domingo, 29 de abril de 2012

LÁ NÃO TEM MAR

Minas Gerais não tem mar. Ao menos, não aquele de água salgada e com uma faixa de areia, que maravilhosamente contorna esse nosso Brasil de norte a sul. Mas lá em Minas tem um mar de gente batalhadora, honesta e hospitaleira. Lá, tem um mar de riquezas inenarráveis nas artes, independente qual seja essa arte. Lá tem um mar de povo amigo, que recebe seus visitantes com pão de queijo e café quentinho. Lá em Minas, além desse mar todo que falei acima, tem o José Cláudio, ou simplesmente Cacá para quem o conhece a mais tempo.

Você não sabe quem é o Cacá? Bom, segundo palavras dele mesmo:

“Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei”



Ainda não se antenou sobre quem é o Cacá? Vou pedir ajuda para duas blogueiras e amigas que guardo no coração para me ajudar a defini-lo:

“Para mim ele (Cacá) é uma pessoa que trata a literatura com afagos fortes e bonitos, e isso me encantou ainda mais, além da simplicidade que ele esbanja.
O tempo, esse que chega sempre e nos faz esquecer uma tristeza forte, corre veloz e nos presenteia com pessoas assim sinceras, corretas e sem papas na língua pela verdade.
Cozinheiro de plantão na essência, a sinceridade que há em ti (Cacá) são hierarquias fortes.
Ser intelectual é isso, ser simples, sábio e prudente, e empregar a cautela, a cultura em prol de algo que valha a pena lutar.”

“O Zé é um inominável talento literário por inúmeras razões: é um leitor voraz e muito atento; um grande pensador com referências morais e éticas de coerência ímpar; um cronista que retira do cotidiano detalhes ínfimos que passariam despercebidas aos menos atentos, mas que em sua visão, transforma a nossa; um poeta fenomenal, embora insista em não expor muito este lado, além de contar com um senso de humor apuradíssimo. A figura humana? Esta é a parte mais interessante, é fantástico. Um pessoa agradável, gentil, amigo e extremamente generoso. Tímido, sabia?”

Preciso dizer mais? Sim, preciso dizer.

Cacá é um ser único. Um homem com H maiúsculo e que habita este planeta com uma missão nobre. Ser amigo, companheiro e um descobridor de talentos fora do comum. Mesmo que ele esteja um tanto afastado da web nesses últimos tempos, suas crônicas e ensaios estão atualíssimos, e dão norte para muitos autores que ele mesmo fez emergir. E eu me considero um deles. Se hoje sou um “escrevinhador” de minhas mal traçadas linhas, muito disso devo ao Cacá e aos seus comentários e críticas sempre pontuais e zelosos aos meus contos e crônicas.

Quantas vezes, ainda no Recanto das Letras, eu aguardava o comentário do Cacá aos meus textos, para que assim pudesse ter parâmetros para o que ainda pensava em escrever. O que sentia, quando ele comentava, era algo como se fosse um aval para poder continuar. Outros nomes como Daniel Monge (nosso querido André), Celêdian, Chica, Ana Marly, LenaPena, entre outros, também compunham essa casta fantástica que me comentava e criticava, mas o Cacá sempre foi especial.

Lembro que em algumas madrugadas, ao abrir minha caixa de e-mail, lá estava uma mensagem do Cacá, indicando um ou outro novo talento que ele “adotava”. Sim, o Cacá adota autores. Ele adota e orienta, e tolo daquele que tem esse moço ao seu lado e não sabe (ou não quer) se beneficiar do zelo que ele tem com os novatos. Outra coisa que me faz tirar o chapéu a este mineiro de coração enorme, é o fato dele sempre estar disposto a receber os talentos que lhe são indicados. Lembro de ter passado, pelo menos, dois nomes a ele, e sempre que eu passava pelo blog dessas pessoas, lá estava o Cacá com seus comentários e incentivos.

Cacá, meu querido amigo e companheiro desse tempo todo que nos conhecemos. A web está meio chata sem você. Sei do trabalho que dá o lançamento de um livro, e sei também das demais circunstâncias que te envolvem, mas cá pra nós... volta logo, meu amigo. Vamos pensar a web como uma cozinha. Sem o cozinheiro, até nos alimentamos, mas os bons pratos, esses estão a espera do mestre para saírem do forno.

Meu grande abraço, Cacá.


Marcio JR

***************************

Quer conhecer mais sobre o Cacá, ou ver o que outros blogueiros estão falando sobre ele? Dá uma passadinha nestes blogs:

  • Anne Lieri

  • Otilia Lins

  • Chica

  • Neno

  • Fernanda

  • Majoli
                 Blog Rabiscos da Alma

  • Toninho Bira
                 Blog Mineirinho Passaredo

  • Sam

  • Celêdian

  • Leninha
                 Blog Tudo a Ver



***************************


As citações do próprio Cacá, da Fernanda e da Celêdian, foram retiradas da entrevista que o Cacá gentilmente me concedeu para o Blog Arena das Crônicas. Caso você tenha curiosidade em ler a entrevista na integra e, também, os comentários daqueles que passaram por lá, acesse o link abaixo.


Conheça o Cacá - Blog Uai! Mundo

sexta-feira, 20 de abril de 2012

CHICO CONTENTE - NÓ NA CACHOLA

image by Google
Piracicaba, fins de 1930.

--Cadê esse peste do Chico, que não aparece nunca!

Seu Anésio, que varria a frente do armazém, parou o que fazia e foi até o balcão. Lá, estava o padre Mirto completamente nervoso e, como se não bastasse, com coceira pelo corpo todo.

--Ih! Seu padre! Cada veiz qui o sinhô tá cum essas cumichão, é purque a coisa num tá boa. I além du que, a módiquê vóis micê tá aí nessa gastura toda isperando o Chico?

--Eu conto, Anésio. Eu conto! --o padre se virou para o balcão e pegou um copo cheio de cachaça, tomando seu conteúdo num único gole. --Mas antes, me põe mais um trem desse.

--Ara! I num é pecado tomá pinga desse jeito?

--Anésio, deixa que me entendo com essas partes. Tenho carta branca celestial para algumas coisas. Agora, enche logo o copo. E quanto ao Chico, tão dizendo por aí que ele endoidou o Teobaldo e mandou o coitado pro hospício.

--Virge Nossa do Pão Seco! I cumé qui esse miserento feiz um trem desses?

--Não sei, Anésio. O que sei é que a Tonha tá desesperada. Mas, olha o cabra aí. Já vamos descobrir.

Chico Contente atravessou a rua com toda a calma do mundo. Quando entrou no armazém de seu Anésio e viu o padre, fez menção de voltar para a rua, mas para sua infelicidade, o padre chamou por ele, e num tom nada compreensivo.

--Vem cá, seu traste, que você tem muito pra me contar.

--Bão dia pru sinhô tumém, seu padre. --Chico olhou meio de soslaio para o padre, e já em seguida se encostou no balcão e pediu para que o dono servisse algo para beber. --U sinhô drumiu bem?

--Não se faça de desentendido. To procurando sua pessoa faz dois dias, e nada. Tava se escondendo de mim, por acaso? Não tem nada pra me contar?

Tanto Chico quanto seu Anésio se olharam e permaneceram calados. O padre, como viu que nada aconteceria ou seria dito, continuou em seu inquérito.

--Trate de me explicar, e com detalhes, o que aconteceu pro Teobaldo ir parar num hospício.

--Arre! Intônce é isso qui u sinhô tá incomodado? Só pidi pra qui ele sispricasse cumé qui ele é pai du bisneto dele.

--Minha Virge Nossa do Pão Moiado e Amanhecido! Qui é isso? --Seu Anésio soltou a garrafa de cachaça no chão e abriu a boca, sem acreditar.

--O que? De onde você tirou essa asnice, Chico? --o padre empalideceu, arregalando os olhos. --O Teobaldo é um dos homens mais honestos que conheço. Além do quê, ele tem neto, e não bisneto. Vai, explica isso logo.

--Bão... é qui mi ocorreu uma dúvida! --Chico pegou uma garrafa fechada de cachaça e abriu, carregando-a para uma mesa e sentando-se. --Tudo si deu di cumeço quando o Teobaldo enviuvou...

“...cumpadi Teobaldo num é homi di ficá suzinho im casa, i logo tratô di casá. Num é pecado qui eu sei. Arranjô uma moça nova e dereita, a cumadi Tonha. Daí, u tal du distino aprontô, i o Zeca, fio du cumpadi Teobaldo no premero casório dele, tumém arrumô uma muié, só qui bem mais véia i viúva tumém. Acho qui num é pecado dele, mais da viúva véia já nem sei...

...quando u cumpadi Teobaldo i u Zeca si déro conta, as muié deles era mãe e fia. U Cumpadi casô cá fia, qui era a Tonha, i u Zeca casô cá mãe da dita. I cumeçô u nó na minha cachola.”

--Eita! --o padre se irritou, mas sentou ao lado do Chico, prevendo que a história seria longa. --Onde você quer chegar com isso, Chico?

“Seu padre! Quando um fio casa, a muié du fio vira nora, intônce, a mãe da Tonha, qui é muié du Zeca, além di sogra do cumpadi, é nora tumém, purque é casada co fio dele. I u Zeca, quí é genro da Tonha, passa a ser irmão di criação dela. I a Tonha, qui além di fia da muié do Zeca, passa a sê fia di criação du cumpadí Teobaldo. Nesse caso, já deu pobrema, a módiquê u Zeca casô cá pópria irmã, já que a muié dele virô fia di criação du cumpadi. I tumém ele passa a sê fio di criação da fia da muié dele, intônce, o traste casô cá pópria mãe?...

...i tudu piorô. U Zeca virô sogro do póprio pai, i pai di criação da fia da muié dele, qui nu caso, é mãe di criação dele mesmo. Nesse caso, u peste é pai dele póprio? Intonce, a fia da muié du Zeca, qui já era irmã dele, nessas artura, virô irmã di criação da pópria mãe, e tia do Teobaldo, qui casô tumém cá pópria irmã...

...pá intortá tudu di veiz, as duas imbucháro junta i ganháro fio dia desses. U fio du Zeca é neto du cumpadi Teobaldo i irmão da cumadi Tonha. Si é irmão da cumadi Tonha, intônce é cunhado du póprio avô i tio du Zeca. Si o fio é tio du Zeca, intonce ele é tio da pópria mãe. Já u fio du cumpadi Teobaldo é pior...

...u fio du cumpadi Teobaldo é irmão du Zeca i subrinho ao mermo tempo, e sendo irmão do Zeca, é cunhado da mãe da cumadi Tonha. Sendo fio da cumadi Tonha, passa a sê neto da muié du Zeca, intônce, é neto du Zeca tumém. U Zeca é tio du póprio neto, intônce o Zeca é tio do pai dele, o Teobaldo. Si u fio da Tonha e du cumpadi Teobaldo é neto du Zeca, intônce é bisneto du cumpadi Teobaldo, qui nesse meio tempo, virô tio dele mesmo, cunhado da pópria Tonha e pai du avô du póprio fio.”

--Anésio! --o padre chamou pelo dono da venda, mas sem obter resposta. --Anésiooooo.

image by Google
O dono da venda apenas olhava para a mesa, pálido e sem voz. Ao se dar conta, o padre puxava a ponta de seu avental e mostrava a garrafa de cachaça vazia.

--U sinhô vai querê mais pinga, padre Mirto? --a voz do dono do armazém soou murcha e sem muita direção. --Pódi bebê qui querdito qui hoji num vai sê pecado ninhum. Inté acho qui lá inrriba, os santo tudo tão percurando arguma coisa pra módi moia a guela tumém, purque ninhum deles há di tê intendido patavina ninhuma du que esse patusquela falô.

--Quero não, meu filho. Só quero um favor. Vai lá no hospício, e vê se o tal do dotorzinho que recolheu o Teobaldo pode me atender.

--U sinhô vai pidí pra módi disinterná o cumpadi Teobaldo, padre? --Anésio argumentou com o padre, mas sem desgrudar os olhos da mesa.

--Desinternar o Teobaldo? Que nada. --o padre completou, também sem afastar os olhos da mesa. --Depois dessa, acho que quem precisa de tratamento sou eu.

Marcio JR


sábado, 7 de abril de 2012

A FÁBULA DE MAYS


Image by Google

Em tempos remotos, muito antes de Jesus Cristo andar pela terra e quando os povos ainda viviam em pequenas aldeias, surgiu nas costas do que hoje é o Golfo do México um povoado chamado Mayrim, que mais tarde daria origem ao povo Maia. Era um grupo audacioso e guerreiro, que rapidamente dominou toda a região. Porém, a audácia se transformou em ganância, o que levou aquele povo a ser temido por todos os demais, fosse por sua inteligência na arte da guerra ou pela truculência que eles empregavam contra seus inimigos após as conquistas.

As crianças dessa aldeia eram preparadas desde muito novas para crescerem fortes, como verdadeiros guerreiros. Aquelas que não demonstravam aptidões para isso, eram treinadas para outras funções, como as de sustento da aldeia e, principalmente, dos grupos de ataque. Com o passar do tempo, e com o aumento absurdo da ganância daquele povo, tudo o que era produzido para a alimentação, acabava destinado aos guerreiros, e assim, os demais habitantes começaram a passar sérias privações. Sem alternativas para manter seus guerreiros bem alimentados, o líder da aldeia acabou por escravizar seu povo, e entre eles, seu próprio filho Mays, que não tinha aptidões guerreiras.

Com o passar do tempo, uma grande estiagem foi anunciada, e na medida em que os campos secavam, o poderio guerreiro diminuía. Territórios foram perdidos para outros povos, que se aproveitavam da desgraça Mayrim para retomar o que lhes fora tirado em outros tempos. Alguns começaram a notar algo estranho naquela situação climática, pois apenas os campos da aldeia Mayrim é que se mantinham sem chuva, enquanto os demais se mostravam férteis. Então, para tentar entender o que estava ocorrendo, um grupo de Mayrins viajou durante dias, até encontrar um oráculo muito antigo, e que segundo a crença, falava com os deuses. Porém, o que eles ouviram desse oráculo, não foi nada bom.

--Vocês estão sendo castigados. A ganância os dominou, e em nome dela, vocês destruíram, mataram, tomaram o que não lhes pertencia, escravizaram. E agora, somente a chuva do arrependimento é que alimentará seu povo. Mas, somente a chuva mais pura.

Assim falou o oráculo, e depois se calou, sem explicar mais nada. Os anos passaram lentamente, com a situação de fome piorando a cada dia. Não existiam mais guerreiros, e sequer os líderes da aldeia aguentaram a fome, sucumbindo um a um. Um dos poucos que ainda se mantinha altivo e com ânimo, era Mays, o filho legítimo do último lider guerreiro. Mas, Mays era diferente, e não enxergava a guerra como um meio justo de viver. Pelo contrário, sempre teve amor pela terra e pelas coisas que ela oferecia. E mesmo enquanto escravo, nunca reclamou de lavrar ou plantar.

As coisas pioravam a cada dia, o que deixava até Mays muito entristecido e desanimado. Ele, agora casado e com filhos, via seu povo definhar ainda mais, e sabendo que tudo estava próximo do fim, foi até seu mirrado campo de plantio. A noite era de luar, o que permitia ver a secura da terra. Suas pernas, enfraquecidas pela fome, não aguentaram e jogaram-no ao chão de joelhos. Atrás dele, um de seus filhos, o mais velho, o observava, e ficou assustado quando uma luz intensa tomou seu pai.

Mays, ainda de joelhos, olhava para o alto e suplicava por seu povo. Olhou firmemente na direção da lua, e deixou que suas lágrimas corressem, até caírem de seu rosto e atingirem o chão. Aquela luz o tomou de tal forma, que seu corpo todo brilhava, e em instantes, ele desapareceu. Seu filho correu até onde ele estava, mas não encontrou nada alí. A única coisa que viu, foram alguns pontos brilhantes no chão, justamente onde as lágrimas de seu pai haviam caído. E o menino ficou ainda mais assustado ao ver, logo em seguida, brotar do chão um arbusto esquisito e brilhoso, trazendo nas pontas, as lágrimas de Mays. Gostas de chuva despencaram e molharam a face do menino, que não sabia se chorava pelo pai, ou se alegrava pelo fim da estiagem.

Image by Google
Depois daquilo, Mays nunca mais foi visto por ninguém. Contam que aqueles arbustos que o menino viu aparecer, cresceram como mágica e se multiplicaram, alimentando e salvando a aldeia Mayrim. Dizem, também, que isso só foi possível porque Mays chorou as lágrimas do arrependimento, e deu sua vida por seu povo, e os deuses reconheceram e retribuíram com a chuva pura em troca da vida daquele líder. Aqueles arbustos foram batizados de Zea Mays (traduzido, quer dizer “sustento da vida”), em homenagem ao grande chefe Mays, e hoje é amplamente consumido pelo mundo todo e popularmente conhecido como milho.


Marcio JR