Pinoquio (Studio Disney) / image by Google |
Essa história faz parte dos “causos” contados por meu avô Vicente, e se deu lá pelos idos do meio do século passado, em algum vilarejo próximo a Curitiba. Dizia meu avô que tinha por lá um sujeitinho ligeiro na lábia, desses que te faz ficar em dúvida até sobre você mesmo e seu próprio nome. Quem o conhecia, jurava de pés juntos que ele dava nó em pingo d’água e rasteira em cobra. E como tudo naqueles vilarejos virava folclore e era aumentado a cada um que repassava adiante, a responsabilidade por tudo o que acontecia de ruim por ali acabava parando nas costas dele. Sua fama o precedia.
O fato é que, ciente disso, o sujeitinho vivia aprontando, e na maioria das vezes se apropriando do que era dos outros. Os meios que utilizava para tal feito não eram lá muito éticos, como a mentira ou a aplicação de golpes premeditados, e na maioria das vezes, o lesado só se dava conta da coisa muito tempo depois.O moço já devia para quase todo o vilarejo, até que, cansados da situação, o povo resolveu dar um basta naquela situação e cobrar tudo o que ele devia. E assim foi. Mas, havia outro problema. O sujeitinho parecia ter uma bola de cristal que o avisava quando alguém iria cobrá-lo, e ele simplesmente desaparecia quando isso acontecia. Pensaram e repensaram, até que resolveram agir todos de uma só vez, cercando-o por todos os lados, e fizeram isso logo pela manhã.
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O sujeitinho, quando se deu conta, estava rodeado de gente falando pelos cotovelos. Ele tentou se esquivar de todas as formas, mas o máximo que conseguiu foi se agitar e ficar nervoso. E de tão agitado, enfartou. Ao menos, foi o que pareceu ter acontecido, pois seus olhos semi-cerrados e atentos, caso alguém os visse, teriam denunciado justamente o contrário, ou seja, mais uma de suas armações
--É! Enfarto fulminante... --comentou o dono da farmácia, decretando a morte do sujeitinho sem ao menos tocá-lo ou examiná-lo. --Até que eu gostava desse peste. Mas, por via das dúvidas, vamos enterrar logo, pois vai que ele ressuscita.
Muitos dos que estavam ali ficaram indignados, pois até nessa hora o sujeitinho deu prejuízo. Como não tinha família ou amigos, seriam os próprios moradores do local a pagar as custas do enterro. Então, para não sair muito caro, resolveram fazer aquilo de qualquer jeito mesmo. Falaram com o Padre e o dono da funerária, que também era dono da única loja de roupas da cidade, da fabriqueta de salame e da tropa de mulas, e acertaram a parte do enterro, e depois com o delegado, que como dono do bordel, também tinha muito para receber do sujeitinho. Da parte legal de tudo, além do delegado, o Padre, que caíra na besteira de comprar vinho falsificado do talzinho (pensando em economizar algum dinheiro), também se ocupou.
Levaram o corpo do sujeitinho para a funerária, que funcionava nos fundos da loja de roupas, e o enrolaram dos pés até a cabeça num lençol branco e o deixaram ali por algum tempo, sozinho. E teriam se assustado se tivessem permanecido ali, pois o sujeitinho, assim que ficou sozinho, abriu os olhos e se desenrolou daquele lençol, colocando em seu lugar um manequim que estava jogado num canto. Horas depois, já no cemitério e com o caixão fechado, todos lamentavam a morte dele, dizendo que “apesar de tudo, era um bom rapaz”.
Vários meses se passaram desde a “morte” do sujeitinho, até que num certo dia, no bar do vilarejo, algumas pessoas conversavam despretensiosamente sobre a vida e o quanto perderam em dinheiro para a lábia do “falecido sujeitinho”. Um dos homens se afastou do balcão e foi até o banheiro, já meio tonto com a quantidade de cachaça que havia ingerido. Ao voltar, fixou o olhar na porta e viu alguém parado ali, e carregando um ar muito jocoso. A princípio, não parecia ser ninguém da região, mas, a medida que o homem caminhou para o balcão, viu que aquela pessoa parecia, e muito, com alguém conhecido por ele. Desconfiado e curioso, o homem trocou o rumo e foi para a porta, para se certificar de quem se tratava. Os outros ocupantes do bar notaram e também olharam naquela direção, e se assustaram ao constatar quem era.
--Virge nossa!!! --falou o dono do bar, pálido. --É o sujeitinho...
--Vá de retro! --comentou outro, deixando cair o queixo. --Será que nem o capeta agüentou esse porquêra?
--Eu falei, eu tanto falei. --gritou aquele primeiro, que saíra do banheiro. --Tanto pedi prá enterrar esse praga mais fundo. Agora taí, voltou prá assombrar.
Todos começaram a se benzer e falar o que vinha na boca, assustados. Um dos homens, perto de uma garrafa de cachaça, a pegou e, ao invés de bebê-la, jogou no rosto, como se buscasse acordar daquele pesadelo. Tudo ficou ainda mais agitado quando, repentinamente, o sujeitinho começou a caminhar para eles. Foi o que bastou para gerar um pandemônio. Alguns pularam para trás do balcão, enquanto outros saíram pela janela. O dono do bar, mais afoito, pegou a espingarda de dois canos que deixava na parede, mas com o nervosismo comandando suas mãos, quase atirou no próprio pé. E a coisa só não foi pior porque o Padre, ao ver aquele alvoroço, correu para lá e acalmou tudo, tentando achar uma explicação lógica para o que estava acontecendo.
Após muita conversa, com direito as mais loucas teses e suposições por parte do povo, tudo se esclareceu. O sujeitinho, depois de se ver na maior enrascada de sua vida, criou juízo e achou um bom emprego. Juntou o quanto pode em dinheiro, de forma honesta, e voltou para corrigir seus erros do passado. Pretendia fazer tudo do jeito mais correto, e queria começar a pagar suas dívidas, mas havia esquecido de um pequeno detalhe: para todos os efeitos, ele estava morto.
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Minutos apenas foram necessários para que todo o vilarejo aparecesse naquele bar, e muito menos tempo foi preciso para a confusão se armar. Conta a história que o padre, ao se dar conta, só conseguiu ver o sujeitinho trilhando as pernas numa corrida espetacular. E atrás dele, todo o povo berrando:
--Pega! Mata esse morto safado!
Marcio JR
Olá, Márcio!
ResponderExcluirO seu avô Vicente deve ser um daqueles sujeitos, com quem uma boa prosa não tem hora para acabar. Não me admira que o neto tenha herdado este dom de narrar tão bem. E curioso, sabe que você tem um jeitinho bem mineiro de contador de causos? *rs
Sujeitinhos desta laia, tem aos montes por ai. Tem até aqueles que vendem terreno no céu e oferecem engenheiro para a construção. Agora, esse defunto-vivo deve estar correndo até hoje, heim?
Meu amigo Márcio, este é mais um excelente conto, de leitura agradabilíssima.
Um grande abraço,
Celêdian
Lindo causo e esse danado precisava um castiguinho!!!Aprontou tooooooooodas que pode e não pode!!! rsrs
ResponderExcluirabração,lindo dia!chica
kkkkkkkkkkkkk!
ResponderExcluirlembrei-me da música do Ney Matogrosso com o título e ela está dançando na minha cabeça.
Mereceu esse danado, quem mandou aprontar?
Só tomando uma liçãozinha para aprender.
abraços
Capispiróbas...!!!
ResponderExcluirÉ muito boa essa estória do defunto vivo .. rsss
Mas como sempre dizô "Tem aquela hora que a gente pensa que vai poder virar SUJEITO HONESTO" ... Que o povo afoito faz a gente desandar e bota tudo a perder...
Óia!! se em meio século Não consegui pagar tudo o que devo... Só esperar de uma sorte igual a que li no blog da SANDRA... Da Janela do Garden Place... Hehehehe..
Ela me deu uma receita boa... só precisa investir na idéia e ter um cadim de SORTE!!.. rss
Deusssssssssskiajude
Amigo Marcio... Essa estória foi bem típica de cidadezinha do interior meRmo... Ô delicia de LER... rsss
Abraços
Tatto
Bom Diaaaaaaa Marcio meu querido!
ResponderExcluirEstou atrasada na leitura aqui, então digo apenas bom dia, vou te ler e depois eu comento Ta.
BeijOOOOOOOOOO
Risos...
ResponderExcluirManinho que show!
Mas a verdade é que a mentira sempre trás coisas tristes e prejudica muito os outros.
Mas você conta tudo lindamente com jeitinho especial.
Passei para te deixar um beijo.
Com carinho.
Fernanda
E temmm!! Mentira temmm perna curta!!!!
ResponderExcluirhahahahha
Adorei, marcitcho!
adoro tudo que escreves!
Meu beijo e petelecos no nariz de pinoquio! rs
Samara Bassi
Ui, agora ele não escapa da "morte matada"...rs
ResponderExcluir* Vicente é um nome bonito, gosto muito!
Um beijo, Marcio.
hehehe!!! Fiquei foi com pena do falso defunto devedor, afinal ela "só" descentralizar a riqueza, rs...
ResponderExcluirBj meu querido!
eita ... eita ... eita
ResponderExcluirEle deve tá correndo até agora rsss
beijos Marcio, abraço pertadinho.
Ô peste esse sujeitinho! rsrsrs
ResponderExcluirAdorei o causo, Márcio! Imaginei cada cena, cada expressão, tudinho.
Bom passar por aqui e deixar o riso dominar o dia.
Bjo, querido.
Mas amigo! Que sujeitinho hei?
ResponderExcluirAlém de um porquêra o sujeitinho é muito estúpido!
Porque voltar ao mesmo vilarejo?
Realmente! Pega! Mata esse morto safado!...e estúpido!
Márcio, você é demais nos seus relatos!
Minha admiração de sempre!
Um lindo dia para você!
P.S. Lhe enviei um e-mail sobre sobre as dificuldades de atualizar meu blog nas listas de leituras dos amigos. Me deixe saber qualquer coisa, ok?
Lembranças....
Ange.
Causo como este, faz a manhã mais gostosa.
ResponderExcluirParabéns, Márcio!
Berzé