domingo, 25 de novembro de 2012

ANGÉLICA E ANGELINA - QUANDO OS ANJOS DIZEM AMÉM (fábula)


Angélica - image by Google
Angélica teve uma infância pobre e restrita. Poucos brinquedos, roupas rasgadas, trabalho árduo e pesado para seus braços frágeis, mas com muito amor dado por seus pais. E assim ela cresceu, sempre esperançosa. Transformou-se em moça formosa, e mesmo com aquela infância sofrida, o mais belo sorriso sempre transbordou em seus lábios.

Nos cabelos de Angélica, uma flor fazia constante presença, branca e perfumada, e o amor não demorou para desabrochar em seu coração. Um jovem, também muito humilde, desposou-a, e juntos, construíram um lar e uma família.

O marido, rapaz honesto e muito trabalhador, preparou um roçado enorme na propriedade em que residiam, enquanto Angélica se ocupou da casa e do jardim, que de tão bem cuidado, era admirado por todos os moradores da pequena cidade.  O sonho do jovem rapaz era ver a esposa grávida, mas Angélica, por uma fatalidade do destino, não poderia gerar o filho tão desejado pelo marido.

Angélica entristeceu, e mesmo com todo o amor que ela tinha no coração, o jardim sentiu sua agonia. As plantas começaram a secar, uma a uma, e as poucas flores que ainda despontavam no alvorecer já não lhe davam mais alegria. Até que numa manhã cinzenta, recoberta de garoa, ela foi até o meio do jardim e sentou entre algumas flores brancas e de perfume marcante. Seu coração estava apertado, e ali ela jurou que teria aquele filho que o marido tanto queria, nem que tal ato fosse a última coisa que ela fizesse. Neste momento, uma dor muito forte tomou sua cabeça, fazendo-a desmaiar instantaneamente. Quando acordou, já estava em sua cama, com o marido ao lado, olhando-a.

Os dias passaram e ela logo reparou algo estranho em seu corpo. Enjôos e uma vontade absurda de correr pelos campos a tomava a todo instante. Inexplicavelmente, ela estava feliz novamente, e não demorou para saber o motivo: estava esperando um filho, mais exatamente uma menina. Assim, Angélica retomou seu sorriso e a lida no jardim, e quando a filha nasceu, deram a ela o nome de Angelina.

No entanto, a felicidade do marido se transformou em tristeza rapidamente. Angélica, pouco tempo depois de trazer ao mundo a filha, adoeceu e morreu, deixando uma nuvem negra naquela casa. Angelina cresceu vendo o pai amargurado e piorando a cada dia. No jardim, nada mais se via além de ervas daninhas, e o roçado, provento da família, secou em pouco tempo.

Angelina, mesmo tendo todos os motivos para se amargurar, mostrava felicidade, e em todos os fins de tarde, corria para o antigo jardim que a mãe mantivera com tanto carinho. De lá, ela sempre voltava com um sorriso no rosto, e quando o pai perguntava a razão daquilo, ela dizia que estivera com a mãe. Ela era, ainda, muito criança, e o pai tentava se convencer de que aquilo era unicamente uma forma dela se defender da tristeza que a rodeava.

Numa tarde ensolarada, o pai viu a filha correr para o antigo jardim, e não demorou muito para ouvir a risada da menina, como se brincasse e se divertisse com alguém. Ele, curioso, foi até o jardim para observar a filha, e quando chegou perto de onde ela estava, viu-a sentada no chão, ao lado de um pequeno pé de flor branca e perfumada. Era o único arbusto florido que ainda restava naquilo que fora um jardim cheio de vida. O pai assustou-se ao ver que a menina parecia conversar com alguém, pois não havia mais ninguém além deles naquele lugar.

Preocupado com a filha, o pai foi até ela e sentou-se a seu lado, chamando-a e perguntando com quem ela falava. A menina, calmamente, apontou a flor e disse que a mãe estava ali, rindo para ela.

―Minha filha, aqui não há ninguém além de nós dois. É apenas a sua vontade de ter sua mãe. Eu também morro de saudades dela.

―Papai. A mamãe pediu para você fechar os olhos.

―Filhinha. Ela não está aqui. Tente entender...

A menina olhou ternamente para o pai, deixando-o comovido. Ele, sem ter muito a fazer, fechou os olhos e sentiu uma sensação estranha. Um leve perfume invadiu seu corpo, e a imagem da esposa logo se fez diante dele. Ao abrir os olhos, ele se viu num campo completamente florido e perfumado. Ao lado dele, a filha estava em pé, sorrindo, e atrás dela, também em pé, Angélica a amparava pelos ombros e esboçava o mais belo sorriso, exatamente como ela fazia em seus tempos de juventude. Junto a eles, vários insetos esquisitos, parecendo duendes com asas, se espalhavam por todos os lugares e cuidavam do jardim.

Tulipa - image by Google
O pai ficou sem entender e se pôs em pé, chegando bem próximo daquela que parecia ser Angélica. Quando estava para beijá-la, tudo sumiu repentinamente e somente a filha permaneceu diante dele. Ele balançou a cabeça e pensou ser tudo um sonho, mas assustou-se novamente ao ver que várias flores brancas apareciam junto aos seus pés. Em poucos instantes, todo aquele antigo jardim se transformou no mais belo e branco campo de flores. Um sorriso estalou em seus lábios, e por mais que chorasse, sabia agora que Angélica sempre esteve ali, e que jamais abandou a ele ou à filha.

Alguns meses depois, naquela propriedade que secara com a partida de Angélica, foi construído um grande campo de plantação de flores. Com o tempo, Angelina e o pai passaram a retirar seu sustento da colheita e venda das mais variadas espécies que brotam pela grande e fértil propriedade em que residem. No entanto,  é no pequeno jardim onde Angélica cultivava suas tão adoradas flores brancas que os dois passam a maior parte do tempo. Lá uma flor branca e extremamente perfumada domina o ambiente. O nome desta flor? ANGÉLICA.


MarcioJR


sábado, 17 de novembro de 2012

O PERFUME QUE FICOU EM MIM

filme PERFUME DE MULHER - by YouTube

O ar da manhã, sempre perfumado daquele cheiro de flor acordando, me encanta os sentidos. Durante muito tempo, foi este o perfume que carreguei comigo. Até acredito que era o único perfume de que precisava em mim.

O tempo, com seu perfume amadeirado, caminhou comigo e contagiou minha pele. A impetuosidade da juventude, que acomete nos verdes anos com seu odor mais ácido, porém um tanto volúvel, ficou para trás. E o que era pressa se transformou na mais pura vontade de aproveitar o odor de cada dia, de cada instante.

Aprendi que cada coisa, cada acontecimento, cada momento (seja ele feliz ou não) tem uma identidade bem marcada. É como se uma memória olfativa me dominasse e me impusesse fragmentos perfumados daquilo que vivi e absorvi por essa já longa estrada. Seletivo que sou, o que me fica são os bons momentos, pois, e por sorte, os cheiros desagradáveis dos momentos ruins, esses se confundem e amenizam com o tempo. Não serão esquecidos, por certo, mas serão sobrepostos por odores que possuem elementos capazes de eternizar sentimentos bons na alma.

Estranhamente, e como a memória não é capaz de sintetizar odores, associo aromas e cheiros a imagens. Dia desses embarquei numa nostalgia tremenda, relembrando instantes de pura magia. Um filme brotou em meus pensamentos, e nele, um casal dançava tango. Al Pacino e Gabrielle Anwar protagonizaram uma das mais belas cenas a que pude assistir, e foi então que me dei conta de que não existia, ainda, um perfume a que eu pudesse associar tal momento.

Celêdian Assis
Revirei toda minha bagagem de memória, andei pelo jardim de casa, busquei no mais remoto daquilo que conheço, e somente um perfume me ocorreu para ancorar nesta tão bela recordação: o perfume do carinho, do afeto, da simplicidade, e da magia que vem de ti, Celêdian Assis.

Hoje é teu aniversário, minha querida amiga. É pena que a única coisa que posso te dar é o meu abraço imaginário e todo o carinho que consigo te enviar daqui, em palavras. Mas, saiba que você é uma das pessoas que mais admiro e respeito. O fato de poder tê-la como amiga já é, por si só, um dos maiores presentes que a vida me deu.

O perfume que ficou em mim? É o mais puro aroma de nossa bela amizade, Celêdian.

Feliz aniversário, minha preciosa e estimada amiga.


Marcio JR

sábado, 3 de novembro de 2012

MATILDE

Image by Google
Ana caminhava lentamente pelo estreito corredor e, ao passar ao lado da sala, ouviu vozes masculinas. Como ela jamais conseguira conter seu ímpeto alcoviteiro (se é que alguma vez tentou!), colou a pequena e sagaz orelha à porta, e aproveitou. Do cômodo, reparou as vozes de Edú, seu irmão mais velho, e Nilo, o marido de sua melhor amiga.

—Ela é um espetáculo, meu amigo. —Nilo comentava, empolgado.

—E como ela é? —o outro questionava, mostrando interesse.

—Quando ela anda, não tem quem não repare. Quadris largos, com um rebolado bem marcado. A traseira é empinada. Puro mignon. Ela é minha e ninguém tira. Fiquei babando pela Matilde

Ana estarreceu. Sua melhor amiga estava sendo traída? Um turbilhão de pensamentos passou por sua cabeça, mas a vontade de colocar aquela bomba no Facebook e levar a fofoca adiante foi maior do que tudo. No entanto, era sua melhor amiga, e por certo deveria ser ela a primeira a saber. Depois, é claro, repartiria a informação com algumas poucas pessoas nas redes sociais. Então, em menos de cinco minutos, Ana estava em sua caminhonete e rumando apressadamente para a fazenda onde a amiga residia.

—Dedéia, minha amiga. É isso mesmo. Eu “vi” tudo, com essas orelhas que terra nenhuma há de comer. Afinal, não paguei uma fortuna em cirurgia plástica pra terra estragar tudo depois.

—Ana, que inferno! Eu não posso acreditar nisso! —Dedéia bufava, atônita. —O que mais ele falou, amiga? Diz, sem dó nem dor no “célebro”.

—Ah! Sei lá! Disse que ela é loira, alta e rica. Que conheceu ela numa boate, e que ela é praticante de dança do ventre. Disse que tá apaixonado. E também que a bunda dela é grande.

—O que? —um berro esganiçado e carregado de raiva brotou da boca de Dedéia. Ela rodou nos calcanhares e começou a jogar tudo o que alcançava ao chão. —Loira? Rica? Faz aqueles “trem” esquisitos com a barriga? E ainda de bunda grande? Ah! Ele me paga. Me paga bem caro. O que eu faço, amiga? Me diz logo! O que eu faço com esse canalha?

—Se eu fosse você, destruía o que ele mais gosta. —Ana comentou em tom sarcástico, e, logo em seguida, sorriu como se estivesse plenamente satisfeita por incitar a amiga a fazer alguma maldade.

Dedéia ouviu aquilo e desapareceu pelas escadas que levavam ao segundo andar da casa. Ana, sem entender, foi atrás. Em instantes, localizou a amiga num dos quartos, mas estaqueou, ficando boquiaberta com o que viu. Dedéia, armada com um taco de golfe, espancava violentamente um pato de borracha.

—Mas, o que você está fazendo?

—Ué! Fazendo o que você mandou. Estou destruindo o que ele mais gosta! Ele adora esse patinho de borracha. Quando vai pra banheira, só toma banho com esse patinho dentro da água.

Image by Google
—Pelos deuses do “Olímpo Egípcio”! Sua tonta! E desde quando espancar um pato de borracha vai atingir o safado do teu marido? Tem que fazer algo mais impactante. Se bem que esse patinho é bonitinho! —Ana pegou o pato de borracha e perdeu alguns segundos, admirando-o e virando-o, até que reparou algo na parte de baixo do brinquedo. —E por que tem esse buraco desse tamanho na parte de trás do pato? Cabem meus dois polegares juntos aqui nesse buraco!

—Não seja indiscreta, amiga! Mas, você tá certa! Vou dar cabo disso agora mesmo. Ele brincou com fogo, então, vou contra-atacar com fogo também.

Dedéia agarrou o pato de borracha e desapareceu novamente. Ana, desanimada, sentou e esperou, pois sabia que a amiga pouco faria. Então, sem pressa, abriu o guarda-roupas e passou a admirar os vestidos de festa de Dedéia. E assim, o tempo passou. Meia hora depois, Ana sentiu um cheiro forte de fumaça, e correu até a janela. De lá, pode observar uma nuvem preta subindo aos céus. Aos tropeços, correu pelas escadas, e só parou quando chegou ao lado da amiga, que mantinha um olhar extremamente sórdido.

—Sua louca! —Ana gritou, pasmada. —O que você fez?

—Ué! Dei cabo das duas coisas que o pilantra mais gosta. O pato de borracha e a caminhonete dele.

—Essa é a minha caminhonete, sua estúpida!

—É? Vocês têm caminhonetes iguais? Nem me dei conta disso!

Sem que elas percebessem, as labaredas atingiram a casa, e em pouco tempo, tudo veio ao chão. Algumas horas depois, já com os bombeiros controlando tudo, Nilo chegou ao local, completamente desesperado.

—Homem é tudo igual. Vocês insistem na mentira até quando as provas são incontestáveis! Eu escutei você falar até o nome dela, seu safado! —Ana esbravejava, ainda querendo incitar a amiga a ficar com raiva do marido. —E você falou em alto e bom tom! Matilde!

—Espera! Espera um pouco! —Dedéia parou o que fazia e sentou a um canto, nitidamente desconcertada. —Matilde era minha vaquinha que morreu, e você tinha prometido comprar outra. Você não estava falando da... minha vaquinha, estava?

Nilo apenas balançou positivamente a cabeça, o que foi suficiente para que Dedéia quase entrasse em um colapso nervoso. Ana tentou acolhe-lha, mas acabou enxotada pela amiga. Um pouco mais distante, Nilo olhava para os restos de sua casa, e levou um susto enorme ao ouvir seu próprio telefone celular tocando. Saiu para o lado e atendeu, mostrando nervosismo.

—A situação tá feia. Tudo queimado. Minhas duas caminhonetes, caminhão, trator, minha casa, meus pertences. Meu patinho amado. Tudo. E o pior é que ainda vou ter que comprar uma droga de uma vaca pra sustentar a história que, por pura sorte, me livrou de um divórcio. Ainda bem que a porcaria da vaca tinha o mesmo nome que você. E por favor, Matilde. Não me liga mais no meu celular, meu amor. Senão, ainda arranjo encrenca por tua causa.



MarcioJR