domingo, 8 de maio de 2011

RETALHOS

Geada em Curitiba / image by Google
Existem três coisas que geram um fascínio automático em minha mente: um sorriso qualquer pela manhã, um par de olhos curiosos e a palavra “saudade”. 

Era um inverno rigoroso, e minha mãe, que sempre gostou de acordar antes do sol nascer, me chamava muito cedo para ir à escola. Não era muito longe de casa e, após o parco café da manhã, saíamos eu e minha irmã, cada um com seus poucos cadernos e com as mínimas roupas de frio que tínhamos. O calçado fino me faz lembrar até hoje do chão gelado e da sensação horrível e dolorosa que isso trazia. Essas lembranças faziam par com o vento frio que nos cortava o rosto, resultante das geadas que deixavam tudo branco e com um aspecto belo, mesmo sendo terrível de se aguentar. No meio da caminhada, surgiam do horizonte aqueles filetes de sol, que mais pareciam mágicos, misturando-se ao vapor que saia de nossas bocas quando respirávamos. Adiante, mais e mais crianças se juntavam a nós, e ao nos darmos conta, éramos muitos.

image by Google
Próximo à escola, sempre reparava uma senhora, já bem velha, sentada numa cadeira, quase fora de seu portão. Ela pouco se importava com o frio, e durante anos esteve ali, com sua face amarrotada e castigada pelo tempo. Seu cabelo estava sempre preso, e era esplendidamente branco, um verdadeiro algodão. Quando passávamos, ela nos mirava, calma, e nos seguia apenas com aquele par de olhos curiosos. Ela sabia que na volta, passaríamos por ali e, como se ela não soubesse, pegaríamos escondidos algumas frutas de seu pomar. Ela sempre via, mas nunca nos reprimiu ou negou uma daquelas frutas.

Pessegueiro / image by Google
Hoje, ao passar nesse mesmo lugar, a nostalgia me tomou. Senti saudades daquele frio nos pés, por mais cortante que ele fosse, e dos raios de sol secando o orvalho ou derretendo a geada. As árvores frutíferas não estão mais lá, sequer a casa está. Fiquei lá parado por alguns minutos, observando, até que veio em minha mente uma imagem daquela senhora. Lá estava ela, novamente, me olhando com aquele par de olhos curiosos. E é engraçado, pois foi somente hoje que lembrei da única vez em que a vi sorrindo. Foi numa manhã, a única em que fui à escola sozinho. Ao passar naquele lugar, ela mirou-me diretamente nos olhos e soltou aquele singelo sorriso. E então, naquela mesma noite, ela se foi.

Muita coisa aconteceu desde então, coisas boas e ruins. Mas é engraçado que são coisas tão simples, como essas acima, que nos marcam por toda uma vida.



Marcio JR

21 comentários:

  1. Geralmente percebemos a beleza dos eventos mais marcantes (frequentemente os mais simples)quando muito tempo já passou, não é?
    Bela narrativa, meu amigo!
    Postei sobre saudade hoje também. Somos um somatório delas, Márcio!
    Bjo e paz, querido.

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  2. Você sempre me emociona.Linda história.

    Bjs

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  3. A simplicidade tem um poder extraordinário de filtrar as coisas belas da vida.Emocionante.
    obrigada Márcio pelo carinho e a carta está bem guardada rs

    beijos

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  4. Vc viu que crônica linda de Rubem ? o trecho é demais...

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  5. Mas meu amigo,
    As felicidades são simples, digo AS FELICIDADES porque são pequenos momentos, singelos, que falam aos nossos corações. Também passei por essas geadas... pés gelados, lembro bem.
    Linda tua narrativa. Mágica, também lembrei de mim no meu passado distante. Obrigada.
    Bjsssssss

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  6. Eita moço que é bem assim que sinto a felicidade, pequenos momentos que guardamos pra sempre no nosso coração causando saudades.
    Me emocionou Marcio vi o seu caminhar, o olhar daquele filete de sol em meio ao frio e ao sorriso da velha senhora.
    Linda recordação.

    beijos moço e carinho no seu coração.

    Inda bem que poupou minhas borboletas hoje rssss
    se não te pegava rsss.

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  7. Tu consegues emocionar com teus textos lindos...

    Momentos, retalhos, fragmentos vividos que marcam sempre e deixam reflexos em nós..Muito lindo!

    abração,tudo de bom,linda nova semana e obrigado pelo carinho...meu dia das mães foi lindo ! chica

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  8. Eu acredito que as lembranças mais simples são as melhores com certeza.

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  9. Que linda história meu querido. Das simplicidades que nos acompanham paelas ruas, enquanto nossos olhos cobiçam aquilo que tantas vezes não podemos tocar.

    Gosto desse seu jeito de ser e estar no mundo, nesse jeito simples de olhar ao redor, de colorir os dias daqueles que estão por perto, de matar as saudades com delicadez, dando aquele abraço e beijo no coração.

    Que nenhuma geada congele seu sorriso, por nada nesse mundo.
    Te adoro, querido meu.
    Meu beijo
    Samara Bassi

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  10. Márcio ,
    pude sentir o friozinho daquela manhã através de sua narrativa.Os detalhes importantíssimos fazem de seus textos uma cena representada em meu coração. Também sinto saudades de coisas simples na minha vida e hei de sentir saudades de você, de seus textos e de suas visitas por toda minha vida.Por isso, esteja sempre pronto para nos contar o que o mundo deveria parar para ouvir.
    Obrigada
    bjos
    Renata Lins

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  11. Pois é Caríssimo Márcio hoje no almoço comemorativo das Mães a nostalgia tomou conta e recordamos quando íamos a escola a pé e era tão longe da nossa casa. Não tinhamos dinheiro para nada e de vez em quando a mãe da minha tia esperava no portão com moedas e divertíamos dividindo um sorvete de tamarindo. Um dia encontramos uma premiação no palito e ganhams nais um, e neste um mais um grátis. Foi um dia tão feliz que ficou marcado. Hoje parece que mesmo o mais pobre (como éramos) tem muito mais do que tinhamos, mas como eramos felizes.
    Viva o meu afilhado apareceu l´[a na Agend@, com um pedido para que eu publicasse o Hino Caipira do nosso Campeâo XV de Piracicaba (sagrou-se campeáo da Segunda divisão do Campeonato Paulista, ontem) e já está lá na Agend@ o hino popular do meu Quinzão para você ouvir, Caríssimo Márcio. Abraços quinzistas desta CaipiracicabaANA Marly de OLiveira Jacobino

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  12. Pois é Caríssimo Márcio hoje no almoço comemorativo das Mães a nostalgia tomou conta e recordamos quando íamos a escola a pé e era tão longe da nossa casa. Não tinhamos dinheiro para nada e de vez em quando a mãe da minha tia esperava no portão com moedas e divertíamos dividindo um sorvete de tamarindo. Um dia encontramos uma premiação no palito e ganhams nais um, e neste um mais um grátis. Foi um dia tão feliz que ficou marcado. Hoje parece que mesmo o mais pobre (como éramos) tem muito mais do que tinhamos, mas como eramos felizes.
    Viva o meu afilhado apareceu lá na Agend@ Cultural Piracicabana, com um pedido para que publicasse o Hino Caipira do nosso Campeâo XV de Piracicaba (sagrou-se campeão da Segunda divisão do Campeonato Paulista, ontem) e já está lá na Agend@ o hino popular do meu Quinzão para você ouvir, Caríssimo Márcio. Abraços quinzistas desta CaipiracicabaANA Marly de OLiveira Jacobino

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  13. Ah! Afilhado não entendi muito bem as restrições na coluna Fala Blogueiro. Fiquei preocupada, mas tenho certeza que tudo vai dar certo. Um abraço desta CaipiracicabANA Marly de Oliveira Jacobino e Quinzista

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  14. Márcio, meu querido amigo, pude sentir toda a nostalgia das suas lembranças e a melancolia com a frustação de ver modificado o tempo e o lugar que povoou a sua infância. Mas pude sentir igualmente a paz do seu reencontro com a imagem daquele sorriso, que nunca havia visto antes, mas que veio trazer-lhe a sensação de compensação, por tudo que o tempo rouba de nossa memória afetiva. Um texto carregado de ternura e emoção, muito belo.

    Meu amigo, muito obrigada pela mensagem que me deixou pelo dia das mães, tão linda quanto é o seu coração. Obrigada também pela sua apreciação ao novo visual de meu blog, que tem nele a sua enorme colaboração. Para sempre agradecida.
    Um grande abraço e uma excelente semana.
    Celêdian

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  15. Que coisa bonita de lembrar maninho, o sorriso da senhora, para ti.
    Entre todos os rumos de nossas vida, o único que nos acompanha até o final é o amor, esse que se doa em pequenas ou grande quantidades.
    Esse que faz um lugarzinho para a saudade, como se fosse um pequeno baú mágico, que quanto mais você comporta mais tem onde guardar para expandir.
    Amei teu texto.

    Beijinho
    Fernanda

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  16. Ah, eu chorei...
    Fiquei visualizando cada pedacinho de sua história, e quando ela se finalizou...vi o sorriso no semblante dessa senhora.
    Que lindo meu amigo.

    Beijos com carinho enorme no teu coração.

    Espero que estejas melhor, tá bom?
    E se não der pra aparecer sempre no Rabiscos, liga não, te entendo.
    Mas quando der, será um prazer te ter por lá.

    Tenha uma linda noite.

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  17. Marcio...

    Sabe, tinha um véinho que atirava pedrinhas ne nóis quando jogava-mos pelada de futibá com bola de meia em nossa rua.... rsss
    Então a gente pegava e acendia uma vela e ia até a cerca do jardim dele pra queimar uma plantinha que "estrala quando queimada" chamavamos de ( TRÁQUE )... hehehehe

    Marrapaisssssssss... O hómi ficava doido cum nois.... kkkkkkkk
    Boas lembranças... A sua foi uma linda homenagem para aquela senhorinha que com certeza tinha um coração de MÃE batendo dentro dela ... Parabéns, Muito lesgaus.

    Abraços
    Tatto

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  18. Esse retalho da sua vida foi tão bem descrito, quando em palavras,você derramou pelas frestas das linhas tanto carinho e respeito pelo seu passado, que em mim a imagem da ternura se instalou.

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  19. Meu querido irmão de letras,

    perdoa-me andar arisco por esses tempos, mas é que, tal na canção do Ivan Lins, já antiga, "os meus dias são assim". Todavia, vez por outra não deixo de vir beber desta prosa saborosa e prenhe de sabedoria que sempre brota de tuas letras, é bálsamo para a escassez das minhas, crê-me.

    Mais que uma singela lembrança, Marcio, tua crônica me traz uma miríade de sensações, de sentimentos e de imagens à memória. Quiçá não já tivemos, todos, uma velhinha de "face amarrotada e cabelos de algodão" em nossa vidas, a nos observar à distância, emprestando-nos, vez por outra, um olhar doce e pacífico e que nem sempre foi compreendido na ocasião?

    A simplicidade quando nos deixa marcas é porque existe algo maior, mais profundo, sob ela. E eis a prova de que a figura daquela senhora de tuas manhãs friorentas ficou mais que uma imagem apenas, mas algo a ser refletido dentro de ti. E que nos passaste atarvés dessa edifiante crônica, belamente escrita desta maneira que só tu tens o segredo.

    Meus votos de muita saúde e inspiração, querido amigo, um forte abraço do

    André

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  20. Uma estória tão bela e emocionante Márcio!
    Recordações sempre tão profundas que ficam tatuadas em nosso coração.
    Um maravilhoso fim de semana para ti.
    Paz,alegria e harmonia

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  21. Márcio amigo,

    Muito emocionante e terna,sua história me trouxe os aromas das frutas,a geada a atravessar as solas dos sapatos,a alegre e barulhenta união das crianças indo para a escola,o carinho de sua mãe servindo-lhes o café.Mas,acima de tudo,trouxe a nostalgia dos tempos idos,o encanto do sorriso daquela senhora que via o menino com olhos de bondade e parecia dele se despedir com o tímido e envolvente sorrir.
    E são estas pequenas simplicidades que tornam a vida tão bela...pena que a gente só perceba isto muito mais tarde.Mas elas ficam com a gente e é esta lembrança que nos dá forças para a caminhada.

    Bjssssssss,
    Leninha

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