segunda-feira, 28 de março de 2011

UM DIA DAQUELES

Adaptação de um texto, escrito por mim em 2007, em "homenagem" a uma das maiores azaradas que já conheci na vida. Mas, apesar de tudo, ela sobreviveu.
Apresento a vocês, Gica, a mulher que mesmo no maior dos apuros, jamais "desceu do salto". 
(obs.: parte dos ocorridos é real, e parte é fictícia; mas, se eu falar o que é verdadeiro ou não, perde a graça).

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O dia começou cedo para Giovana. Mais cedo até do que ela esperava. Rui, o namorido (aquilo que fica entre a situação de namorado e marido) ligou as 4 da madrugada, justificando seu atraso. A ex-esposa telefonara, e estava depressiva. Ele, como um bom “amigo”, precisou ir até o apartamento dela, mas perdeu a hora, e agora, possivelmente a namorada também.

Gica, como Giovana é conhecida pelos amigos, não expressou reação alguma. Encostou a cabeça ao travesseiro e dormiu. Mas dormiu demais. E lá pelas 9 horas da manhã, abria a porta do carro na maior correria. Um cliente a encontraria logo cedo para a avaliação de um imóvel. Clec. Clec? O salto quebrou. Ela olhou para o pé esquerdo e emendou. “Justo o esquerdo? Isso é sinal de azar”. No entanto, tudo teria sido mais simples e rápido para arrumar se ela, diante dos 120 pares de sapatos que possuía, tivesse achado um que combinasse com a roupa que trajava. Nada. Precisava comprar mais sapatos, pelo menos mais alguns pares que combinassem com as roupas que tinha.

Àquela altura, só restava inventar uma desculpa para o cliente... e também para o chefe. Já no escritório, e com quase tudo contornado, descobriu que precisaria trabalhar até mais tarde, pois iria ajudar numa palestra. Até aí tudo bem, não fosse o palestrante. Era o Isidoro Boca Santa. Ele tinha esse nome porque não deixava escapar uma mulher que fosse, e ela o odiava. Sentou e desanimou. Ela simplesmente detestava aquele homem.

Pouco depois, e ainda irritada com tudo o que ocorrera até ali, foi até a sala de Glorinha, a “melhor amiga”, e desabafou. Contou tim-tim por tim-tim o que estava ocorrendo. Glorinha fazia o tipo que “tudo vê, tudo sabe e tudo opina”, mas o que Gica não sabia, é que a amiga era a maior alcoviteira que existia naquelas paragens. E em menos de 20 minutos, a empresa inteira sabia que “Gica havia sido chutada por Rui, e que Isidoro era o novo amante dela”. Chegaram a dizer, também, que "Rui a trocara por Isidoro". A cabeça da moça deu mil voltas, e ela desabou de vez. “O que mais falta acontecer, meu Deus?”. Antes não tivesse perguntado, pois logo em seguida, apareceu outro problema. O saldo de uma de suas contas correntes estava zerado, e ela logo descobriu o motivo. Rui tinha a senha da conta. Ela ficara apenas com uns poucos reais em outra conta corrente.

A tarde passou lenta, e já de saída para a palestra, Gica se olhou no espelho e se viu desmotivada e a beira de um colapso nervoso. Mas ainda tinha a palestra. Como de praxe, estava atrasada, e mais uma vez, o destino lhe pregou uma peça. Deixara as chaves do carro em qualquer lugar, menos onde deveria ter deixado. Achá-las? Quem dera. Foi de táxi mesmo.

Já no meio do percurso, abriu a bolsa e se deu conta de que não tinha um centavo na carteira. Então, com muito esforço e educação, solicitou ao motorista que parasse num caixa-eletrônico, e foi logo atendida. O motorista, com cara de poucos amigos, desconfiou de algum golpe. Já era noite, e quando ele olhou pelo espelho e notou um homem suspeito se aproximando, tratou de sair logo dali, deixando a passageira por conta própria.

Gica sequer se deu conta, e quando completou a operação e estava voltando para o táxi, viu que ele não estava mais ali. Diante dela, apenas um sujeito mal encarado e olhando fixamente para ela.

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--É um assalto! Me dá tudo o que você tem aí! Rápido.

--Moço! Agora não dá. To sem tempo. --ela respondeu, como se não estivesse entendendo o que acontecia naquele instante. --O senhor viu aquele táxi que estava parado aqui?

--Dona, caso não tenha entendido, isso aqui é um assalto.

--Quero comprar nada não, cara. Que tipo? E ainda vem dizer que é um assalto. Tá de brincadeira, né? --ela comentou, baixando o olhar para a mão direita do sujeito, que carregava uma arma. --Aaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... tarado! Socorro! --Gica começou a berrar e bater no assaltante com as mãos e a bolsa.

O assaltante, desesperado, não sabia o que fazer, e ficou ainda mais atônito ao ver que o dinheiro que ela carregava nas mãos voou por todos os cantos e estava sendo carregado pelo vento.

--Misericórdia, moça. Você é doida ou cheirou loló?

--Tarado. Socorro!

--Não sou tarado. Sou apenas um bandido honesto e trabalhador, e que só entra em furada. Se acalma.

Ela, naquele furor, parou o que estava fazendo e ficou estática, apenas olhando para aquele homem, que já não parecia tão assustador. Então, sem cerimônias, despencou em lágrimas e se abraçou ao homem, que assombrado, apenas a confortou nos ombros.

--Moça, não faz isso! Tá me desmoralizando na frente dos meus chegados. O que eles vão pensar? E como vou conseguir te assaltar agora?

Ela se acalmou um pouco e se afastou. Estava nitidamente descontrolada, mas já conseguia respirar melhor. Ele sentou no meio-fio, desanimado, e a convidou para sentar também. E ali ficaram, trocando olhares temerosos. Repentinamente, ela começou a falar desgovernadamente, contando tudo o que havia acontecido. Ele tentou interrompe-la, mas sempre que o fazia, ela recomeçava. Sem ter o que fazer, o ladrão apoiou o queixo e ficou escutando. No final da narrativa, ele estava tão impressionado, que se mostrava irritado com tudo e solidário a ela.

--E foi isso que aconteceu, senhor ladrão. Pode uma coisa dessas? E ainda por cima, o único dinheirinho que eu tinha, o senhor me fez perder. Agora estou sem marido, sem dinheiro, possivelmente sem emprego e mal falada. O que é que eu faço? Me diz?

O homem levantou e colocou a mão por dentro das calças, o que a fez dar um pulo e ficar em pé, assustada.

--Calma, dona. Não sou nenhum insensível, e também fui culpado por uma de suas desgraças. Só vou lhe dar algum dinheiro.

--Mas tem que guardar justo nesse lugar?

--O local aqui é perigoso, e tem muito assaltante. Não dá para dar mole. Toma, segura minha arma enquanto eu pego o dinheiro. Não precisa ter medo que a pistola é de plástico.

Ela arregalou os olhos e pegou a arma, e logo depois um pequeno saco plástico, que parecia conter um bom volume de notas, das quais, ele daria apenas algumas a ela. O ladrão, sem se esperar, se atrapalhou todo e deixou as calças arriarem, justamente quando uma viatura da polícia passava pelo lugar.

O que os policias viram, naquele instante, foi uma mulher de saia curta, segurando um pacote plástico numa mão e apontando uma arma para um homem sem calças. Pararam o veículo imediatamente e saíram do carro. O assaltante, ao ver aquilo, saiu cambaleando e tentando levantar as calças, mas conseguiu fugir. E a Gica, inocente que era, ficou sem entender nada.

--Parada. Solta a arma e levanta os braços. Além de fazer programa, ainda assalta os clientes?

--Moço, não é isso. Esse bondoso senhor que estava aqui, sem calças, só estava tentando me assaltar. E depois, boa alma que é, me deu um dinheirinho. Tá aqui, ó. Neste pacote.

O policial se aproximou e verificou o pacote, soltando em seguida um grande sorriso.

--Oh! Gusmão. Passa um rádio prá central e avisa que encontramos quem anda passando dinheiro falso aqui na área. Hoje é nosso dia de sorte. Tem mais de 5 mil aqui, tudo em notas falsas.

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--E essa agora? --Gica suplicou, olhando para o alto. --Tá faltando acontecer mais alguma coisa ainda?

Clec.

--De novo, não! Meu salto! --ela gritou, irritada. --Que droga. Tudo bem ser presa, mas entrar numa delegacia com o salto quebrado, é o fim da picada. Dá para passar lá em casa antes, para eu trocar os sapatos? É rapidinho, eu juro!


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É como dizem por aí: Nada é tão ruim que não possa piorar.

Ou, então: “Ferrada” sim, mas sem perder a elegância.

MarcioJR

23 comentários:

  1. Risos...
    Maninho p e l o a m o r d e D e u s!Ninguém merce rsrsrs.
    É cômico e preocupante.
    Marcio você narra com uma beleza,seriedade e humor.
    Nas entrelinhas.
    Apenas ao ler esse texto, já fiquei com compaixão da moça, ainda bem que algumas coisas é ficção. Espero que seja a parte da policia.
    Ninguém merece ir preso no lugar de quem realmente merece ir.
    Amei meu querido, e já estava cheia de saudade dessa narração tua.

    Beijo.
    Fernanda.

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  2. rs...com todo o azar, o salto quebrado não podia continuar no pé...Isso é o máximo de "praticidade",srrs Lindo e divertido! abraçso,chica e linda semana!

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  3. Marcio.. meu bródis!

    Depois dessa, tu ainda diz que eu acordei nessa segundona com a Macaca... hehehe

    Até enxerguei a cena do contra-assalto sem salto... kkkkk

    Deussssssssskiajude
    Abraços assaltados
    Tatto

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  4. Bom dia, Márcio!

    É sempre muito prazeroso ler um texto com uma narrativa assim leve e descontraída, mas que incita ao envolvimento e curiosidade com o desfecho. Penso que eu ainda não havia lido um texto seu com esta faceta humorística, fantástico.

    Ri muito das atrapalhadas investidas da moça, principalmente das passagens com o ladrão. Reproduzi a cena mentalmente e imaginar a cara dele, sem entender nada, foi fácil de acordo com a sua detalhada e atenta descrição.

    Márcio, obrigada pelos seus comentários aos meus textos, sempre muito pertinentes e agradáveis.
    Um abraço e uma ótima semana para você.
    Celêdian

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  5. Marcitchoooooooooo!!!
    Meninooooo, mas que sorrrrrrrrrte essa moça tem, não???? ;p
    Ninguém merece tantas surpresas, tantas aventuras num dia só, pra uma só pessoa.

    Se fosse eu, desejaria nem ter nascido, ou aberto os olhos naquele dia hehe
    Uma sugestão, acho que Gica seria muito bem substituído por "Zica"
    Eita mulher zicadaaaaaa!!! rsrs

    hahahaha moço, me fez render sorrisos estravagantes até o dedão do pé! rsrs

    ADOREI.
    Vc é ótimo!
    Meu beijo, querido!

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  6. Um texto engraçado mas também um pouco complicado e sem jeito da pobre começar o dia direito.

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  7. Oi Marcio...

    Olha...eu ri muito...kkkkkkkkkk

    É muita coisa para um só dia....rsrsrsrsr

    Ela não batia nada...rsrsrs

    bjo querido amigo!!!!


    Zil

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  8. Ainda sou mais dessa "...Ferrada sim, mas sem perder a elegância"!
    É. Tem dias que o negócio mesmo é virar para o outro lado e continuar dormindo... Não vale a pena encarar o dia. Rsrs.
    Muito bom Marcio.
    Bjssssssss

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  9. rsrsr...Fiquei até animada diante dessa moça...Meu Deus,Marcioooo...Jura que tem uma parte que é verdadeira? Muito boa mesmo, me diveti.Bom te ver de volta...Depois volto pra ler os outros. Fica sempre bem.bjs no coração. te amodoro.

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  10. rsrsrs....Excelente, Márcio! Fiquei imaginando cada cena. Ótima sua narrativa, com um final ainda mais hilário. Amei!

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  11. kkkkkkkkkkkkkkk

    Ai meu Deus Marcio vc me mataaaaaaaaa rssss
    ´
    kkkkkkk Não guentooooo.

    E eu aqui, bem a história dos sapatos é verdadeira, mais o azar dela é tanto que agora ja nem sei mais o que é de verdade ou não rssss

    beijosss
    Carinho sempre pra vc.
    Ótima semana.

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  12. Ahahahaha...dei boas risadas aqui, Marcio!

    Nem me atrevo a arriscar palpites sobre o que é verídico e o que é inventado, se bem que a cena da moça tentando se convencer de que precisa de mais sapatos mesmo tendo muitos é bem real e familiar...

    :p

    Um beijo.

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  13. Há dias, meu caro Marcio, em que o melhor a fazer é não sair da cama. Se bem que em dias assim, nada mais incerto que estaremos a salvo de um incêndio na casa, ou mesmo da queda de um avião sobre nosso telhado. Todavia, acontecem.

    No caso dessa moça e seu infausto dia, tão magistralmente narrado aqui por essa mão segura de cronista e o talento que tens, deu-se uma sucessão de insucessos que se sucederam sucessivamente, barbaridade! por momentos eu não sabia se achava graça do fato ou se morria de pena da pobre. Em todo o caso, não é tão inverossímel assim.

    Narrativa saborosa e bem-humorada como só tu sabes escrever, meu irmão. É um verdadeiro prazer vir aqui e me deliciar com teus escritos. E aproveito, também, para agradecer pelas tuas visitas e comentários, e que vão sempre ao essencial de meus mal traçados textos.

    Um belo dia, meu amigo, muita saúde, e um forte abraço.

    André

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  14. kkkk deusdocéu essa menina precisa rezar !!
    Sabe que é bem verdadeiro esse desencadear de micos num dia só! e na casa da gente quando tudo começa - o chuveiro que queima , dá vazamento na cozinha , a TV pifa , cai a bateria do carro, um caos geral!
    Muito bom Márcio li num fôlego só, o que vem mais? rsrs coitada .Vai ter azar lá longe! rs
    grande abraço
    um bom dia !

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  15. rss primeiro o cara ir consolar a ex é o Ó do borogodó...ESSA GICA É UMA SANTA!!! RSS ótimo conto Márcio,gosto de como desenrola a narrativa.E muito obrigada pelo comentário carinhoso hoje no meu blog
    beijos

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  16. Meu querido amigo e poeta do meu lado esquerdo do peito Márcio: Cruzes! Sai prá lá capeta, existe maior azar do que quebrar o salto e ainda ganhar como prêmio uma amiga fofoqueira?! Estou me benzenso de medo que corra esse azar aqui para a minha casa na minha ensolarada Piracicaba. Você como sempre escreveu uma crônica digna de constar no Caderno de um grande matutino, e veja, que eles sempre procuram os meus escritores para elaborar as crónicas das suas páginas (nçao tenho nada contra, pois admiro os nossos articulistas famosos, mas, já passou da hora de mostrar novos talentos, não tão novos como o seu (não estou falando em idade cronológica, mas da idade de escrita). Bem!Penso que eles vão avaliar melhor, não é mesmo. Enquanto isto, venho beber aqui na sua fonte, querido amigo e grande escritor.

    Viva!! Você visitou a agenda Cultural Piracicabana e deixou a sua bondade estampada lá em forma de comentário, então, venho deixar aqui o que lhe escrevi por lá:
    "Vigê inté derramei lágrima i us meus zóio tão vremeio de tantu chorá feito a tar da Maria madalena nus pé de Nosso Sinhô, eita ocê tem um palavrório tão abestado de bunitu, qui faiz apertá o peito desta caipiracicabana. Gardecido Márcio , ocê sabi bem mostrá o quanto é mió di bão os amigu. Bem! Dexe eu i em frente que atráis vem gente.Vou cuzinhá uns mió vredi pra mór do maridu comê. Pamonha, pamonha, pamonha...de Piracicaba!

    Ana Marly de Oliveira Jacobino aqui no interior em Pricicaba!

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  17. Coitada!!!

    Muito bom.Gostei e dei bastante risada.

    Virei outras vezes.Bjs

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  18. Olá Maninho.
    Amei teu comentário.
    Sempre tão cheio de toques belos.
    O blog da Kunti, foi indicação tua, eu não conhecia. Através do teu carinho passei a conhecer, e amei os textos.
    Como faço para ver o texto da minha flor (Sam).
    Memandao linkmaninho.
    Te adoro.

    Beijo maninho.
    Fernanda

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  19. Muito bom!
    O que voce escreve a gente le com tanta tranquilidade, e melhor a gente se diverte.
    Basear em um fato real para criar tamanha criatividade tem de ter muita visao ilusiva na cabeça, rsrsrs
    Eu faço muito isto... Tanto que estou la escrevendo aquele livro que também é baseado em fatos reais, mas 80% dele ou mais eu inventei, rsrs Eu adoro isto, o tal do inventar... E vejo que voce também gosta muito, rsrsrs
    Seu texto esta maravilhoso.

    Eu queria também te dizer que deixei respostas para voce la no blog, depois que voce deixou alguns comentarios. Muito obrigada por gostar das coisas que faço!
    Beijos Marcio e se cuida ok para melhorar mais ainda a saude.

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  20. Simplesmente hilário e sem perder a classe!
    bom demais!
    abraços

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  21. Querido amigo,
    Bom tê-lo de volta.
    Estava precisando rir um pouco e ler seu texto foi um remédio e tanto.
    Meu carinho.

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  22. Oi maninho.
    Hoje é um dia daqueles especiais, que trago um carinho em forma de beijo.
    Querido, emocionar meus olhos pela manhã, com aquele comentário foi ternura pura.
    Obrigada!
    Marcio lá no Aleatoriamente,o que aconteceu é que fui mexer no plano de fundo, e quase desmorono o resto.Rssss
    Mexi daqui e dali, consegui deixar mais ou menos parecido aff!!!


    Com carinho
    Fernanda

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  23. Marcio meu amigo vizinho

    Comecei a ler meio apressado, mas a trama me fez perder a pressa, me interessei pelo conto.
    Seu texto tragicômico não pesa e é muito gostoso de se ler...

    Abraços :)

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