sexta-feira, 29 de junho de 2012

TEMPOS MODERNOS – O ARREPENDIMENTO DE JACOB


Lincoln Continental 1961 - by Google

A secretária, com aspecto entristecido, entrou no escritório para dizer adeus ao patrão. Ela, uma senhora de seus bons 50 anos de idade, trabalhara ali por toda uma vida. Viu o patrão, Jacob, levar aquela distribuidora de cereais a se transformar em uma das maiores exportadoras de alimentos enlatados e grãos do estado de Goiás.

Ela era apenas uma menina de 15 anos quando foi contratada pela cerealista. Começou na faxina, e com paciência e dedicação, logo estava no escritório, lado a lado com a chefia. E agora, chegava o momento de se despedir não de um patrão, mas de um amigo. Ficou ali, olhando e lembrando a trajetória de vida daquele homem.

Jacob herdara do pai tanto o ofício de comerciário quanto a empresa, que já detinha boa carteira de clientes, e não decepcionou. Ele era conhecido como um patrão austero e exigente, mas era acima de tudo justo e íntegro e não se fazia de rogado ou preguiçoso. Arregaçava as mangas e ia para o pátio sempre que era necessário. Trabalhava lado a lado com os serventes na carga e descarga dos caminhões, e com isso, adquiriu o respeito máximo de todos naquela empresa.

Jacob era tradicionalista ao extremo. Detestava tecnologia e, se possível, vivia enfurnado entre as quinquilharias que adquirira no correr de seus 70 anos de vida. Mantinha em sua empresa o departamento de “guarda-livros”, e por muito pouco não obrigava esses profissionais a utilizar caneta-tinteiro e mata-borrão. Pura birra. Seu automóvel, um Lincoln Continental 1961 original, era seu xodó, e em cada fim de semana, ele ia com seu carro brilhoso ao barbeiro e ao alfaiate.

Mas Jacob teve dois filhos, e estes ele não conseguiu educar em sua rotina tradicionalista. Hoje, Jacob se surpreende com a facilidade que eles possuem em ter tudo de forma imediata e integral. Informações que ele, Jacob, levaria semanas para levantar quando iniciou sua vida profissional, os filhos conseguiam com meros cliques num teclado de celular ou de computador. Mas Jacob se mantinha irresoluto. Fazia as coisas do jeito que sabia e, principalmente, de forma segura. Os filhos que ficassem com seus investimentos na bolsa e suas especulações em outras áreas financeiras. Para o pai, o que os filhos faziam era, além de arriscado, um jeito preguiçoso de ganhar dinheiro, e ele não gostava nada daquilo.

No entanto, dizem que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. E um dia, furou mesmo. Os filhos perturbaram tanto ao velho pai, que ele cedeu à pressão. Automatizou parte da empresa, comprou computadores, contratou funcionários especializados e conhecedores de modernidades, demitiu, contra sua vontade, parte dos funcionários e, mesmo a contragosto, adquiriu um telefone celular. Os lucros aumentaram e Jacob teve que admitir que aquilo não era algo tão ruim. O empresário passou a deixar parte dos lucros a cargo dos filhos, para investimentos na bolsa e em outras áreas que eles tão bem dominavam com suas tecnologias. E assim, Jacob passou a ser um investidor moderno, com presença até na bolsa de Nova Iorque.

Certo dia, Jacob foi pego de surpresa com o pedido de um dos filhos. Uma empresa em Taiwan iria lançar um equipamento extra-hiper-super moderno, e o filho queria investir 2 milhões de dólares na empresa. E a discussão começou.

—O que essa empresa produz?

—Não é o que eles produzem, pai, e sim a rentabilidade das ações, que irão subir muito. Compramos as ações agora, por preço baixo, e vendemos depois.

—Sei. Especulação. E cadê seu irmão? Mandei ele até a Central de Distribuição para levar uma ordem de compra de milho. Quero adquirir todo o estoque possível, pois a janela de exportação vai abrir, e não quero ficar sem sementes justo agora.

—Ele não precisou ir até lá. Os tempos são outros, e não necessitamos mais gastar tempo com deslocamentos e salas de espera. Ele fez tudo pelo novo sistema eletrônico de compra de um grande site de vendas. Eles são o que há de mais moderno na internet e reúnem tudo num mesmo lugar. Fácil, prático e seguro.

—Ah! Que mania que vocês têm de fazer tudo por essas máquinas. O que aconteceu com o olho-no-olho? Tá. Investe esse dinheiro. Mas, cuidado com o que você anda fazendo. Todo nosso dinheiro tá nesses investimentos.

Alguns dias depois, Jacob foi novamente surpreendido pelos filhos. Só que agora, a euforia que eles sempre mantinham não era por boa coisa.

—O que foi? —Jacob sentiu uma leve coceira na orelha, o que, para ele, não era um bom sinal.

—Pai. Lembra daquele dinheiro que eu iria investir na empresa de Taiwan?

—Como assim, iria investir? O que aconteceu?

—Bom... quando autorizei a ordem de saque, alguém me roubou. —o filho falava em voz baixa, completamente apavorado.

—De que forma? E o gerente do banco? A segurança?

—Não é isso, pai. Autorizei pelo IPhone. Os bancos eletrônicos são modernos e seguros, mas alguém deve ter “grampeado” a linha. Roubaram a senha da conta e limparam tudo.

—Modernos e seguros? Você chama isso de seguro? —inconformado, Jacob olhava atônito para o filho. —Quanto nós perdemos?

—Tudo. Estamos sem um centavo no banco.

Jacob sentou e enrubesceu. Como aquilo era possível? Durante décadas, o gerente de suas contas é que ia até sua empresa. Tudo seguro e nos conformes. E agora, querem fazer tudo por máquinas frias. Mas Jacob ainda iria se irritar muito mais, e isso aconteceu no exato momento em que ele olhou para seu outro filho, que mantinha a cabeça baixa e as mãos trêmulas.

—Não me diga que você também foi “roubado” pelo telefone? —Jacob fitava o filho e temia pela resposta.

—Não, pai. Mas aquela ordem de compra do milho que fiz pelo sistema eletrônico...

—Tá. O que tem ela? Cadê o milho?

—É que o sistema eletrônico concentra uma série de empresas de setores diferentes. E na correria, errei os códigos. Mas tá tudo bem. A mercadoria está aí embaixo, pronta para ser descarregada.

—Você errou os códigos? Quais códigos? Qual é a mercadoria que está aí embaixo?

—Quarenta e cinco carretas carregadas de...

O filho estaqueou e olhou tanto para o pai quanto para o irmão. Durante alguns segundos, o silêncio foi aterrador, e antecipava algo que o velho Jacob já sabia que não seria bom.

—Carregadas do quê? Fala logo.

—Comadres.

comadre - by Google
Jacob ficou arfante, e por muito pouco não foi acometido por um infarto. Olhava para os filhos e não acreditava naquilo tudo que ouvia.

—O que são “comadres”? —um dos irmãos questionou, como se não ligasse muito para a complexidade da situação. —Comadres não são mulheres que batizam filhos umas das outras?

—Não. Que besteira. Comadres são penicos.

—Que merda você fez, hein!

—Vocês dois, calem a boca. Já terminaram de bombardear seu velho pai, ou tem mais alguma coisa que tenha acontecido e que vocês ainda não me contaram?

—Ah! Tem sim, pai. A mamãe foi embora com aquele ex namorado, que ela achava que tinha morrido antes de conhecer o senhor.

—O que? Como assim? Aquele salafrário e conquistador barato desapareceu faz mais de 50 anos. Eu sempre soube que ela era apaixonada por aquele homem e que perdia a noção das coisas quando ele se aproximava, mas achávamos que ele estava muito bem morto e enterrado.

—Pois é, pai. Mas ele não morreu e eles se reencontraram.

—Que inferno. —Jacob esmoreceu definitivamente. —E como isso aconteceu?

—Bom. Nós achávamos que ela precisava distrair um pouco a cabeça, e ensinamos ela a mexer nas “redes sociais”. Sabe como é, né! Facebook, Par Perfeito... hoje cedo, encontramos o computador dela ligado e uma mensagem de e-mail do ex-falecido pra ela. Olha só a mensagem:

O filho esticou o braço e entregou uma folha de papel com algumas coisas escritas ao pai. Ele, nitidamente trêmulo e reticente, trouxe lentamente o papel até próximo aos olhos e empalideceu de vez. Entregou novamente o papel ao filho e, nervoso, pediu que a mensagem fosse lida em voz alta.

“Para: Zuzu_fogosa@hotmail.com
De: Coroa_enxuto@yahoo.com.br

Zuzú, minha deusa. Teu retorno na minha vida me deu uma sorte danada. Vendi todo o estoque encalhado da minha fábrica para algum idiota.
Agora, com dinheiro no bolso, podemos fugir para algum lugar.
Beijos, minha totosa linda.”

—É muito para meu pobre coração. —Jacob pronunciava as palavras e olhava incrédulo para os filhos. —Afinal de contas, o que esse ex-defunto fabricava?

O filho mais novo olhou para o pai e, sem piedade alguma, arrematou.

—Comadres, papai. Ele fabricava penicos.

Marcio JR

15 comentários:

  1. Gostei do seu texto achei muito interessante! boa noite e beijos em seu coração..

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  2. rssssssssssssssssssss....Tu és danadinho mesmo!!Adorei e quanta imaginação.Muito legal te ler e essas embrulhadas todas podem acontecer... abração, adorei!!chica

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  3. kkkkk Maravilhoso texto, que nos faz e re fletir, os tempos estão bem diferentes mesmo :)
    Tenha um abençoado fim-de-semana. Abraços!

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  4. kkkkkkkkkk PQP! Me perdoe a palavra, mas esse bilhetinho aí foi Fo.a! rsrs

    Ahhhhh Marcitcho tcho tcho, você consegue! Sempre consegue estampar sorrisos, gargalhadas no rosto das pessoas e no meu caso, é só eu olhar pra tua cara de traquina que já começo a rir e sei que já está prestes a aprontar como um menino arteiro que é. rs

    Mas coitado desse Jacob. ô homem cagado hein rs. Dá-lhe comadres! hehe

    Te adoro Marcitoooo. Beijocas Muahhhh
    Até mais.
    Sam.

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  5. Meu amigo Márcio, você tem abordado com extrema lucidez este tema sobre os tempos modernos, com a devida seriedade que tema merece, mas igualmente bem humorado, o que dá leveza ao texto e o torna uma agradável leitura. É bem verdade que o perfil destes personagens representa bem a realidade dos dois lados da modernidade: de um, a representação de perigos iminente a que se expõem os usuários na web, sem os devidos cuidados e conhecimento; do outro, a facilidade que estes meios nos oferecem, em tempos que "o tempo" é moeda valiosa e as pessoas passam a supervalorizá-lo. Seu texto mostra uma síntese de todo este processo de uma forma clara e convidativa a outras reflexões. Excelente!

    Meu querido amigo, um grande abraço e que você tenha um felicíssimo fim de semana e creio eu que um bom início de férias escolares.
    Celêdian

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  6. concordo com a Samara sobre o bilhetinho... hahaha

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... primeiro eu preciso lhe dizer que comecei a ler o texto e ficar com o coração apreensivo, pois imaginei que esses filhos iriam dar dor de cabeça ao "véio" JAcob, com esse jeito imediatista deles!

    Pô, sacanagem!!!! Adorei a super pitada de bom humor, MArcio!

    Sobre seu comentário lá no Umas e outras, sobre as férias... eu ri! rsrsrsrsrsrsrs..... Marcio, pelo menos vc pode dizer que vai descansar um cadim! rsrsrsr... eu ri do "meia férias"! Tá valendo! Lembro-me quando fiz faculdade. É muito desgastante e, com certeza, uma pausa é importante!

    Então vc trabalha por conta própria?! Penso que deve ser mais complicado ainda, pois tudo depende unica e somente de vc!

    Olha, em relação ao trabalho de professor, vc tem toda razão. Mas, confesso que prometi não ficar fazendo as coisas da escola no período de férias, pois, estou estafada e preciso me afastar das preocupações escolares por um tempo! Deixarei para fazer isso na última semaninha... qdo estiver com as energias recarregadas!!!

    Desejo que suas "meia férias" sejam muito boas!

    Sobre a blogagem coletiva, fiquei super receosa de entrar, pois não sou a pessoa mais indicada para falar sobre a temática "espiritualidade"... digamos que eu tenha uma visão diferente do "aceito"! Mas, como adoro um desafio, topei! rs

    Desculpe minha ausência.... final de semestre é uma louuucura na escola! Mas, agora estou de férias e, com isso, podendo blogar à vontade! rs

    bjks :) JoicySorciere => CLIQUE => Blog Umas e outras...

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  9. Marcio, Marcio!
    Quem muito dinheiro quer nada tem.
    Ou será que só comadres tem?
    Sensacional!
    Só você mesmo.
    Um ótimo domingão para ti.
    abração com carinho

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  10. KKK...Coitado do Jacob!Tão precavido a vida toda e foi ludibriado no final pela modernidade!Um conto inteligente e divertido,Marcio!bjs e bom domingo!

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  11. Hahahahaha! Matou a pau, Márcio. Esse negócio de ir com muita sede ao pote, acompnhando as ondas de novidades tecnológicas só porque é "moderno" nem sempre é o mais indicado. Para quem está acostumado com "o fio do bigode" dar um salto desse tamanho, o tombo poder ser proporcional. E foi. hahahaha!

    Me fez lembrar de uma loja lá onde morei em outra cidade de Minas (chamava-se TEM TUDO). No dia em que o dono resolveu passar a gerência para os dois filhos, quase faliu em menos de seis meses. Sorte é que ele ficava lá uma boa parte dos dias e retomou o comando em tempo. Mas não adiantou muito: foi só ele falecer e a loja quebrou rapidamente. Eles sabiam de todas as manhas de "novas tecnologias" e facilidades mas tinham um pequeno probleminha: não gostavam de trabalhar.

    Muito bom, meu amig. Abraço grande e ótima semana.

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  12. Meu querido Marcio, à primeira leitura, esta sua crônica me fez rir. E isso se deu por causa do hilário de certas situações que, magistralmente, construíste. A tua veia de "contador de casos" transparece nas entrelinhas e, mais que em filigrana, ela surge nesta maneira incomparável que tens de tecer uma trama, por mais trivial que possa esta parecer. Dei boas risadas, meu amigo.

    Porém, na segunda leitura (e sempre em "tempo papel", não "tempo internet"! *rs) o hilário desbotou-se e se fez sério. Pensei na triste realidade de certos bens de família, conseguidos através de tanto trabalho e a abnegação de anos e anos, e que partiram em fumaça em pouco tempo devido à má gestão dos herdeiros. Esta história me toca, particularmente. Uma realidade que jamais cessou de acontecer, não importa a sociedade em que esta se insere. Mas, é a lei da existência, e com ela nos chega também o precioso exemplo da impermanência de tudo que é material neste mundo. Tudo passa e mesmo nós passaremos, esta é a maior certeza que temos nesta vida. Logo, o apêgo ao efêmero, ao que é ilusório não nos trará alegrias eternas.

    Os teus textos, meu irmão, como de hábito, às vezes nos fazem rir; outras nos arrebatam pela emoção; outras ainda pelo lirismo quase mágico que contêm; porém sempre eles nos deixarão a marca indelével da tua bela escrita e a sabedoria de tuas palavras. E isso é o maior deleite para todos aqueles que, como eu, vêm aqui haurir de tuas belas e sábias letras.

    Marcio, meu amigo, meu tempo, infelizmente, se faz escasso. É verão aqui e, às atividades normais de trabalho, adicionam-se ainda as pequenas viagens, os passeios, necessários para poder vivenciar sol e o efêmero verde desta estação. É quando minhas letras entram de férias, e só aparecem muito esporadicamente. Mas, sempre que puder, eu estarei passando por aqui para desfrutar de tuas magistrais crônicas, que tanto gosto e admiro, querido amigo. Parabéns!

    Meu forte abraço, uma bela semana, e muita saúde.

    André

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  13. Marcinho,
    Poxa, desgraçaram o Jacob de vez!! Fiquei com dó do coitado....
    Sessão do descarrego nele!!! kkkkk
    Smackkkk!!! Adorei!!!!

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  14. Marcio meu amigo, voce deu um show em cronica.Quando finalizou procurei a assinatura de Verissimo pensando numa homenagem.Ficou fantastica.O mundo avança,mas os tropeções ainda estão presentes como aramadilhas.Juro que pensei que a mulher teria fugido no Lincoln 61,que seria o fim do Jacob.Parabens amigo, bela criatividade com riqueza de informação e critica nas entrelinhas desta evolução da infomação.
    Meu terno abraço.

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  15. Marcio

    Esta crônica é demais da conta, de primeira linha. Vim aqui através do blog do Toninho, quando fui fazer o comentário lá.
    Ainda bem que ninguém subtraiu o Lincoln 61.Tenho um vizinho que está sempre restaurando carros antigos. Estes carros me fascinam como o que está na sua foto.
    Parabéns. És um cronista sensacional.
    Um abraço.

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