terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ANJO PROIBIDO

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Todas as noites ela estava lá. Um sonho? Realidade? Pouco importava. Ela era proibida para ele. Mas ela retornava em cada noite, em cada vão de luz que a lua ou uma estrela produzisse. E se fosse uma noite tempestuosa, ela brotava dos relâmpagos. Assim se fazia seiva, vertendo e escorrendo das folhas das árvores naquela floresta fechada.

A plenitude brotava dela, num balanço perfeito entre o bem e o mal, ou entre o doce e o salgado. Um anjo, ou talvez uma ninfa da floresta, assim ele a enxergava, mas também percebia claramente a diferença estrondosa entre os mundos a que pertenciam. Eram realidades opostas, o que impossibilitava um mínimo toque entre seus corpos. Olhares se chocavam por toda a noite, e mesmo com os olhos fechados, ambos se contemplavam por cada instante. Mas era tudo o que poderiam fazer. Contemplar um ao outro.

Ele enxergava nela a dúvida e a incompreensão diante daquele espelho que a prendia tão distante. A dúvida vinha da incerteza se era certo ou não romper o espelho, e a incompreensão brotava da indignação de ser obrigada a viver naquele martírio.

As noites passavam apressadas, assoviadas no silvo de uma sereia. Seria ela? Um anjo/ninfa que canta como sereia? Era esse o seu poder, o de hipnotizar aquele alucinado solitário da floresta? Ela brotava, agora, das águas mansas do lago, e o chamava para fora. As lágrimas sincronizavam o rosto de ambos sob aquele luar ardido. Foi então que se batizou toda aquela agonia: a dor da solidão.

Ele correu desesperadamente para ela. Quebraria aquele espelho que a prendia e a tomaria para ele. Triste ilusão. Ela mergulhou para o lago e jamais voltou. Ela sabia de seu destino, de seu vínculo com um mundo alheio ao dele.

Inconformado, ele berrou aos quatro ventos, amaldiçoando-os por tê-la trazido pela primeira vez, mas ainda mais por não ter permitido a ela o transpassar pelas barreiras que os separavam. E ele caiu de joelhos, sem entender o por quê desse sentimento ser tão parecido com um pecado mortal.

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Com a mão no peito, implorou que ela retornasse, e sentiu que morria aos poucos, ali deitado sobre aquela água fria que recobria a superfície do espelho que a prendia. Ele enxergou um brilho pálido, que brotava das profundezas do espelho. Era ela, ele conhecia o brilho de seus olhos. O desejo daquele homem em tirá-la de lá foi tão forte, que ele sequer se deu conta que fazia um pacto com o desconhecido. Trocou sua existência pela dela, fazendo-a brotar para a floresta. Ele? Mergulhou para dentro do espelho, deixando-se absorver pela melancolia de não poder tê-la para si.

Ninguém, nesse mundo, tem coragem de entrar naquela floresta. Dizem que uma mulher bela, com asas de ninfa ou de anjo, vive por lá. Dizem, também, que ela canta como sereia, mas canta triste, agoniada por algo que ela sabe ser impossível de conseguir realizar. Ela é incapaz de quebrar a crosta do espelho que a separa daquele que a libertou.

Noite após noite ela vai até o lago para vê-lo ali, nadando sob a crosta grossa que separa o “ter” e o “querer”. Ela chora a solidão de um mundo pálido, enquanto ele sequer a enxerga, cegado pelo castigo de tanto desejá-la ao seu lado.

E assim, em cada madrugada ela se olha no espelho do lago, tentando entender as proibições que rondam seus sentimentos. A única coisa pela qual ela clama, é que a eternidade jamais lhe seja concedida, pois seria doloroao demais sofrer essa dor assim, tão solitária.


Marcio JR


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

BARCO A DERIVA

barco a deriva - by Google
Até este momento, creio que fiz o que pude para me manter com algum incentivo a escrever. Mas, de uns dias para cá, simplesmente desanimei de vez.

O que foi satisfatório para mim por muito tempo, hoje tem me trazido mais desgostos do que alegrias. O pouco que me restava, esvaiu. As palavras perderam seu único significado, o de transportar pensamentos meus para o papel.

Sou meu maior crítico, e nunca me vi como um escritor ou algo do gênero. Apenas escrevia para minha satisfação, e para tanto, me policiava severamente. Até isso acabou.

Estou cansado e sem a mínima vontade sequer de guardar o que já tenho escrito em arquivo.

Como respeito àqueles que me seguem ou gostam do que escrevo, vou manter o blog como está. E quem sabe mais para a frente, em algum dia de chuva, eu volte.

Abraço a todos.

Marcio JR

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

ESTRELA PEREGRINA

Céu de papelão - by Google
Quando nosso planeta ainda era muito novo e habitado por seres que nossa imaginação jamais concebeu, uma aldeia se formou, rodeada de montanhas muito belas e dragões alados. Nesta aldeia, comandada por um sábio muito dedicado ao seu povo, morava Gandul, um jovem impetuoso e sonhador.

As enormes estrelas cadentes eram muito comuns naqueles tempos, mas uma em especial, a Estrela Errante, era tida como uma espécie de amuleto sagrado. Não se tratava exatamente uma estrela, e sim algo que orbitava a terra, e descrevia diariamente o mesmo trajeto, com uma pontualidade incomum.

Gandul, sempre ávido pelo conhecimento e por saber mais, vivia sob as asas do sábio, mas se mostrava inquieto nos últimos dias. As fronteiras da aldeia tornavam-se pequenas para aquele jovem. Ele queria mais, e queria algo especial, a felicidade em seu estado puro. Pensando assim, foi até o sábio, questioná-lo e avisá-lo de sua partida.

―Sábio, vou partir em busca do meu legado de felicidade. Mas não vou sem seus conselhos. Como faço para achar o que tanto quero?

―Muito simples, meu jovem. Sua felicidade tem um nome, Estrela Peregrina. Siga com ela, e será feliz.

Algo, naquele instante, aconteceu com o sábio. Ele fechou os olhos e adormeceu para nunca mais acordar. Gandul ficou paralisado por alguns momentos. O sábio padecera, morrera diante dele, mas não sem deixar um último enigma para ser decifrado. Estrela Peregrina? O que o ancião quis dizer com aquilo? Segui-la?

Minutos depois, a Estrela Errante passou sobre a aldeia e a iluminou de forma fantástica. Diante de Gandul, bem no meio daquele súbito clarão, uma bela jovem apareceu toda vestida de branco. Ele olhou para ela e para a estrela ao mesmo tempo, e levantou-se, despedindo-se da bela jovem.

―Gandul, aonde você vai? ―ela perguntou, como se pressentisse algo.

―Atrás da Estrela Errante. Ela é minha guia. Ela é a Estrela Peregrina que o sábio falou. Ela me guiará até a felicidade.

―Gandul, espere. Por favor, não vá...

Os apelos da jovem foram em vão. Gandul correu naquele mesmo instante para as montanhas, ainda a tempo de ver a direção que a estrela tomava. Ele marcou um ponto no horizonte e começou a andar. Mas, aquilo parecia ser tão distante que ele desanimou em pouco tempo. Ao olhar para o lado, um daqueles dragões alados alimentava-se tranquilamente. Eles eram dóceis, e não foi difícil para que Gandul subisse nas costas do animal e, pouco tempo depois, partisse no rumo de sua tão sonhada felicidade.

Ao chegar até o ponto que havia marcado, procurou por todos os lugares, mas não havia nada ali. Apenas florestas fechadas, rios e animais. Então, alimentou seu novo amigo e esperou. O dia passou e, ao fim da tarde, a Estrela Errante voltou e animou novamente o rapaz. Ele subiu rapidamente em seu dragão e partiu em perseguição àquela estrela, mas ela era muito rápida, e seria impossível segui-la. Novamente ele marcou um ponto por onde ela passou, e foi para lá. O que encontrou? O mesmo de antes, muito mato, montanhas, animais, e nada além disso.

Alguns anos se passaram, e Gandul continuava em sua busca. Viu muitas coisas em sua peregrinação. Novas aldeias que surgiam, povos que brigavam entre si, tentando dominar outros povos. Conheceu o ódio entre pessoas, motivado unicamente por elas serem diferentes umas das outras. Também viu fome, miséria, doenças, e algo que o tocou profundamente. A natureza sendo destruída. Começou, então, a desanimar, pensando que a felicidade não existia. Mas como? O sábio havia dito que bastaria seguir a Estrela Peregrina para encontrar a dita felicidade. E o sábio não poderia ter se enganado, jamais. Assim, ele seguiu, sempre acreditando.

Coletando estrelas - by Google
Numa tarde, já muito cansado e a beira de desistir de sua jornada, Gandul avistou novamente a Estrela Errante. Notou algo estranho, um brilho mais intenso. Pareceu enxergar na estrela o rosto de uma linda mulher. Esfregou os olhos e, ao abri-los, sequer a estrela viu novamente. Seria sonho? Quando se voltou para o dragão, percebeu que a estrela realmente havia passado, e já se perdia pelo horizonte. Ele montou no animal e voou até a montanha mais próxima, jurando ser aquela a última vez que faria tal coisa. Lá, ele soltaria seu companheiro de jornada e sentaria em algum lugar, apenas aguardando a morte. Mas, teve um surpresa ao chegar ao topo da montanha. De lá, observou uma grande aldeia, repleta de pessoas e animais, e todos pareciam conviver pacificamente.

Ali mesmo largou seu dragão, e desceu em disparada. Não importava mais a tal felicidade. Queria, apenas, um lugar para chamar de lar, e uma companheira para passar com ele o resto de seus dias. No entanto, notou algo estranho. A medida que caminhava pela aldeia, tudo parecia familiar. As construções, aquele povo, as montanhas ao redor, até que ele parou diante de uma tenda que lhe deu uma certeza. Estava de volta ao mesmo lugar de onde partira. Sua aldeia.

―Olá, Gandul.

Uma voz soou suave aos seus ouvidos. Quando se virou, notou uma linda mulher, aquela mesma que pensou ter visto misturada à luz da Estrela Errante. Ele ficou petrificado, e olhava aquela mulher como se já a conhecesse, até que lembrou de onde a conhecia. No dia em que partiu, fora ela a se despedir dele, exatamente ali, naquele lugar.

―Encontrou a felicidade que tanto procurava?

Gandul balançou a cabeça negativamente, como se a derrota lhe caísse sobre os ombros.

―Não. O sábio se enganou. ―Gandul comentou, desanimado. ―Ele me mandou seguir a Estrela Errante, e ela me trouxe de volta ao mesmo ponto de partida. O que achei pelo caminho, foram tristeza e desolação. E até penso que o sábio tentou me dizer que, por mais que eu procurasse, minha felicidade estaria aqui.

―Só que ele não te mandou seguir a Estrela Errante, Gandul. Ele mandou você seguir com a Estrela Peregrina.

―Mas, a Estrela Peregrina e a Estrela Errante eram a mesma! Não entendo isso. E como você pode ter conhecimento que as duas não são as mesmas?

―Se você tivesse me escutado naquele dia, teria poupado um longo caminho. ―ela falava e olhava docemente para ele, diretamente nos olhos. ―Talvez você realmente precisasse sair, conhecer o mundo, para ver o quanto poderia ser feliz aqui, em sua própria aldeia. Prendê-lo só iria te trazer tristeza, e até penso que a sensação do fracasso também te tomaria, deixando-o amargurado. Sempre te faltaria algo. Agora, você sabe que é aqui o seu lugar, ao lado de sua Estrela Peregrina.

―Sim, concordo com você. Hoje, vejo o quanto o meu lar é o meu refúgio, e meu povo é minha família e fonte de alegrias. Não duvido mais disso. Mas, e onde está minha Estrela Peregrina?

Céu de estrelas - by Google
A mulher levantou a mão e segurou o ombro de Gandul. Chegou bem próxima a ele e falou em seu ouvido.

―No dia em que você partiu, o sábia havia batizado as jovens da aldeia. E deu a mim, o nome de Estrela Peregrina. Tentei te alertar, mas o sábio já havia me avisado que seria inútil. Você precisava ver para crer. Te esperei todos esses anos, pois sabia que você não desistiria, e também que a Estrela Errante te traria de volta. Agora, vamos. Você deve tomar seu lugar de direito em nossa aldeia, ao meu lado.

Gandul finalmente encontrou sua tão sonhada felicidade. E aprendeu que, por mais que ela esteja ao nosso lado, devemos batalhar por ela, pois ela pode escapar facilmente. Nem sempre a enxergaremos, e se não estivermos prontos para recebê-la naquele instante, penaremos muito para conseguir outra chance de encontrá-la. No entanto, por mais que seja difícil de encontrá-la, não se deve desistir, jamais, de buscar a felicidade.


Marcio JR