5 vezes. Morava sozinha, e mesmo usando óculos, era a
mais "ligeira" de todas. Na maioria das vezes acabava “limpando” as poucas
economias das amigas. Leocádia, 66 anos, era a deslumbrada do grupo. Uma
romântica que suspirava sempre que escutava “SHE” de Charles Aznavour. As
amigas, sabedoras de que ela se derretia toda e perdia a concentração quando
escutava essa música, colocaram em seus celulares uma cópia, e sempre que ela
estava ganhando no jogo, davam um jeito e disparavam o player. Era batata. E além disso, era a cozinheira metida a nutricionista do grupo, mas suas orientações partiam ao rumo contrário daquilo que era correto, pois era nesses encontros que ela aproveitava para quebrar dietas e regimes.
Tinha a Dona Loló. 65
anos de idade, doceira de mão cheia, de pele jambo e surda feito uma porta. Não
era incomum alguém falar “mandioca” e ela entender “como você está gostosa”.
Sim. Ela era um tantinho obscena. Tarada mesmo. Segundo ela, ainda não tinha
encontrado o homem certo para fazê-la “queimar a granola”. E por fim, Dona
Ziza, professora de anatomia, psicóloga, solteirona e, segundo ela, virgem. Idade? Ela diz que não revela
nem sob tortura. Também adora estudar ocultismo e é portadora de incontinência
urinária.
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Ah! Sim. Quase esqueço
de seu Macedo. Senhor alto, beirando seus 70 anos de idade, esquecido que dói,
e que adora frequentar o clube de baralho “das meninas”. Obviamente, existe um
interesse escuso delas sobre a presença dele. No caso, ele é quem financia os
comes e bebes, e leva algumas substâncias proibidas para os encontros. Drogas?
Que nada. Doces, filmes, ou qualquer outra coisa que as respectivas famílias
cuidem para não serem consumidas por elas.
Apresentações feitas,
vamos aos fatos que motivaram toda essa história.
O Natal se aproximava.
Já era mês de julho e... sim, para elas, o tempo era uma agonia e passava
voando. Mas, como eu dizia, elas queriam ter um Natal diferente, com mais
dinheiro no bolso, e decidiram inventar algo que rendesse alguns trocados. Foi
então que, numa das reuniões do clube, saiu uma conversa mais ou
menos assim:
―Loló, você não ia
trazer aquela sua prima pra gente depenar no baralho, filha?
―Quem dera, Ziza.
Aquela lá tá no pó da viola. Acho que não passa sequer a próxima gripe do
frango. Tá feia a coisa. Mas é uma pena. Bem que ela merecia se divertir um
pouco, né! Mas, e as amigas da Leocádia e da Maria? A gente poderia convidar
elas.
―Esquece! ―Maria
respondeu, desanimada. ―Elas foram num desses chás de bebê. É sempre assim. Quando
as coisas estão começando, tem festa. Quando estão terminando, tem lágrima. Chá
de panela, chá de bebê. Depois, é chá de divórcio e velório.
―E por que vocês não
inventam um CHÁ DE MORTALHA?
As quatro pararam o
que faziam e olharam para a mesa. Lá, seu Macedo conferia alguns canhotos de
apostas do jogo de bicho, mas largou tudo na mesa e ficou silencioso, olhando
para as quatro mulheres.
―Explica isso, Macedo!
―Ziza, a mais antenada das quatro, se interessou pelo assunto.
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―Simples! Vocês fazem
uma lista dos amigos e conhecidos que já estão com um pé na cova, e propõe uma
última comemoração. Como se fosse um desses chás de bebê ou de panela. Só que
no lugar dos convidados levarem presentes e mimos para a criança ou para a
casa, levam utensílios úteis para um futuro velório, como vale-pão, mortadela,
vale-flor, mortalha, e coisinhas assim. Além do que, tem a festa que o futuro
defunto vai fazer, ainda em vida, para os amigos e conhecidos. Todos se
divertem e o candidato a defunto ainda sai no lucro. Para ir além, vocês podem
até ter um caixão, para ensaios fotográficos. Quem sabe até vender um plano
funerário seria interessante.
Aquilo parecia ser a
ideia mais estapafúrdia possível, mas justamente por ser inusitada é que chamou
a atenção de Ziza e das outras. Resultado? No dia seguinte estavam as quatro
mulheres diante do computador, pesquisando e inventando um jeito de levar
aquilo adiante.
A primeira dificuldade
encontrada foi convencer alguém a ser o primeiro cliente. E lá vem seu Macedo
novamente, com suas ideias mirabolantes.
―É simples. Uma de
vocês quatro pode inaugurar tudo isso. É só fingir que é uma cliente, e sair
convidando todo mundo. Ninguém precisa saber que isso é um empreendimento. A
Maria, que é mais comunicativa, pode ser a Promoter do evento. Loló e Leocádia
são mais emotivas, então puxam o choro, como carpideiras, e a Ziza, que sempre
foi mais ligada nessas coisas de bruxaria, pode tranquilamente bancar a
defunta.
―Sei não. E a
incontinência urinária dela? ―Maria já saiu provocando. ―Ainda acabamos tendo
que deixar um penico debaixo do caixão. Sem contar que seria o primeiro velório
com morto mijado que eu iria presenciar.
Todos caíram na
gargalhada, mas foi exatamente o que fizeram. Loló, que conhecia o gerente de
uma funerária, tratou de arranjar o caixão, enquanto que as outras se ocuparam
em convidar os amigos e convencer a todos de que aquilo não era loucura
nenhuma, mas sim um jeito de se divertir. E foi basicamente o que aconteceu.
O “evento” foi um
sucesso. Seu Macedo, vendedor nato, se deu conta de que aquilo era um
acontecimento que poderia interessar à mídia, e também tratou de “espalhar” a
notícia entre alguns de seus conhecidos. E deu certo. No dia seguinte, até a
televisão deu pequena nota sobre o ocorrido.
Poucos dias se
passaram, até que dona Maria apareceu afoita na casa de Ziza. Precisavam reunir o
grupo com urgência, pois alguém estava disposto a contratá-los para um evento
de Chá de Mortalha. Era o primeiro cliente. O diferencial é que seria um evento
à fantasia, e o motivo escolhido foi Dia das Bruxas. Lançou-se, então, o CHÁ DE MORTALHA TEMÁTICO.
A notícia se espalhou
de vez, tornando-se um sucesso. Não demorou para que aparecessem concorrentes,
mas seu Macedo era um gênio para promover inovações. Num dos eventos, fez todos
irem de pijama, e quando a concorrência tentou fazer igual, lá estava ele
promovendo o CHÁ DE MORTALHA NATURISTA. Loló adorou a ideia, enquanto Ziza
torceu o nariz, mas fez a sua parte.
A coisa ia tão bem,
que até jornalistas de outros países se interessaram pela história. A mídia
local não se cansava de fazer chacota, mas quanto mais se tentava ridicularizar
a ideia, mais sucesso ela fazia. Dinheiro para o Natal? Que nada. Naquela
altura, eles estavam pensando era em viajar para a Europa. E foi quando a
ganância tratou de complicar tudo.
Uma nova cliente.
Atriz famosa, mas com a carreira em declínio, e querendo mais alguns minutos de
fama. Evento para sair em todos os maiores canais de mídia. Tema? Exotérico. E
Ziza foi a primeira a se maravilhar. Bolou estratégias de mídia e desenhou
cenários. Pensou numa decoração extravagante. Velas. Muitas velas pretas. O que a atriz pensou sobre isso? Para ela pouco importava. Queria apenas um pouco mais de
espaço nas revistas.
Leocádia e Loló também
se maravilharam. A primeira pelo glamour do mundo dos artistas. Pensou em
convidar Pedro de Lara, Dercy Gonçalves e Hebe para o evento, pois era fã
ardorosa de cada um deles, mas desistiu assim que alguém comentou com ela que todos
já haviam partido desta para melhor. Contentou-se com alguns figurantes que
haviam participado do filme “O PAGADOR DE PROMESSAS”. Já Loló pensou na
possibilidade de encontrar algum daqueles bonitões da TV. Quem sabe alguém como
Toni Tornado, Rolando Boldrin ou Silvio Santos, ou até mesmo outro mais novo,
como Raul Gil ou José Sarney. E ficou ali, deslumbrada. Era sonho, claro, mas
quem disse que sonhar é proibido?
Para dona Maria a
história era outra. “Negócios são negócios. E se traz dinheiro, to dentro”,
dizia ela. Já seu Macedo estava pensativo. Quieto e sisudo, andava pelos
cantos, nitidamente preocupado. Ziza, sem entender, foi até ele e perguntou se
não tinha gostado da nova cliente. E ele logo expôs seus motivos.
―É muita areia pro
nosso caminhãozinho. E as velas? Você relacionou 300 velas pretas aromatizadas,
Ziza! Onde vamos conseguir tudo isso?
―Samira. ―Ziza
respondeu de pronto, fazendo com que Macedo se engasgasse.
―Neeeeeeeeeeeeeem a
pau. A Samira não. Eu e ela não podemos sequer transitar na mesma rua. Ela me
odeia.
―Pára com isso,
Macedo. Você é quem aprontou com ela. Lembro bem da história. Deixou ela
esperando por 3 anos, enquanto você foi na esquina comprar cigarros. Quando voltou,
estava casado e com dois filhos.
―Tá. Eu até aceito
essa ira dela. Mas ela nunca esquece. Na última vez em que ela esteve lá em
casa, colocou purgante na minha pasta de ameixa. Como se não bastasse, trancou
todos os banheiros e jogou as chaves fora. Acho que ela não vai topar. E se aceitar, vai dar um jeito de ferrar tudo. Eu to avisando.
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Ziza, a muito custo,
convenceu Macedo a aceitar a presença de mais uma sócia no evento. Assinaram
contrato com a atriz e partiram para a organização de tudo. Eram extremamente
profissionais, mas desta vez, algo estava errado. O deslumbramento de todos,
cada um com seus motivos, levava-os a negligenciar alguma tarefa ou obrigação. E quando se deram
conta, os prazos estavam esgotando e muito pouco já havia sido providenciado.
Correria.
A divulgação, por
conta de Macedo, foi maciça. Convidados de outras cidades e, claro, gerentes e
donos de funerárias de todos os cantos. Todos interessados naquele negócio que
não parava de crescer. E aos poucos, tudo foi se ajeitando, até que um problema
inesperado pegou a todos com as calças nas mãos.
―Amanhã é o dia. E por
sorte, está quase tudo pronto. ―Maria comentou, quase comemorando.― Falta
apenas montar a estrutura das velas.
―Não tem problema
quanto a isso. ―Ziza tomou a palavra, também demonstrando contentamento. ―A
Samira me ligou ontem e disse que já está tudo lá na loja, separado em caixas
de papelão.
As quatro mulheres
estavam na sala, praticamente largadas pelos sofás e tomadas pelo cansaço,
quando Macedo, literalmente, invadiu a casa, afoito e preocupado.
―Meninas, vocês não
vão acreditar. A Samira... morreu hoje cedo.
―O quê? ―as quatro
gritaram praticamente juntas, assustadas.
―Eu falei, bem que
avisei... ―Macedo se encostou na porta, quase tendo um enfarto. ―Avisei que
essa peste ia aprontar pra mim. Ela não me perdoa. Pilantra.
―E agora? ―Maria foi
a primeira a retomar a consciência. ―Precisamos cancelar o evento. Sem as velas,
nada feito.
―Nem brincando. Lembra
que já recebemos adiantado? ―Leocádia argumentou, mostrando desespero. ―E tem
muitos convidados de fora e que já estão aqui. Tem a imprensa, os donos de
funerária. E até a assessoria do Wanderley Cardoso disse que tem chances dele
comparecer. Nem brincando que vamos cancelar. Temos que dar um jeito. O que
você acha, Loló?
―Wanderley Cardoso?
Mas... Mas... Você não tinha dito que ia tentar a presença do Jair Rodrigues?
Você me enganou. Sabe que tenho uma quedinha pelo Jair, mas resolveu trazer
justo o Wanderley? Ah, isso não vai ficar assim.
A bagunça foi geral.
Ninguém falava coisa com coisa. Aos poucos, Macedo foi soltando o corpo, até
sentar-se ao chão. A mulherada não parava, e falava, falava, falava. Até que
Macedo viu algo que rendeu uma ideia. Debaixo da mesa, um pé-de-cabra sorria
para ele.
―Vamos arrombar.
Todas calaram ao mesmo
tempo. Arrombar? Arrombar o que? E, claro, por que?
―Ué! ―Macedo deu de
ombros, mostrando que não tinham alternativa. ―Pelo que sei, as velas estão lá
na loja do shopping. Já telefonei para a família da Samira, e eles disseram que
não existe a mínima chance de fazerem nenhuma entrega antes de realizarem um
inventário. Mas nós já pagamos por aquilo tudo. É nosso. E de mais a mais,
assim me vingo daquela pilantra. Cáspita, ela não podia morrer num outro dia.
Estava decidido. Se
esconderiam no shopping e, depois de fechado, arrombariam a loja de Samira e
pegariam as velas. Seria fácil. A filha de Loló trabalhava por lá, e eles
tinham acesso direto a administração. Para facilitar ainda mais, o vigia, Nestor, era conhecido de
Leocádia. Ela sabia que ele só esperava todos saírem para cair no sono. Seria
fácil.
Fácil? Não, não foi
fácil.
A primeira parte até
se deu com certa facilidade. Esconderam-se e, quando todos encerraram o
expediente e esvaziaram o local, os "gatunos" saíram de onde estavam.
―Cadê o tonto do
Macedo? ―Ziza perguntou, sendo repreendida por Maria.
―Quieta. Fale baixo.
Tá querendo chamar a atenção do quarteirão?
―Tenho que falar alto. A Loló esqueceu o trem do aparelho de surdez em casa.
―Tenho que falar alto. A Loló esqueceu o trem do aparelho de surdez em casa.
―Tá. Sem problemas. O
Macedo tá ali no canto. Ficou muito tempo sentado e agora não consegue
levantar. A Loló tá ajudando ele. Mas, e a Leocádia?
―Mandei ela desligar
as câmeras. É a única que entende disso.
Ziza mal terminara de
falar, e as luzes se apagaram. Na tentativa de desligar as câmeras, Leocádia se
enganou e desativou a chave geral de energia do prédio.
―Tem certeza, Ziza?
Será que ela sabe o que tá fazendo?
―Bom. Sem luz, as
câmeras não vão poder filmar a gente. Agora vamos. Senão não vamos terminar
isso até amanhecer.
Quando eles estavam
saído da administração do prédio, Leocádia estava voltando. Contou que Nestor
estava numa salinha, roncando profundamente. Loló e Maria arrastavam Macedo,
enquanto Ziza ia na frente, esgueirando-se pela parede como se fosse num desses
filmes de agentes secretos.
―O que ela pensa que
está fazendo? ―Macedo perguntou, enquanto ajeitava algo dentro das calças.
―Liga não. ―Loló
respondeu, olhando com curiosidade para Macedo. ―Deixa ela brincar de “FULGA
DE ALCATRÁZ”. Mas, diz uma coisa, Macedo! Por que você está mexendo dentro das
calças? E o que é essa coisa comprida e grossa que está aparecendo aí? Que é
isso?
―Arre! O pé-de-cabra,
ué! Quer arrombar a fechadura de que jeito?
―Ah! Tá! Que pena!
Um pouco mais adiante,
Ziza parou e olhou para os lados. A pouca iluminação fez com que ela firmasse
bem os olhos. Os demais também pararam e observaram, e se espantaram ao vê-la
sair correndo de um jeito bem estranho.
―E agora? Onde essa
doida vai? ―Leocádia perguntou, encostando-se na parede.
―Banheiro! ―todos os
outros responderam, fazendo coro.
Meia hora depois, e
com mais três idas ao banheiro, Ziza para diante de uma porta metálica. Todos se
olharam e estranharam. Ninguém lembrava de nenhuma placa vermelha na entrada da
loja de Samira.
―Ziza! Você tem
certeza de que é aqui?
―Maria, é claro que eu
tenho. Extremo norte, perto do quiosque de sorvete. Agora, vamos logo, senão
não saímos daqui hoje. Alguém lembrou de trazer os explosivos?
―Acho que ela esqueceu
de tomar o Gardenal nesses dias. Só pode! ―Maria puxou o braço de Macedo, e o
mandou fazer sua parte.
Macedo se abaixou, mas
logo parou. Um estalo nas costas arrepiou todo mundo, e um “aiii” lamentoso
partiu de sua boca.
―Danou tudo. ―Ziza se
agitou, voltando a falar alto.
―Danou nada! E pare de
falar alto! Olhem o que eu roubei lá do Nestor.
Todos olharam para
Leocádia, e viram a mulher balançando um jogo de chaves.
―São as chaves de
segurança. O Nestor estava dormindo, e nem viu eu pegar. Mas quem de nós
enxerga bem, o suficiente para achar a chave certa? Acho que a Loló, né? Vai,
Loló. Loló... Lolóooooooooooooo... Eita. Até enxerga, mas escutar que é bom,
nada.
―Loló, dá pra prestar
atenção? Até parece que ta aí, perdida?
―Coceira na
perseguida? ―Loló soltou um grito, irritada. ―Tão me chamando do quê? Eu tomo
banho todos os dias, viu!
―Ai, ai! Isso vai demorar
mais do que eu imaginei! ―Macedo desanimou, pegando as chaves das mãos de
Leocádia. ―Ziza, você... Ziza? Onde ela foi?
E novamente o coro: “Banheiro”.
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Meia-hora depois,
todos estavam dentro da loja. Não enxergavam um palmo diante do nariz, mas
continuaram em frente. Passaram pelo balcão principal e foram diretamente para
os fundos da loja, mais especificamente para o depósito. Lá, algumas caixas de
papelão chamaram a atenção. Na lateral de cada caixa, uma etiqueta dizia “VELAS
ESPECIAIS BIG NEGÃO”.
―Big Negão? Que droga
de vela é essa? ―Macedo perguntou, olhando para Maria, que vinha logo atrás.
―Coisa dessas doidas
que mexem com bruxaria. Só pode. Samira e Ziza. Quer o que? E vamos logo que
não temos muito tempo. Cadê a Loló?
Quando Maria olhou
para trás, reparou um vulto na porta, carregando algo comprido nas mãos, como
se fosse um cacetete. O susto foi tanto, que ela quase se atirou nos braços de
Macedo.
―Calma gente. ―Loló comentou,
calmamente. ―Olhem só o que eu achei.
Loló chegou mais perto
dos outros, e mostrou o que tinha nas mãos. O espanto foi geral. Ziza foi a
primeira a expressar algo.
―Mas isso é uma benga!
E é enorme! Onde você achou isso?
―Tava ali no balcão. Pelo
visto é um vibrador. O que será que a Samira andava aprontando por aqui? Não
sei por que, mas me deu uma saudade do falecido!
―Vocês querem parar de
ficar admirando essa coisa? ―Macedo reclamou, começando a recolher as caixas
para levá-las até o estacionamento. ―Parece que nunca viram um pinto na vida!
E o coro fez presença
novamente: “Desse tamanho, nunquinha”.
Tudo ia bem, até que já
na boca do amanhecer, Nestor acordou e resolveu fazer a ronda. As caixas já estavam
quase todas nos carros, e quando o grupo voltava para pegar o restante, deram de cara
com o vigia. Ele, sem entender nada, ficou apenas olhando. E foi exatamente o
que todos os outros fizeram. Ficaram estáticos. No entanto, espantaram-se pouco
depois, ao reparar que Loló chegava sorrateira, por trás do vigia, e com algo
nas mãos.
Ela se aproximou e
encostou aquele vibrador nas costas do vigia e fingiu que era um assalto.
Nestor, ao sentir que algo o espetava na altura das costelas, empalideceu. Foi
dobrando os joelhos, até que do nada, desmaiou.
―Eita, cabra macho!
―Ziza comentou, rindo. ―Acho que ele não vai gostar muito quando descobrir que a
Loló dominou ele com um pinto.
―Não podemos deixar
ele aqui. ―Maria interrompeu, pensativa. ―Vamos levar junto. Vai que ele dá com
a língua nos dentes antes de fazermos o evento?
E lá foram todos,
arrastando o vigia. Já quase amanhecia, e Leocádia, a última a sair, virou para
trás e tentou ler o que estava escrito na placa vermelha, logo na entrada da
loja de Samira. Mas como seus óculos não ajudavam muito, pouco conseguiu ver.
―Hot Se... Hot Sex...
ah, sei lá. Ficam dando esses nomes esquisitos pros comércios. Por que não dão
um nome brasileiro, ou algo assim?
Cansados, foram
diretamente para o salão onde seria realizado o Chá de Mortalha. Por lá,
deixaram as caixas e Loló, que ficaria responsável pela montagem do cenário com
as velas. Além disso, uma grande cortina preta esconderia toda a decoração
especial, que seria mostrada somente quando a atriz se deitasse no caixão para
fazer a sessão de fotos.
Ao voltar para um dos
carros, Maria estranhou a ausência de Ziza. Procura daqui, procura dali e, ao
vê-la, quase morre de susto. Ziza, calmamente, despia Nestor, e o ajeitava no
porta-malas do veículo de Macedo.
―Sua maluca. Por que
isso?
―Vai que ele acorda e
resolve fugir! Sem roupas não vai a lugar nenhum.
―Até que ele é um
coroa bem enxuto.
―Isso não é hora para
sentimentalismos. Vamos embora, Maria. Temos muito o que fazer ainda. E a
Leocádia? Tá com o Macedo?
―Estão telefonando e
confirmando tudo. Vamos com o carro do Macedo. Mas, e o Nestor? Já sequestramos
mesmo. Fazemos o que com ele?
―Sei lá! Qualquer
coisa, damos um porre nele, contratamos uns garotos de programa e batemos umas
fotos. Se ele quiser dar com a língua nos dentes, fazemos chantagem.
―Ai, ai, ai. Você anda
assistindo muita televisão.
Assim, o dia passou,
com tudo se ajeitando e correndo bem. Para decepção de Leocádia e Loló, os
únicos artistas que apareceram foram os funcionários de um tal Circo do Lingüiça,
que estava instalado nas proximidades. Mas vários outros convidados deram o ar
da graça, assim como a imprensa e os empresários.
A festa era puro
glamour e divertimento. Flashes disparavam a cada instante, e os garçons não
conseguiam ficar com as bandejas cheias. E tudo ia bem. Bem demais.
―Ziza, você
arrebentou! Adorei os detalhes das velas. Nossa, arrepiei!
―Do que você está
falando, Loló? São apenas velas pretas aromatizadas.
―Pois é... e que
velas. Ui, ui, ui! De tirar o fôlego. Mas vou lá pra trás da cortina, que já vamos abrir o
palco principal. Aiiiiiiii, to emocionada. Vai ser o must!
―Pirou! Essa deve ter
visto o passarinho verde! ―Ziza estranhou, mas pegou o microfone para anunciar
o descerramento da cortina.
―Por favor, gostaria da atenção de todos. Tenho certeza, meus
amigos... que o que vocês assistirão aqui jamais será esquecido. ―Ziza falava,
orgulhosa de tudo. ―Atrás dessa cortina estão signos daquilo que nos moveu desde nossa gestação. Atrás dessa cortina estão elementos que queimam em cada um de nós, simbolicamente. A chama
que nos ilumina vem dessas belas peças. Que desça a cortina!
Assim foi feito.
Calmamente, Macedo puxou a corda que abria a cortina. E, exatamente da maneira como Ziza
havia dito, foi um espetáculo que ninguém esqueceu.
―Mas, o que é isso?
―uma senhora comentou ao ver todas aquelas velas acesas. ―O que são essas
velas? Me parecem algo conhecido.
―Olha, Mirtes. ―outra
senhora respondeu, arregalando os olhos. ―Se a memória não me falha, são
pintos!
O alvoroço foi geral.
Quando Maria e Ziza olharam para trás, o que viram foi Loló terminando de
acender a última vela, que era justamente em formato de pênis. E o que eles
tinham ali era um tablado enorme, com mais de duzentas velas acesas, e todas
elas pretas e no formato do órgão sexual masculino, porém, num tamanho deveras avantajado.
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O alvoroço tomou
conta. A atriz, sem entender nada, tentou levantar do caixão, mas a tampa
escorregou e a deixou trancada. Os fotógrafos não perdoaram, e deram closes e
mais closes naquelas velas inusitadas. Como se não bastasse todo o furdunço,
Nestor resolveu dar o ar da graça. O problema é que além de bêbado, ela estava
completamente nú, e mal conseguia trocar os passos. E mais flashes dos
fotógrafos.
―Você não falou que ia
amarrar ele, Ziza?
―Arre, não pensei que
ele ia conseguir levantar depois de tomar quase um garrafão de cachaça.
E as coisas não
paravam de piorar. Entre os convidados, estava a mulher do delegado de polícia,
que se sentindo ofendida, telefonou para o marido. Em menos de uma hora,
estavam todos na delegacia.
Lá, Maria tentava
argumentar com o delegado. Explicou tudo o que ocorreu desde o início, e ele
até parecia disposto a escutar, mas Macedo tentou atalhar, e ofereceu uma parte
dos lucros do evento para o delegado. Resultado disso: todos presos.
No dia seguinte, recolhidos na cela da delegacia, Ziza
se lamentava e argumentava com os demais.
―Pois é. No fim das
contas, estragamos tudo. Mas, alguém sabe onde foi parar o Nestor, afinal?
―Abri o caixão e
empurrei ele pra dentro. ―Macedo respondeu, de cabeça baixa. ―Bêbado daquele
jeito, e pelado, só iria piorar as coisas. E tranquei, pra não ter problema
dele sair.
Dois meses depois, com
tudo mais calmo e todos em liberdade, mas respondendo processo, eles se
reuniram novamente na casa de Maria, para tentar retomar o clube de baralho.
Ziza e Macedo conversavam a um canto.
―Então, Macedo. Como
ficou a invasão da loja?
―Eles só vão cobrar os
prejuízos. Só queria entender como é que fomos nos enganar de andar! E invadir
justamente um sex shop. Falando nisso, eles estão cobrando algo esquisito.
Segundo eles, além das caixas com as velas, sumiram mais vinte vibradores,
chicotes e lingeries especiais.
Os dois se olharam e
riram, fazendo coro: “Loló”.
―E apesar de toda a
bagunça, os donos de funerária gostaram. Temos mais gente interessada no Chá de
Mortalha.
―Tudo bem, Macedo. Mas
vamos esquecer isso por enquanto. Só queria saber o porque daquela atriz
retirar todos os processos que nos acusou inicialmente.
―Você não sabe o que
aconteceu? O Nestor convenceu ela!
―E o que o Nestor tem
com isso, santo Deus?
―Bom, quando eu
empurrei ele para dentro do caixão e tranquei, nem reparei que ela estava lá
também. O fato é que eles tiveram uma noite, digamos, bem próxima e muito
inusitada. Vai saber o que aconteceu lá naquele caixão, não é?
Marcio Rutes
não copie sem autorização, mesmo dando os devidos créditos.
SEJA EDUCADO (A). SOLICITE AUTORIZAÇÃO.