sexta-feira, 17 de maio de 2013

NAS MÃOS, ALGUMAS FOLHAS E FLORES DE LAVANDA

Image by Google
Longo foi o caminho até aquele gramado. Talvez uma vida inteira. Mas ainda mais logo foi o percurso para que ele soubesse dele próprio o que esperava encontrar ali naquele jardim.

A primeira constatação era a de que não se tratava de um jardim, mas sim um misto entre árvores, flores, ervas aromáticas, plantas medicinais e comestíveis. Um quintal? No entanto, isso pouco importava. O que valia aos olhos era o gramado e quem estava ali repousando.

Os olhos, deitados para o infinito, eram calmos e acalentavam os versos de uma música ainda sem tons ou notas. As mãos, que ao contrário dos olhos se mostravam um tanto impacientes, buscavam proteção junto ao corpo e rebatiam o ar gelado da tarde. O sol pálido não era o suficiente para aquentar-lhe os dedos, mas ela gostava de ficar ali. A pele alva, avermelhada pelo gris que se instalava lentamente, dava um tom pueril àquela moça, como se fosse uma colegial que voltava correndo para casa, unicamente para se dedicar aos seus gibis ou algo assim, e com isso arfava e enrubescia a pele. E quer saber? Vê-la ali, para ele, era como materializar os sonhos de toda uma existência.

A tarde cedeu lugar à boca da noite, e com isso ela se recolheu para o quarto. Lá de baixo ele observava a janela, ou a réstia de luz que escapava por ela, e assim via sombras da moça se deslocando pelo cômodo. Por instantes ela veio até a sacada, e ficou ali por alguns segundos. Ele reparou o pijama que ela trajava, algo simples e num tom arroxeado, mas que lhe caia muito bem. A face, um tanto tristonha, ancorava uma beleza que só era roubada pelo detalhe dos cabelos repuxados para trás da orelha. E ele se deixou levitar pelo brilho que irradiava daquela sacada.

Ao se dar conta, ele estava diante dela, sendo arrastado por uma força desmedida e que o arrebatava. Não entendia como ela poderia estar nele, completa, sem ao menos conhecê-la de outros tempos. E assim, ele subiu para o segundo andar daquele olhar, e lá ficou.

Ela fechou a janela, deixando-o sem ao menos vê-lo. Mas sequer conseguiria, pois era o sonho dele, e não o dela. Alguns minutos depois, ela adormecia tranquila e com um leve e tímido sorriso, despontado no canto de sua boca. E sonhou também, transportando-se para o mesmo gramado em que ela passara a tarde. Lá no gramado, daquilo que não era quintal ou jardim, ela viu um rapaz olhando uma moça, ou melhor, ela viu um rapaz olhando para ela mesma, sentada serenamente na grama, sob o sol da tarde.

flor de lavanda - image by Google
Na manhã seguinte, logo ao fim da madrugada, o telefone toca e ele atende, já sabendo quem estava do outro lado da linha mesmo sem verificar o número. Era ela, ávida para contar do sonho que tivera. Ele apenas sorriu, e também relatou seu sonho, onde pode vê-la naquele gramado.

Sonho? Quem sabe algum dia alguém explique de onde ele buscava aquele perfume de lavanda que sempre amanhecia em suas mãos, logo após acordar de seus sonhos. Ela? Sempre antes de adormecer, ela segurava nas mãos algumas folhas e flores de lavanda.

Para alguns, possivelmente uma mera coincidência. Para outros, talvez um encontro de almas. Para eles, era uma junção de vidas e auras, num re-encontro de uma amizade selada pelo tempo e pelo vento. Um re-encontro de um sentimento que jamais será separado, seja por forças naturais ou não. Amizade eterna não se rende ao destino, jamais.


Marcio JR
(Marcio Rutes)

Um comentário:

  1. Há lavandas por aqui, por toda parte. Há um colorido lilaseando a íris de um bem querer já instalado que se motiva num abraço, num sorriso, num bem estar de alma, de carinho... Num caminho florido.

    Todo gramado há de ser, querido, um lugar mágico, um lar e se fazer (c)asa, deixando a imaginação se transportar pra onde o coração mais quiser ser ancorado, mas quiser morar. Um lugar há de ser verde de esperanças, de novas colheitas, de ventos vindouros. De perfume e de paz. Esse lugar é antes de qualquer outro, o de dentro. E quer saber? esse lugar pode ser mesmo é de qualquer cor. Desde que tenha amor, que tenha flor, pitadinhas de dor que sabemos, são necessárias.

    Há ainda sabedoria em cada trilhar, em cada aconchego que os olhos deslizam sem pressa, como quem tece aquela prece guardada por entre as mãos, como flor de Lavanda. Lavândula, Lavare. Lavar a alma, despir com calma, gestos de simplicidade.

    Há sim, ainda uma (e)ternidade em descampados, em versos inversos como broto de terra germinando num espaço de se acontecer (a)diante da sua própria estação interna. Há resquícios canforados nas mãos pequenas e singelas daqueles que não se intimidam, que não se trincam sem se recompor depois.

    E que sorte a dessa moça por ser acompanhada de anjos! De anjo vestido de gente, de abrigo, de amigo, de abraço sem frio, de riso sem fim. De luz vinda dos olhos de quem a conduz, de quem a reluz o dia num arco íris disfarçado de escorregador. Escorregar a dor, recompor o ser. Ser, apenas. Apenas ser.

    Beijo na alma, querido meu.
    Sam

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