sábado, 22 de novembro de 2014

RE-ENCONTRANDO AS ORIGENS (re-edição)

re-edição

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O quarto sufocava. Por mais que tentasse fechar os olhos, eles insistiam em permanecer abertos. O sono não vinha, e durante anos ela ficou assim, numa insônia torturante. Lá fora, a lua era convidativa, principalmente quando se juntava com a lufada de ar fresco da madrugada. O luar permitia ver o imenso gramado e as árvores, que mesmo com a penumbra batendo sob suas copas, não pareciam assustadoras como nos filmes de terror. Um pouco mais distante, a ponte e a saudade. O riacho fazia barulho, um barulho corrente e borbulhante. Ela encostou a cabeça na soleira da janela e, aos poucos, adormeceu.

Seu corpo transportou a saudade do peito para o gramado, e mesmo dormindo, se viu lá, solta na luz do luar. Descalça, sentiu nos pés a maciez rude da grama recém aparada. Seus pés, de pele fina, sentiram a necessidade de tocar mais vezes o chão, não pela tentativa de engrossar mais a pele, mas sim pela enorme energia contida em seu corpo e que precisava ser descarregada. Suas mãos eram alvas e, estranhamente, pequenas. Ela estava pequena. Ela estava criança, adolescente. Uma linda e tímida adolescente de uns 16 anos de idade.

Silvos curtos chegaram aos seus ouvidos. Cigarras. No entanto, não eram cigarras da madrugada, e sim daquelas que se escuta durante o dia. Estranhou aquilo, mas pouco importava, pois não passava de um sonho, e ali, naquele devaneio, tudo poderia acontecer. As árvores balançaram, exatamente como ela via acontecer em sua infância, e ela foi até lá, até o lugar onde costumava passar várias horas de seu dia quando mais nova.

Caminhou lentamente, deixando a grama e o orvalho umedecerem seus sentimentos. A saudade doía muito, a embargava, e ao se aproximar da figueira, sentiu um aperto enorme no coração. Estava ao lado da ponte, e um medo imenso estampou seus olhos. Não queria olhar para o outro lado da ponte, mas precisava, sabia disso. Sabia que suas origens estavam lá, esperando por ela, cobrando pelo esquecimento e pelo abandono.

Sua natureza pobre nunca a assustou. Cresceu ali e pouco conhecia de outros lugares ou de outras culturas. Era órfã de sentimentos em sua caminhada pela vida, pois tudo o que conheceu e quis estava bem ali, do outro lado daquele riacho, que em outros tempos foi um belo e vívido ribeirão de ilusões. Levantou a cabeça e forçou os olhos. Alguém estava lá, chamando-a para o outro lado.

Sua mente deu mil voltas. Sentimentos brotaram e a angustiaram. Seria ele? Estaria lá aquele que a fez sonhar e se apaixonar, para depois abandoná-la naquele lugar distante? Aquele mesmo que a entregou à sorte da saudade? Ela o amava, sempre amou, e o que restava agora era o sentimento de falta. Tantos anos esperando sua volta, sua mão, seu sorriso.

A surpresa foi maior do que aquela que ela imaginava. Não era ele, e sim, ela mesma, chamando-a. Sem pestanejar, ela pisou a ponte e caminhou. Estranha sensação. Depois que ele partiu, ela nunca mais cruzou a ponte. Talvez por medo, ou quem sabe uma negação do passado. Mas agora não. Ela caminhava sozinha, sem saber direito o que buscava.

Do outro lado, ela mesma a esperava. Mais adiante, ele repousava sob alguns arbustos, dormindo. Ela ficou parada, admirando-o. Ele estava jovem também. Mas, que loucura era aquela? Por que ele estava ali, dormindo ao relento? O sonho virara pesadelo?

Remexeu as entranhas da memória e relembrou do dia em que ele se fora. Na noite anterior, teriam um encontro, mas ela se amedrontou diante da timidez e da falta de coragem em assumir seus sentimentos mais íntimos. Ela o amava e desejava, e ele a amava silenciosamente, respeitando-a em seus temores. Naquela noite, justamente naquela em que ela poderia fazê-lo ficar e mudar toda uma história, ela se acovardou e fugiu. Ele dormira ali, exatamente como fazia agora.

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No dia seguinte, ele partiu, juntamente com a família. Partiram para outra vida, para outra existência. Um acidente na rodovia os fez de vítimas, e ninguém sobreviveu.

Quem sabe se ela suprimisse o medo e o tocasse, ele acordaria e desistiria de partir, mas era somente um sonho, um sonho do qual ela não queria acordar. Um sonho onde ela poderia tê-lo e protegê-lo, nem que somente diante dos olhos e sem tocá-lo. Mas ela o tinha perto.

Estranhamente, depois de vários anos, ela conseguia sonhar novamente. Buscou tanto isso, vê-lo mais um dia, mais um instante, um mero instante.

Estava decidida, ficaria ali, naquele mundo novo que se apresentou a ela. Um mundo onde, por mais que a saudade doesse, ela tinha algo que tanto buscava, seu primeiro, único e verdadeiro amor.

Jamais acordou. Sua vida, agora, está na essência de um amor do qual ela fugiu. Seu semblante, para quem a olha deitada naquela cama, é sereno e terno. Mas, o que ninguém imagina, é que ela se recusa a despertar. Está lá, zelando pelo sono eterno de alguém que ama.


Marcio Rutes



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sábado, 1 de novembro de 2014

OS “S” DA VIDA

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Cósmica é a força que me rege. Deus está em tudo, na força descomunal do sol, na fragilidade de uma flor de pessegueiro, nas folhas que apodrecem para adubar a terra, num cometa que corta o universo, num mero átomo que constitui tudo... é sim! Mas Deus não está sentado num trono, emburrado e carrancudo.

É essa força cósmica que me impulsiona, e jamais vou me deixar desistir daquilo que sonho e almejo.

Eu sonho em ser feliz. Eu vou ser feliz, muito mais do que já sou. Eu almejo um momento único, onde atracarei o passado ao presente, somando-os para, depois, bater tudo num liquidificador, fazendo assim um belo suco para temperar o futuro. Eu vou buscar aquilo que tanto me faz sonhar.

Samara me faz sonhar. Me faz viver. Me ensina a amar a cada dia.

Vida deveria começar com “S”. “S” de Samara Bassi.




Marcio Rutes



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