sábado, 26 de maio de 2012

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DA DINAMARCA


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A pressa, muitas vezes, é inimiga de todos os atos, e quando aliada aos maus costumes, é ainda pior. Naquele prédio, chamado Reino da Dinamarca, parecia que todos tinham o péssimo hábito de apertar os dois botões de espera do elevador, independente para onde fossem. Quando a porta do elevador abria, pouco importava seu trajeto, e todos se enfiavam para dentro. O resultado era mais demora, e muita reclamação quando alguém entrava e constatava o trajeto contrário daquele que era pretendido. Porém, todos os moradores ostentavam certo status, nem sempre verdadeiro, mas ostentavam. E assim, fingiam que nada viam e viviam, alimentando-se meramente de aparências.

Certa feita, o elevador parara no 15º andar e, como sempre, sacolejou um pouco. Ninguém deu atenção, e mais alguém entrou. Estavam, àquela altura, em 5 no mesmo ambiente, e todos faziam aquele semblante de quem olha uma paisagem, ou seja, miravam a tudo e fingiam não enxergar nada, apenas deixando o olhar se perder pelo horizonte. Na descida, outro sacolejo, e dona Emma, senhora de seus bem vividos 85 anos, suspirou.

--Só falta enguiçar! --ela comentou, como se antevisse o feito.

Cinco segundos depois, um sacolejo maior e, bruscamente, o elevador parou. Dona Camélia, vizinha de dona Emma, blasfemou imediatamente.

--Pago esse condomínio para compartilhar espaços com essas bocas de sapo. --fazendo clara referência à dona Emma em seu presságio.

--Gente, não vamos brigar! Já, já tudo volta ao normal. --Guilherme, um janota de brechó e com sorriso amarelado, emendou rapidamente. --Este elevador é seguro. Eu garanto.

Antes, nada tivesse dito. Bastou a frase ser proferida, e as lâmpadas se apagaram.

--Meu Jesus! Hecatombe!

--Quem falou essa asneira? --Dona Emma perguntou, como se sentisse indignação pela ignorância que ouvira.

--Foi a Jandira! --a resposta, em voz masculina, veio do fundo do elevador. --Ela só sabe falar do “fim do mundo Maia”!

--Tinha que ser essa oxigenada! --Dona Camélia completou, em tom zombeteiro. --E você deve ser o traste do marido dela, que só sabe pagar as contas dessa perua descabida e mal vestida! Tá aí, com esse micro-vestido e acha que está trajada. Despudorada.

--Mais educação, gente! Se não podemos conviver harmoniosamente lá fora, ao menos aqui vamos manter o respeito até que alguém venha em socorro. --tornou o janota, querendo amainar os ânimos.

--Eca! Que cheiro é esse? --Jandira perguntou e segurou no braço daquele que ela pensava ser o marido. --To com medo, morzim. Não gostei do barulho deste cheiro.

--Jandira! Cheiro não faz barulho! E seu marido está para o outro lado. Eu sou o Guilherme. Mas, que este cheiro está horrível, isso está! Que foi isso, afinal?

--Foi essa desenxabida da Camélia. Deve ter almoçado batata-doce e soltou um pum! --Dona Emma emendou rapidamente, num tom maldoso.

--Não solto pum. Sou chique. Eu flatulei.

Novo ruído, agora estridente, tomou o ambiente, e foi seguido de outro sacolejo, o que ouriçou ainda mais aos pobres náufragos do elevador. Repentinamente, todos ficaram em silêncio, e um silvo recortado e repetido se fez ouvir.

--Ecaaa.  E agora? Esse maldito cheiro de novo, e fez barulho, seu Guilherme. Viu como cheiro faz barulho? --Jandira comentou, quase berrando aos ouvidos do homem que estava ao seu lado.

--Jandira, meu amor. O Guilherme está do outro lado. Eu sou o seu marido. Não precisa gritar, pois está escuro, e isso não diminui minha capacidade auditiva. Mas, honestamente, você está com a razão. Dona Camélia, por favor!

--Não foi ela, fui eu! --Dona Emma respondeu, tomando as dores da outra senhora. --To nervosa, e quando to assim, meus intestinos entram em pânico. E qual é o problema? Vou fazer de conta que o senhor nunca peidou pela vida afora.

--Aaaiiii! Quem me bateu? --o janota berrou, nitidamente descontente e irritado.

--Fui eu, seu tarado! --Dona Camélia também berrou. --Que história é essa de apalpar meus seios?

--Não apalpei seio nenhum! Só queria apertar os botões do painel, sua maluca! E me bateu com o que, afinal? Com um cacetête?

--Não. Com meu bastão retrátil de metal, de 60 centímetros de haste. Mas para tarados, tenho outra coisinha aqui. Quer ver?

Uma faísca azul iluminou todo o ambiente, e veio acompanhada de um barulho esquisito, imitando uma descarga elétrica. A gritaria foi geral, e quando a luz azul cessou, o que se escutou foi o estatelar de alguém ao chão.

--Gostou do meu choque elétrico, seu mauricinho de quinta categoria?

--Dona Caméliaaaa! Foi o meu marido que a senhora estrebuchou. Ele enfarlicou, e nem um suspiro o tadinho soltou. A senhora matou ele! --Jandira reclamou, meio soluçante.

--Errei? Não tem problema. Tem mais um pouco de carga. Vem cá, seu traste, que vou te mostrar a não abusar mais de velhinhas indefesas! Cadê você?

O ambiente iluminou-se novamente num tom azulado, mas desta vez, ninguém gritou.

--Errou novamente, sua maluca! --o janota respondeu, em tom zombeteiro.

--Mas acertei alguém! Quem foi? --Dona Camélia mostrou-se reticente.

--Ah! Não! Quem soltou esse pum agora? --Jandira perguntou, recuperando-se do susto anterior.

--Acertei a Emma! E meu Deus! Que cheiro de peixe podre é esse? Ela peidou de novo! Tudo culpa sua, seu tarado. Vem cá, que tenho mais um presentinho pra você!

--O que a senhora vai fazer agora? Tá maluca?

Diante da dúvida sobre o que Dona Camélia faria, o janota tentou sair para o lado e tropeçou, caindo e enroscando-se ao vestido de Jandira, que por ser pequeno e preso apenas na altura dos seios, foi basicamente arrancado do corpo da moça. Ela, agora nua e tentando se abaixar para socorrer o marido, desesperou-se ao perceber que alguém arrancara sua única peça de roupa. Sem saber o que fazer, apalpou o chão e agarrou-se à roupa de Dona Camélia, puxando com toda a força, mas voltou ao chão.

--Você está aí, seu tarado? Quer arrancar minha saia, é? Vou te mostrar a não abusar de uma donzela meio virgem! Toma! --Dona Camélia também se desesperou, sem saber ao certo o que acontecia.

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Novo barulho, agora parecendo um spray ou algo do gênero. Em instantes, o ambiente foi tomado por uma nuvem extremamente ardida aos olhos, o que fez Jandira puxar ainda mais a saia de dona Camélia para baixo, até quase tirá-la. Dona Camélia não entendeu o que estava acontecendo e desequilibrou-se, sentando-se e espirrando novamente aquele líquido. Jandira levantou e levou com ela a saia da senhora idosa, enquanto o janota protegia o rosto com o vestido da moça.

--Que inferno foi esse que você espirrou, sua velha doida? --o janota perguntou, arfante e tentando limpar o rosto.

--Spray de pimenta. E devolve minha saia, seu tarado, que eu saí desprevenida da cintura pra baixo.

--Não peguei sua saia. Tá maluca? To com um pano na mão, que nem sei o que é!

--É meu vestido, seu tarado! E me devolve, que também to sem nada por baixo. To peladinha aqui! --Jandira suplicou, tateando as pernas de dona Camélia.

O reboliço foi geral e ninguém se entendia. E também pouco notaram que, lentamente, o elevador descia até o térreo.

Lá embaixo, Emanuel, o porteiro, já esperava o elevador com as portas externas abertas, e quando ele chegou, o que se viu foi algo inusitado.

--Pela madrugada. O que é isso? --questionou o porteiro, que, de posse de seu telefone celular de última geração, filmava a tudo o que via.

No hall de entrada, várias pessoas também estavam boquiabertas. Dentro do elevador, o gás de pimenta ainda forçava seus ocupantes a manter os olhos fechados pela ardência.

Jandira estava completamente nua. O janota, com o vestido de Jandira aos olhos, dava a impressão de que cheirava o vestido da moça, e ela, com os olhos e a boca ardendo, passava a saia de dona Camélia pela boca, tentando eliminar o gás de pimenta que a incomodava. A moça, querendo se por em pé, segurava agora as pernas do janota.

Ao chão, o marido de Jandira, ainda desmaiado e estatelado, estava  com a boca bem próxima à boca de dona Emma, que se mantinha deitada de barriga para baixo. O detalhe que mais chamou a atenção de todos, no entanto, foi justamente a situação de dona Camélia, que além de se encontrar nua da cintura para baixo, ainda esfregava o rosto em algum tecido para tentar, assim, limpar o gás de pimenta dos olhos. E o primeiro lugar que ela encontrou, diante de seu desespero, foi o tecido da saia que cobria as nádegas de dona Emma.

O murmúrio contagiou a todos, mas foi imediatamente contido por um barulho estranho, como um silvo que se repetia de forma entrecortada. E logo, alguém professou em alto e bom tom.

--Camélia, minha véia. Não bastasse a pouca vergonha de eu descobrir que você é sapatão, vocês ainda poluem o ambiente com esse cheiro de gambá bêbado! Ecaaaaa. Quem comeu batata-doce?

No dia seguinte, uma nota enorme no jornal chamou a atenção do porteiro do prédio.

SIM, HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DA DINAMARCA*.




*Príncipe Hamlet, em Hamlet, de William Shakespeare.


Marcio JR

17 comentários:

  1. kkkkkkkkkkk seu danado!

    Marcitcho! Adoreiii, como adoro tudo o que você faz, o que escreve.

    Adoro esse seu jeito de nos fazer ficar e ficar, de nos prender a atenção, nos trazer a instigação, a curiosidade e como sempre... fazer nascer o riso.

    Divirto-me muito com tuas histórias, meu querido.

    Ahhhhhhh e há tantos Dinamarqueses por aqui kkkk

    Beijos querido meu!

    Sam.

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  2. Ah Márcio, dei boas e sonoras gargalhadas, você é mesmo incrível, com este humor impagável. As imagens da cena hilária que você produziu e a excelente condução do texto, tornaram-se reais para quem o lê e é impossível não acompanhar linha a linha, até o desfecho.

    Muito bom mesmo, meu amigo querido.
    Um grande abraço e um excelente fim de semana para você.
    Celêdian

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  3. Quase morri de rir aqui, Márcio.Que confusão!!!Esse é o mundo em que vivemos...

    Beijinhos.

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  4. Ontem à noite tinha visto entrar, mas salvei pra poder degustar. Fiz muito bem, pois as risadas que dei foram ótimas.

    Tu és sensacional e deu pra ver o furdunço dentro do elevador,.,rsrs Credo! Que riqueza de detalhes,rsrs

    A-DO-REI!!! abração e obrigado pelos carinhos todos , és um amigão! Linda semana,chica

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  5. Engraçado que isto pode acontecer todos os dias amigo e voce como cronista nato,fez um belo trabalho desta coisa do cotidiano.Humor perfeito com todos os ingredientes de um edificio e seus membros com suas historias.

    Uma boa semana a voce MArcio.
    Meu abraço de paz e luz.

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  6. Marcio,morri de rir com sua cronica!Parecem até os moradores aqui do meu condominio!...rss...Excelente e divertida história e postei uma das suas no Recanto tb essa semana!bjs e meu carinho,

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  7. Ouvi certa vez de uma "celebridade" com ares de filósofa que
    " a intimidade demais gera gravidez ou desrespeito." E esse último é o caso aqui, muito bem retratado pela sua pena galhofeira, Márcio. Diversão garantida que me fez lembrar o Ed. Maletta, onde morei nos tempos de república estudantil em BH. Era mais ou menos assim por lá. Ótimo começo de semana você me proporcinou e desejo-lhe o mesmo também, meu amigo. Grande abraço. Paz e bem.

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  8. HAHAHA! Ri muito da sua crônica, fiquei imaginando toda a cena e a cara do porteiro quando viu aquela situação, adoreiiiiiii.., muito boa!

    Boa Semana.. bjsss

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  9. Olá Marcio,

    Segui seu rastro lá do blog do Mineiro...
    Pensa numa seguidora de numero 222... SOU EU!!! rsrsrs

    Pois bem, gostei do que vi até agora e vou voltar!

    bjsss meusss

    CAtita

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  10. Meu amigo o que é isso?
    kkkkkkkkkk!
    Simplesmente hilário!
    Muito bom começar o dia rindo muito.
    Mais uma, mais uma, mais uma,hehe.
    uma ótima semana para ti.
    um grande abraço com carinho

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  11. Ah, esqueci!
    Voltei só para passar a energia positiva para sarar a gripe,hehe.
    Te cuida moço.
    abração

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  12. Meu carísimo Marcio, sua saborosa crônica me fez dar boas risadas, tanto pela narração, magistralmente conduzida, como pelo inusitado da situação. Terrível situação, por sinal. Apavorante. Aliás, sua imaginação esses tempos, se me permito dizer, evolue em seu zênite, tal a pluralidade de quadros bem-humorados, líricos ou de bela sabedoria com os quais tem nos dado a ler.

    Efectivamente, meu irmão, maus vizinhos é um problema universal, não há como escapar. A solução, falava eu para uma amiga outro dia, é virar eremita e ir para as montanhas. Dar uma de Daniel Monge, por exemplo! *rs mas, mesmo assim, correndo o risco de que, com a densidade populacional planetária crescendo em escala trigonométrica, venha um dia o eremita se acordar cercado de uma multidão de outros "eremitas", e com eles todos os problemas de vizinhança de volta!

    O ritmo que você imprimiu à sua crônica, meu querido Marcio, é dos melhores do gênero, honestamente. Bravo! Impossível também de deixar de perceber, por trás dessa quase comédia de modos que esboçou, a sensibilidade do observador psicológico de tipos humanos que é você, amigo. Tudo está lá: os linguajares específicos, a escolha de tipos, as reações de cada um, sem contar, é claro, o burlesco de certas situações. Totalmente verosímil.

    Além do aspecto cômico, o seu texto remete igualmente o leitor a uma reflexão crítica. Poderemos sempre indagar sobre o quanto frágil é o ser humano em seus hábitos e idiossincrasias, em sua visão curta de beato de vilarejo. O paralelo que estabeleceu com o príncipe louco de Shakespeare também não é gratuito, quero crer. It's a mad world, meu bom amigo, e, de forma sutil porém magistral, a sua crônica nos deixa isso bem claro.

    Obrigado pela sua amizade e atenção, estou de volta, tudo correu bem e penso que terei dias melhores daqui pra frente. Para continuar vindo aqui para ler suas letras, belas letras.

    Um forte abraço, muita saúde, Marcio.

    André

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  13. Marcio,hoje passei para reler sua cronica e espero que esteja melhor da virose!Semana passada tb não andei bem!É a idade do condor,meu amigo!...rss...bjs e boa semana!

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  14. Olá Marcio,

    Espero que vc esteja melhor de saúde.

    Sua crônica é hilária, flagrantes da vida real. Fui lendo e me lembrando de uma outra crônica, uma das primeiras que vc escreveu ainda no RL, de duas mulheres em uma loja chique brigando pelo mesmo acessório. Escrever assim é mesmo um dom, e como isso parece fácil para você..

    Um abraço amigo, e continue melhorando de saúde no ritmo como tem escrito suas crônicas.

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  15. Maninho como você está? Ficou bem?
    Também não estava lá estas coisas, aperna inflamou e minha mãe Cris veio ficar comigo também.Mas agora estou melhor.Segunda feira volto a ativa graças a Deus.

    Risos...
    Meu Deus do céu maninho, quer me matar de rir é?
    Menino que criatividade hem? Risos...
    Esse reino parecia a torre de Babel rsrsrs.
    Seu texto está bem narrado e bem humorado, não há como não amar tua escrita Marcio.

    Beijão e se cuida viu?

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  16. Ai, vou confessar... Nem li o texto! uahahaha. Vim mais pra te dar um Oizão!! E dizer que é sempre bom saber que vc está aí em algum lugar. Abraços querido Marcio.

    ps* depois volto para ler com calma.

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  17. esse é o marcio... doido até o fim

    curti muito mano

    Abraço!

    D.Canes

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