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A movimentação intensa de pessoas não era muito comum na Piracicaba da década de 30. Todos estavam apressados, caminhando desconfiados e cochichando pelos cantos. Algo incomum estava acontecendo na cidade. E como numa cidade pequena, qualquer coisa é motivo para boataria, todos ouriçavam cada vez mais as orelhas.
--Mais i num é, seu Anésio? Intonce, é vredade qui tinha essa dinherama toda im óbra di oro lá na ingreja do Padre Mirto? --um dos clientes da mercearia de seu Anésio especulava, sabendo que o proprietário daquele comércio conhecia mais detalhes daquilo que estava acontecendo.
--Oceis páre di ispiculá. --sem ter muito o que fazer, seu Anésio tentava se desviar da conversa, mas não tinha meios para isso. --I ocê, Zé das Pórca, sabi bem qui o Padre num qué qui ispáie pur aí essas nuticia.
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--Oxe! Inté tão dizeno qui é o Chico Contente qui foi incumbido di arrastá os dinhero di lá. --outro cliente também cutucava.
--Tá bão, tá bão! Inquanto ieu num contá, ocêis num sussega o faxo. Padre Mirto mandô adirrubá uma parede, i parece qui incontrô umas image di Santo Antonho, tudu di prata i oro. Levô pra delegacia, i di lá vão transportá tudo pra Itú, qui tem mais cumo guardá a furtuna toda. Mais essa tramóia du delegado cu Chico tá istranha. U Chico passô hoji cedo prá módi leva umas lona grossa i quatro barrica. Pelo qui sei, o delegado só incomendô o carroção dele, mais parece qui tem mais coisa nesse tro-lo-ló todo.
Enquanto os três conversavam, seu Anésio reparou a presença de algumas pessoas estranhas, do outro lado da rua. Estavam parados próximos ao carroção que Chico Contente iria ceder para o delegado, e não pareciam muito amistosos.
Seu Anésio chamou seus cliente até a porta, e apontou para os forasteiros, mas logo viu o Chico e mais alguns policiais saindo da delegacia, carregados com dois grandes fardos enlonados, que mais pareciam ser aquelas mesmas barricas que o matuto havia pegado antes na mercearia. Carregaram tudo no carroção e voltaram para o prédio, enquanto o Chico, que apenas “coordenava” a operação, foi até onde estavam seu Anésio e os outros dois.
--Tarde! --Chico cumprimentou de forma seca, acompanhando com um aceno de cabeça. --Perciso di arguma coisa prá módi moia a guela, seu Anésio.
Chico entrou e os demais foram atrás, ávidos para saber algo a mais sobre tudo o que se passava na cidade. E o matuto parecia ser a pessoa ideal para colocá-los a par de tudo. Seu Anésio foi para trás do balcão e pegou logo o garrafão de cachaça, empurrando-o para o Chico, que não se fez de rogado.
--Chico! --seu Anésio interpelou bruscamente. --Aquelas barrica qui ocê levô notra hora daqui, são as qui tão no carroção?
--Duas delas. --Chico respondeu, sem alterar o semblante.
--I essas barrica é prá módi leva os santo do Padre Mirto? --continuou o dono da mercearia, ainda mais curioso.
--Duas delas.
Chico se encostou no balcão, quando um dos clientes de seu Anésio foi até a porta e voltou correndo, assustado e gritando.
--Chico, Chico. Aqueles forastero tão robano teu carroção, hómi.
Chico, calmamente, colocou o copo sobre o balcão e se serviu de mais uma dose de cachaça. Tomou num único gole e, quando todos acharam que ele sairia correndo atrás dos forasteiros, ele tirou palha e fumo de seu embornal e começou a preparar um cigarro.
--Chico, seu molenga? Vai ficar aí feito quatí cum priguiça? --seu Anésio se irritou, tentando motivar o amigo. --Vai lá, hómi!
--Dexa eles, seu Anésio. --Chico deu uma grande lambida na palha do cigarro e o acendeu, soltando a fumaça para cima. --Adespois, o degolado mi paga os prejuízo.
--I os santo? Quem qui é qui vai pagá pra ingreja?
--Qui santo, seu Anésio? --Chico retrucou, apoiando o cotovelo no balcão.
--Ára? Como qui santo? Vosmicê num tá puxano os santo qui o Padre Mirto achô na ingreja? Num vai levá eles lá prá Itú?
Chico soltou outra baforada de seu cigarro e deu uma cuspidela para o lado, acertando em cheio o pé de um dos homens que estava ao seu lado. Olhou para ele, e como viu que ele não se afastou, fez menção de cuspir novamente, até que conseguiu o que queria.
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--Puis óie, seu Anésio! Aqueles santo já dévi di tá lá em Itú. Falei pro degolado disviá a atenção dú povo, contano um monti di loróta, puis nóis tava divinhano qui vinha gente mar intencionada prá módi tentá robá eles. I ordenei prú Bastião qui pegasse a jardinera i levassi cum ela, pelo otro lado.
Todos ficaram apalermados com aquilo tudo. E quando seu Anésio correu até a porta, ainda teve tempo de ver a poeira que a carroça levantava no horizonte. Na delegacia, alguns policiais riam descabidamente. Então, sem entender, seu Anésio voltou para o balcão e ficou bem de frente para o Chico.
--Qui tramóia foi essa, intão? U qui é qui tinha nas barrica?
--Na semana trêstrazada, deu uns intempério na degolacia, i o seu degolado mi chamo prá arresorvê. Intupiu as saída das privada dus preso, i u qui aqueles ladrãozinho di araque carregaro cum eles, é só duas barrica di pura bosta dos preso.
Marcio JR
ILY