sábado, 30 de abril de 2011

PENSANDO NA VIDA

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Nascemos para morrer um dia. Essa é a única coisa que se pode afirmar como certa nesse mundo. E pode acontecer amanhã, daqui um mês, um ano, cem anos. Mas um dia acontecerá.

Muitas pessoas afirmam que, pouco antes de “partirmos”
, assistimos a um pequeno filme de nossas vidas, e ali, constatamos todas as coisas boas e ruins pelas quais passamos ou fomos protagonistas. E nessa hora, vemos se nossa vida, realmente, valeu a pena.

Mas, por que esperar esse momento tão fatídico para fazer um balanço de nossas vidas? Por que não fazer isso de tempos em tempos, apenas para ver se está realmente tudo bem e, ainda melhor, se podemos fazer com que a vida valha ainda mais a pena? Então, mãos a obra.

música: ANANAU (grupo Alborada) - by YouTube

Procure um lugar tranquilo, longe de barulhos irritantes, pessoas que possam atrapalhar suas divagações, desligue seu celular, enfim, tire alguns minutos para você e seu espírito poderem conversar um pouco e comece, logicamente, do começo.

Sua infância. Ela valeu a pena? Você brincou tudo o que tinha direito de brincar? Correu, pulou, se machucou, “roubou frutas”, teve um cachorro, chorou o que pôde? Não? Meu amigo, a infância só passa no corpo, mas a mente e a alma sempre guardam uma criança. Nunca é tarde para fazer algumas estripulias, no bom sentido, claro. Nada pior do que um adulto que não teve uma boa infância. Ou você acha que me contenho quando posso brincar, correr, pular, fazer arte? Sou uma eterna criança, adoro isso, e não estou nem aí se alguém me taxar de bobo, de inconsequente. Bobo é aquele que não sabe aproveitar a vida, e inconsequente é aquele que, ao não brincar mais, acaba se estressando com a vida.

E a pré-adolescência? Os brinquedos são outros, as descobertas da vida iniciam, alguns começam a paquerar, achamos amigos, os esportes incitam sonhos. Viveu tudo isso? Foi bom? Eu jogo videogame sempre que me dá vontade. Só não abuso nos esportes, pois meu joelho esquerdo não gosta muito. Mas, te garanto, foi a fase da minha vida que mais aproveitei até agora, e se deixei de fazer algo lá atrás, faço agora, só para ter o gosto de ver como é.

A adolescência. Namorar, sair, passear, estudar, namorar, namorar e namorar. Também aparece o primeiro emprego para quem precisa trabalhar. Estudou? Namorou, passeou, curtiu bem? Nem preciso falar, não é? Eu não estudei tudo o que eu queria e estou com quarenta e três anos, mas pretendo, logo logo, mais alguns cursos, quem sabe uma faculdade também. Aliás, se deixar, passo a vida fazendo isso, pois simplesmente é um vício que tenho. Namorei pouco, mas diria que foi com muita qualidade, e saí muito, passeei muito. Como curti essa fase. Mas quero mais, ainda existem muitos lugares aos quais quero ir e conhecer. Só o primeiro emprego não foi lá essas coisas, mas consertei depois.

Fase adulta e suas responsabilidades. E nem venha me dizer que não há como se aproveitar bem a vida nesta fase, pois é justamente aqui que a vida nos dá mais oportunidades. O casamento, os filhos, a profissão definitiva, a liberdade e o gosto de ter o comando da própria vida, enfim, tantas coisas que esse período nos traz. Até mesmo o divórcio e os recomeços têm lá suas vantagens. Claro que um divórcio não é uma coisa boa, mas dá experiência e não tem que ser, necessariamente, regado à discórdia. Então? Tudo bem nesta etapa da vida? Não? Então, por que não faz algo para melhorar? Já estamos na idade adulta, e, com isso, seu tempo está esvaindo. Aproveite para melhorar agora, porque, se esperar muito, acaba sendo tarde.

Não posso falar muito da próxima e melhor fase, que alguns chamam de terceira idade, outros de melhor idade ou, ainda, de fase idosa. Mas, pode ter certeza de que, se Deus permitir, aproveitarei ao máximo.

Num balanço rápido, brinquei o que pude, aprontei muito, namorei pouco mas sempre foi muito proveitoso, tive bons empregos e em todos me empenhei e fui reconhecido, estudo e me informo desde que entrei numa escola, constitui família, me divorciei mas tenho uma amizade enorme com minha ex-esposa, e, para finalizar, existem duas coisas das quais muito me orgulho. A primeira é o meu namoro com as letras. Escrevo, muito, e escrevo porque gosto. Andei desmotivado, mas foi temporário, e voltei rapidinho e com a corda toda. A segunda, é meu xodó, minha maior contribuição para esse mundo, meu FILHO. Um garotão, que hoje está com 18 anos, e que se transformou num homem inteligente, honesto, carinhoso, companheiro e de um coração enorme. Minha semente para a eternidade está com ele, e tenho certeza de que será muito bem aproveitada.

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Se Deus me chamasse agora, neste exato momento, tenho certeza de que minha vida teria valido, e muito, a pena. Obviamente, iria negociar, pois ainda quero conhecer meus netos, alguns lugares onde ainda não estive, quero ler alguns livros, namorar mais um pouco, se possível ter mais uns filhos... mas a voz de nosso Pai é soberana. Creio que eu partiria sorrindo.



E você? Sua vida está valendo a pena até agora? Não? Então, está esperando o que para melhora-la?


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30 de abril.

Uma certa pessoa está de aniversário. Uma amiga. Não, mais do que uma amiga, uma verdadeira irmã de coração, que me atendeu em sua bondade quando precisei, que me aconselhou, que me orientou, puxou a orelha.

Gostaria de dar a ela um presente, mas, estamos distantes. Então, dou a ela essa energia tão grande e bonita que ela plantou em mim a algum tempo atrás. A energia da fé e da esperança, da amizade, da sabedoria de quem sabe olhar a vida, da humildade. Você me deu essa energia, e agora, te mando em dobro.

Ester, minha querida Hadassa.

Um dia especial, por certo, pois é seu aniversário.

No entanto, todos os dias são especiais, pois em cada dia, vejo o quanto valeu a pena ter você como amiga.

Um beijo enorme, e toda a felicidade do mundo, minha querida amiga.


Ester - blog Universos


Marcio JR

terça-feira, 26 de abril de 2011

QUEM DISSE QUE A FOFOCA É UM ATRIBUTO FEMININO?

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Diz o dicionário que a fofoca é o comentário sobre a vida alheia, boataria, balela, mexerico. Penso eu que ela nasce da necessidade que as pessoas possuem em se “meter” na vida alheia. E é engraçado como algo, por vezes tão fútil, consegue ganhar dimensões suficientes para provocar inimizades entre pessoas, separar casamentos ou por em pé de guerra famílias inteiras.



A fofoca não anda muito longe da mentira. A diferença é que a mentira já floresce baseada em inverdades, enquanto que a fofoca se inspira em algum fato corriqueiro e ganha novos aspectos ou elementos na medida em que passa de pessoa por pessoa. É impressionante como cada um que recebe aquela informação a repassa sempre com algum ponto a mais. E o que nasceu como uma mera letra “a”, em pouco tempo se transforma em um “alfabeto” inteiro. É engraçado observar a disseminação desses boatos, principalmente porque sempre que se conta um mexerico para alguém, se pede segredo naquela informação. E essa palavra, segredo, parece ser o gatilho que detona a explosividade do boato. Em questão de horas, todos sabem daquilo, inclusive a própria vítima em questão. E não é difícil encontrar fofoqueiros que, perdidos na imensidão em que isso se transforma, acabam contando para a própria pessoa que deu origem a boataria. Detalhe: ainda pedem que aquilo não vá adiante.


Mas quero fazer justiça aqui. Dizem que a mulher é a maior fofoqueira. Ledo engano. Muitos homens são verdadeiras “lavadeiras”, daqueles que ao ouvirem qualquer coisa, mesmo sabendo que pode não ser verdade, sentem o maior prazer em sair contando mundo afora o que ouviram. Conheço alguns que chegam a roer os cotovelos, motivados pela raiva, ao não conseguirem arrancar de alguém algum boato. Quer deixá-los com comichão? Simples. Coloque-os próximos a pessoas que estejam falando em tom de voz baixo, cochichando, e não os deixe chegarem próximos desse grupo. Em pouco tempo, eles irão beirar a aflição. E na hora de espalhar um boato então? A mulher, nesse ponto, é discreta, pois prefere fofocar em foro particular. Já o homem, esse se esparrama, conta para todo um grupo, e se possível, coloca até na internet. Mas ambos, tanto o homem quanto a mulher, se descobertos, sempre têm o desplante de negar, e o fazem com uma veemência irritante.


Em tempos passados, uns dez anos, ocorreu um caso que ficou conhecido em toda a minha região, e que, inclusive, deu origem a esta crônica. Um amigo, hoje muito bem casado (terceiro casamento), e que tinha o singelo apelido de “bico doce”, foi envolvido numa rede de fofocas que quase o fez mudar de cidade, pela vergonha que passou. Omitirei o nome do coitado do Régis por motivos óbvios.


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Conta a história que o “bico doce”, além de beber além da conta, não desprezava nem respeitava mulher alguma. Numa determinada noite, enganou a pobre da namorada e saiu com os amigos e, lá pelo meio da festa, se enroscou com uma loira alta e simplesmente desapareceu. Dois dias depois, reapareceu e comentou com um dos amigos de seu grupo por onde andou e o que esteve fazendo. Como a história toda poderia compromete-lo, quase suplicou sigilo naquilo tudo. E foi o que bastou para que o fato virasse a maior "bomba" de todos os tempos na região. Em questão de horas, todo o bairro já sabia do ocorrido, e com detalhes que sequer o “bico doce” conhecia. A coisa se espalhou de tal jeito, que até o padre, ao receber o “bico doce” para a confissão, saiu dizendo:


--Tá, pula essa parte, porque eu já sei da história.

Injuriado com tudo aquilo, o pobre do “bico doce” procurou pelo amigo a quem contara a história, com a intenção de tirar satisfações.

--É dessa forma que você mostra sua amizade por mim? --questionou o irritado “bico doce”.

--Mas o que foi que eu fiz? --retrucou o outro, com a maior cara-de-pau. –Só contei para mais uma pessoa.

--Tá, eu sei. Mas precisava contar todos os detalhes, inclusive que eu me enganei e saí com um travesti?


Pois é. Algumas coisas, não se conta nem para o melhor amigo. E se você quer segredo em algo, guarde o fato unicamente para você, não é mesmo, Bico Doce?

Marcio JR

sexta-feira, 22 de abril de 2011

CHICO CONTENTE - NÃO ERA O DIA DA ONÇA

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Chico Contente era um caboclinho que vivia pros lados de Piracicaba, isso lá nos idos da década de 30. Ligeiro na lábia, ganhava a vida com sua pequena tropa de mulas, mas a estrada de ferro teimava em tirar seus negócios. Contador de histórias e causos, era adorado por todos, e mesmo que ninguém acreditasse em uma palavra sequer que viesse de sua boca, bastava chegar em algum lugar, para que se formasse uma concorrida roda de prosa em torno dele.

--Oh! Chico. --alguém chamava, já puxando uma garrafa de pinga. --I aquela veiz qui a onça te incurralô, hómi? Conta pra nóis!

--Pois, óie! --Chico só olhava e mastigava os próprios lábios, enquanto media seu público. --Daquela veiz, mi deu inté um revertério:

“Tava eu cum minha Zarôia, aquela mula qui tenho i qui coxeia pru lado isquerdo, lá prás banda di Sorocaba. A noite tava arta i eu acindi a foguêra, mais a Zarôia tava por dimais inquieta. Fui ispreitá um poco mais adiante, i quano mi dô conta, a Zarôia passô qui nem corisco, i fiquei a pé. Prá piorá as coisa, inté a mardita da foguêra saiu no pinote. I foi intão que começô a miadera. Aquilo era qui nem qui casal di jumento zurrando, hómi! I o pior é qui vinha prás minha banda.”

--I ocê, hómi? --algum dos ouvintes se assustava, mesmo sem acreditar muito. --O qui ocê feiz?

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“Inveredei pros mato. Se ia fugir, tinha que achar argum canto miór prá módi camuflá, ou inté um rio prá podê atravessá no nado. I corri, corri qui corri, mais já tava cansado, c'as perna trançano iguar pato bêbado. Os miado ficô perto, e quano oiei pro lado, tava lá as bicha, uma parda e uma branquinha, branquinha”.

--Pára, Chico! Onça branca nos arredor di cá?

“Num ti méte, qui acho qui ela tava trocano as pena. Mais num pudia ficá alí, i corri di novo, inté qui cheguei num paredão di preda. Num sô di réza, mais naquela hora, caí de jueio no chão e juntei as mão, pedino pro Pai um cadinho de perdão pur tudas tramóia qui armei aqui. I fiquei alí, cos zóio fechado só isperano o bote das onça, i nada. Tudo ficô quétinho, quétinho”.

--Fala, hómi! --já berrava alguém, nervoso com a interrupção da história. --O qui as onça fizéro?

O Chico era mestre em preparar um cenário de suspense. Arregalava bem os olhos e mirava um por um de seus espectadores, até que arrematava:

“Ieu tava alí, rezano, i quano oiei pro lado, tava as duas onça, tumem di jueio no chão, cas pata de riba juntinha e dizeno ‘obrigado, Pai, pela refeição que nos concede...’ ”.

A gargalhada estourava por todos os lados, e quando todos achavam que o causo havia acabado, o Chico surpreendia e já falava:

“Mais cêis acham qui cabô? Cabô nada! Porveitei qui elas sí perdêro nos gardecimento, e piquei a mula, qui di burro, só meu pai quano foi prá capitar pra módi cumprá máquina di fazê chovê. Corri o qui pude, e as peste das onça atráis. Corri tanto, qui umas légua adespois, passei inté pela mula Zarôia, qui di tão cansada, tava inté coxando do otro lado, prá inconomizá perna. I as onça quasi no meu lombo. Inté qui Jisus arresorveu mi acudí”.

--Lá vem lorota di novo. --o padre, que estava sentado logo atrás do Chico, bronqueou e só coçou o queixo, esperando ansioso pelo final da narrativa.

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“Pois óie, seu padre, ti juro qui é vredade. Num tinha nadica naquela campina, i quano oiei di novo, tinha lá uma ingrejinha. Apressei a passada, mais já tava sentino o bafo quente delas no meu cangote. Tava veno qui num ia consegui chegá, i quano elas tava pra mi dá o bote, elas patináro i iscorregáro, i eu entrei na ingrejinha”.

Todos ficaram calados, apenas se olhando mutuamente. Aquela história ninguém conhecia ainda, e vinda do Chico, tudo era possível. O fato é que ele conseguiu seu propósito, e a dúvida remoia a cabeça de cada um, até que, sem aguentar, o padre levantou e encarou o Chico bem nos olhos, arrematando assustado.

--Mais, Chico, seu porquêra. Si tô no teu lugar, tinha me cagado intero, hómi!!

--Seu padre, cum todo respeito. Ondi u sinhô acha que as onça patináro i iscorregáro?


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Ana Marly de O. Jacobinio
Este "causo" é uma junção e adaptação de dois contos de domínio público, que deixo aqui em homenagem a minha querida amiga e "madrinha" literária, a piracicabana Ana Marly de Oliveira Jacobino.

Algumas pessoas, como a Ana, são donas de uma generosidade fora do comum, e não medem esforços para ajudar àqueles que estão começando algo em suas vidas. E esta caipiracicabana, como ela mesma se denomina, tem sido uma grande incentivadora e colaboradora em meu caminho literário, além de mestra e amiga.

Humilde, extremamente talentosa e dona de um dos sorrisos mais cativantes que conheço, mantém um blog onde canta uma de suas grandes paixões, ou seja, a cidade de Piracicaba (Agenda Cultural Piracicabana).

Então, a ti Ana, minha querida amiga e madrinha, assim como a todos aqueles que frequentam o ABISMO DAS VAIDADES e o ARENA DAS CRÔNICAS, uma PÁSCOA recheada de paz, amor e felicidades.

FELIZ PÁSCOA.
Marcio JR


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terça-feira, 19 de abril de 2011

SE CORRER, O BICHO PEGA...

Pinoquio (Studio Disney) / image by Google

Essa história faz parte dos “causos” contados por meu avô Vicente, e se deu lá pelos idos do meio do século passado, em algum vilarejo próximo a Curitiba. Dizia meu avô que tinha por lá um sujeitinho ligeiro na lábia, desses que te faz ficar em dúvida até sobre você mesmo e seu próprio nome. Quem o conhecia, jurava de pés juntos que ele dava nó em pingo d’água e rasteira em cobra. E como tudo naqueles vilarejos virava folclore e era aumentado a cada um que repassava adiante, a responsabilidade por tudo o que acontecia de ruim por ali acabava parando nas costas dele. Sua fama o precedia.

O fato é que, ciente disso, o sujeitinho vivia aprontando, e na maioria das vezes se apropriando do que era dos outros. Os meios que utilizava para tal feito não eram lá muito éticos, como a mentira ou a aplicação de golpes premeditados, e na maioria das vezes, o lesado só se dava conta da coisa muito tempo depois.

O moço já devia para quase todo o vilarejo, até que, cansados da situação, o povo resolveu dar um basta naquela situação e cobrar tudo o que ele devia. E assim foi. Mas, havia outro problema. O sujeitinho parecia ter uma bola de cristal que o avisava quando alguém iria cobrá-lo, e ele simplesmente desaparecia quando isso acontecia. Pensaram e repensaram, até que resolveram agir todos de uma só vez, cercando-o por todos os lados, e fizeram isso logo pela manhã.

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O sujeitinho, quando se deu conta, estava rodeado de gente falando pelos cotovelos. Ele tentou se esquivar de todas as formas, mas o máximo que conseguiu foi se agitar e ficar nervoso. E de tão agitado, enfartou. Ao menos, foi o que pareceu ter acontecido, pois seus olhos semi-cerrados e atentos, caso alguém os visse, teriam denunciado justamente o contrário, ou seja, mais uma de suas armações

--É! Enfarto fulminante... --comentou o dono da farmácia, decretando a morte do sujeitinho sem ao menos tocá-lo ou examiná-lo. --Até que eu gostava desse peste. Mas, por via das dúvidas, vamos enterrar logo, pois vai que ele ressuscita.

Muitos dos que estavam ali ficaram indignados, pois até nessa hora o sujeitinho deu prejuízo. Como não tinha família ou amigos, seriam os próprios moradores do local a pagar as custas do enterro. Então, para não sair muito caro, resolveram fazer aquilo de qualquer jeito mesmo. Falaram com o Padre e o dono da funerária, que também era dono da única loja de roupas da cidade, da fabriqueta de salame e da tropa de mulas, e acertaram a parte do enterro, e depois com o delegado, que como dono do bordel, também tinha muito para receber do sujeitinho. Da parte legal de tudo, além do delegado, o Padre, que caíra na besteira de comprar vinho falsificado do talzinho (pensando em economizar algum dinheiro), também se ocupou.

Levaram o corpo do sujeitinho para a funerária, que funcionava nos fundos da loja de roupas, e o enrolaram dos pés até a cabeça num lençol branco e o deixaram ali por algum tempo, sozinho. E teriam se assustado se tivessem permanecido ali, pois o sujeitinho, assim que ficou sozinho, abriu os olhos e se desenrolou daquele lençol, colocando em seu lugar um manequim que estava jogado num canto. Horas depois, já no cemitério e com o caixão fechado, todos lamentavam a morte dele, dizendo que “apesar de tudo, era um bom rapaz”.

Vários meses se passaram desde a “morte” do sujeitinho, até que num certo dia, no bar do vilarejo, algumas pessoas conversavam despretensiosamente sobre a vida e o quanto perderam em dinheiro para a lábia do “falecido sujeitinho”. Um dos homens se afastou do balcão e foi até o banheiro, já meio tonto com a quantidade de cachaça que havia ingerido. Ao voltar, fixou o olhar na porta e viu alguém parado ali, e carregando um ar muito jocoso. A princípio, não parecia ser ninguém da região, mas, a medida que o homem caminhou para o balcão, viu que aquela pessoa parecia, e muito, com alguém conhecido por ele. Desconfiado e curioso, o homem trocou o rumo e foi para a porta, para se certificar de quem se tratava. Os outros ocupantes do bar notaram e também olharam naquela direção, e se assustaram ao constatar quem era.

--Virge nossa!!! --falou o dono do bar, pálido. --É o sujeitinho...

--Vá de retro! --comentou outro, deixando cair o queixo. --Será que nem o capeta agüentou esse porquêra?

--Eu falei, eu tanto falei. --gritou aquele primeiro, que saíra do banheiro. --Tanto pedi prá enterrar esse praga mais fundo. Agora taí, voltou prá assombrar.

Todos começaram a se benzer e falar o que vinha na boca, assustados. Um dos homens, perto de uma garrafa de cachaça, a pegou e, ao invés de bebê-la, jogou no rosto, como se buscasse acordar daquele pesadelo. Tudo ficou ainda mais agitado quando, repentinamente, o sujeitinho começou a caminhar para eles. Foi o que bastou para gerar um pandemônio. Alguns pularam para trás do balcão, enquanto outros saíram pela janela. O dono do bar, mais afoito, pegou a espingarda de dois canos que deixava na parede, mas com o nervosismo comandando suas mãos, quase atirou no próprio pé. E a coisa só não foi pior porque o Padre, ao ver aquele alvoroço, correu para lá e acalmou tudo, tentando achar uma explicação lógica para o que estava acontecendo.

Após muita conversa, com direito as mais loucas teses e suposições por parte do povo, tudo se esclareceu. O sujeitinho, depois de se ver na maior enrascada de sua vida, criou juízo e achou um bom emprego. Juntou o quanto pode em dinheiro, de forma honesta, e voltou para corrigir seus erros do passado. Pretendia fazer tudo do jeito mais correto, e queria começar a pagar suas dívidas, mas havia esquecido de um pequeno detalhe: para todos os efeitos, ele estava morto.

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Minutos apenas foram necessários para que todo o vilarejo aparecesse naquele bar, e muito menos tempo foi preciso para a confusão se armar. Conta a história que o padre, ao se dar conta, só conseguiu ver o sujeitinho trilhando as pernas numa corrida espetacular. E atrás dele, todo o povo berrando:

--Pega! Mata esse morto safado!




Marcio JR

domingo, 17 de abril de 2011

HAJA PACIÊNCIA.

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Telepatia, adivinhações, telecinesia, enfim, os poderes da mente. O ser humano carrega uma ânsia premente em querer acreditar naquilo que não é comprovado. Isso tudo existe? É possível mover algo sem o contato físico e utilizando apenas esse poder mental? Não sei. O que cabe dizer aqui, é que carrego certo ceticismo com relação a tudo isso, e sou pragmático, portanto, não perco muito tempo me dedicando a algo que não é comprovado cientificamente, fato que já me livrou de vários engodos.

Pois bem. Sábado ensolarado e convidativo, tempo relativamente curto para as tarefas cotidianas, mas como ninguém é de ferro, nada como uma pescaria. E lá fomos nós, eu e aqueles outros dois do episódio das lontras e dos mosquitos que sequestraram meu celular. Por via das dúvidas, fomos a outro rio, para evitar contratempos e constrangimentos.

A pescaria foi farta, e na boca da noite já estávamos retornando para casa. No meio do caminho, no entanto, meus companheiros de pescaria repararam numa placa na beira da rodovia que indicava a tenda de um vidente. Não sei por que cargas d’água resolveram enveredar para aquele lugar, mas o fato é que aquilo acabou tirando minha paciência. Dois marmanjos já bem crescidos e educados nas melhores escolas, correndo atrás desse tipo de coisa? Era o cúmulo.

Como se não bastasse o fato de eu sentir “cheiro” de pilantragem na história, ao chegarmos lá, ainda descobri que a pessoa, um senhor já meio idoso, mas com aspecto um tanto jovial e conservado, era analfabeto. Nada contra o fato, mas aquilo deixou tudo ainda mais esquisito. E enquanto os outros dois foram para o “consultório” do adivinho, fiquei por ali, na ante-sala, olhando fotos e algumas revistas velhas. Engraçado é que naquelas fotos, todas enquadradas e dispostas pela parede, vi algumas pessoas bem conhecidas aqui pela minha cidade. Como esse povo pede para ser enganado, não é?

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Algum tempo depois, com a minha paciência já beirando o limite, meus amigos vieram até a ante-sala e praticamente me arrastaram para o consultório. Lá, descobri que, além das previsões que aquele senhor fazia, ele ainda convidava seus clientes para um jogo de adivinhações com um baralho. Era tudo muito simples, e a pessoa ainda poderia levar o próprio baralho, para que ninguém alegasse que existia marcação nas cartas. Ato seguinte, alguém desfolhava o baralho e ficava com algumas cartas na mão, sem mostrá-las ao tal vidente. Depois, ia dizendo o valor de alguma das cartas que estava em sua mão, e ele simplesmente indicava qual delas era a carta solicitada. Tudo muito simples, mas com o passar do tempo e com o acerto constante de cada carta, a coisa acaba ganhando ares maiores. Meus amigos ficavam embasbacados com aquilo, e eu, irritado. Como era possível acreditarem naquilo? Era tudo um truque, é claro que era.

Digo mais. Aquele homem só não arrancou o dinheiro daqueles dois otários porque não quis, pois os dois estavam literalmente a sua mercê. A hora passou rápida, e resolvi por um ponto final naquilo tudo. Nem preciso dizer o quanto fui criticado. No entanto, algo teria que ser feito para que meus dois amigos voltassem à realidade, aquela que afirmava que ambos estavam sendo enganados.

Para minha surpresa, aquele senhor pareceu ler minha mente. Olhou-me e citou, calmamente:

--Pelo visto, o moço já reparou que é tudo um truque, não é? Pois vou contar como tudo é feito.

Para mim, aquilo foi estranho mas, ao mesmo tempo, foi a glória. Eu estava certo. E fiquei só observando, de forma zombeteira, meus dois amigos, que àquela altura já nem sabiam mais em que (ou quem) acreditar. Até que, do nada, aquele homem levantou de onde estava e ficou apontando para trás de nós, exatamente para uma mesa, onde um cachorro vira-latas repousava. Ninguém entendeu patavinas, até que o homem explicou, com aquele jeito bem calmo e brejeiro.

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--Eu não adivinho nada. Não sei ler e sequer conheço os números. Mas o cachorro olha por cima dos ombros de vocês e me indica com o rabo qual é a carta que está sendo pedida. Só tenho o trabalho de ficar olhando para ele.

Todos se olharam e caíram na gargalhada. A credulidade veio por terra naquele momento, e ares de vergonha tomou o semblante daqueles dois. Quanta burrice. E, ao fim de tudo, eu fui o único inteligente da história. Ofereci cinco mil reais para aquele homem e comprei o cachorro. Vou ficar rico.


Marcio JR

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Pessoas são enganadas todos os dias, e das formas mais absurdas possíveis. Golpes como o do "bilhete premiado", por exemplo, faz com que alguns percam salários inteiros ou economias duramente juntadas em cadernetas de poupança, unicamente motivados pela ganância de obter ganho fácil em alguma coisa.

Diz um ditado antigo que “quando a esmola é muita, o santo desconfia”. E se existem pessoas desonestas aplicando golpes por aí com tanta facilidade, é porque existem muitas outras pessoas que se deixam enganar, seja pela credulidade, seja pela ganância que carregam.

Para aquele que quiser saber um pouco mais sobre o golpe do "bilhete premiado" e outros golpes aplicados até com certa frequência em terras tupiniquins, é só acessar o link abaixo:

sábado, 16 de abril de 2011

FÓRMULA PARA EMAGRECIMENTO RÁPIDO, CHÁS MILAGROSOS E AUTOMEDICAÇÃO. TEM LOUCO PARA TUDO.

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Reedição

Durante toda a minha vida, tenho encontrado pessoas perguntando o que é bom para curar isso, sarar aquilo, aliviar aquele outro. E sempre aparece alguém com um remédio milagroso para tudo. Muitos afirmam que nos dias de hoje, a medicina, seja no diagnóstico ou no tratamento, ou anda muito cara ou é ineficiente. Mas, o fato é que o hábito das “consultas populares” é muito mais antigo do que se pensa, e muitas vezes, causa sérios transtornos.

Uma das receitas mais esquisitas que ouvi no tocante ao emagrecimento, não que isso represente um medicamento, mas sempre aparecem fórmulas mirabolantes por aí, é o chá de pedra de rio. O(a) interessado(a) em perder alguns quilinhos deve ir até um arroio ou córrego de águas límpidas e coletar aquelas pedras cobertas de visgo verde que se acumulam no fundo do leito do córrego. Depois de limpar muito bem as pedras, as mesmas devem cozinhar, em água mineral, por uma hora. O líquido resultante deste cozimento deve ser ingerido sempre ao levantar pela manhã e antes de dormir, sendo esta a única coisa com a qual o indivíduo se alimentará por uma semana! Cá entre nós, para emagrecer dessa forma, as pedras são desnecessárias, pois ficar sem nenhum alimento sólido por sete dias, já é o suficiente para colocar qualquer um doente por inanição. O complicado é que, ao final deste prazo, a pessoa corre o risco de comer as pedras, motivado pela fome. Bom mesmo, para emagrecimento, é a Oryza Sativa, que pode ser consumida em qualquer horário, desde que moderadamente. O que é isso? Explico no decorrer do texto.

Saia Branca
A questão das fórmulas para emagrecimento foi apenas um exemplo para mostrar como as pessoas se iludem ao se entregar a qualquer conselho, de pessoas leigas, sobre medicamentos, chás ou alimentos estranhos ou desconhecidos. Um chá caseiro pode ser muito bom, como os de erva-doce, capim-limão, casca de frutas diversas e alguns outros, mas existem certos tipos que são extremamente tóxicos, como é o caso do chá de “saia-branca”, que algumas pessoas indicam como depurativo. Esta planta, também conhecida como trombeta, trombeteira ou zabumba, contém uma substância chamada “alcalóide beladonado” (atropina, escopolamina e hioscina), onde a ingestão pode provocar boca seca, pele ressecada, taquicardia, dilatação das pupilas, rubor da face, estado de agitação, alucinação, hipertermia e, nos casos mais graves, pode levar até a morte. E existem muitas outras plantas, presentes em qualquer jardim ou terreno baldio, que são um verdadeiro veneno, como é o caso do popular copo-de-leite, que tem em sua composição uma substância denominada oxalato de cálcio. A ingestão de uma simples flor causa sensação de queimação, edema (inchaço) de lábios, boca e língua, náuseas, vômitos, diarréia, salivação abundante, dificuldade de engolir e asfixia, e o contato com os olhos pode provocar irritação e lesão da córnea. Até a “mãe-boa”, uma erva rasteira e com aspecto inocente, gera graves problemas. Ela é consumida por quem tem problemas com gases intestinais, mas pode provocar o aparecimento de hepatite.

Mamona
Quer mais? A mamona é outro perigo. A presença de toxalbumina (ricina) em suas sementes pode ser letal. Se mastigadas e ingeridas, causam náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarréia mucosa e até sanguinolenta. Em casos mais agudos, podem ocorrer convulsões, coma e óbito. Outra planta perigosa é a mandioca brava, muito parecida com a que é largamente consumida pelo povo brasileiro. Ela libera uma substância que é conhecida no meio científico como ácido cianídrico, que entre outras coisas, pode acarretar distúrbios neurológicos, tais como sonolência, torpor, convulsões e coma.

Amanita Phalloides
Não se pode confiar também em qualquer palpite no tocante à alimentação. Muitas pessoas têm o hábito de achar que qualquer cogumelo é comestível. Ledo engano. Espécies como shitake, enoki, shimeji ou crimini, entre outros, podem ser consumidos sem maiores preocupações, desde que você saiba diferenciá-los de outros que são perigosos. No meu caso, prefiro comprá-los em supermercados, onde o nome do produto esteja escrito de forma bem clara num adesivo da embalagem ou numa tabuleta, ou então esperar que alguém os consuma primeiro, para depois, e muito depois, prová-los (e ainda assim, meio reticente). Brincadeiras a parte, veja o exemplo dos três cogumelos da família “amanita”: amanita muscaria, amanita phalloides e amanita caesarea. O último é comestível e muito saboroso, podendo ser consumido inclusive sem cozimento. Já o primeiro é alucinógeno, bastando 1 grama para deixar qualquer um meio “doidão” por várias horas. Já o tal amanita phalloides, que recebe o singelo e simpático nome popular de “chapéu da morte”, leva a óbito com a ingestão de uma pequena porção de 50 gramas. E se algum maluco precisar de uma forma rápida de suicídio, ele pode fazer um cozido desse cogumelo com o acompanhamento de uma porção de “fugu”, que nada mais é do que o famigerado peixe baiacu, rico em tetrodotoxina, um veneno 10 vezes mais forte que o cianeto (o veneno é encontrado numa bolsa, perto das brânquias; neste caso, para ingerir o peixe com segurança, essas bolsas devem ser retiradas sem seu rompimento... mas nem assim eu arrisco o consumo). E, a bem da verdade, enquanto existir picanha e alcatra, para que me preocupar em comer baiacu?

Para encerrar, não poderia deixar de falar da automedicação. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma), vinte mil pessoas morrem no Brasil, a cada ano, vítimas do uso inadvertido de medicamentos. As causas, na maioria das vezes, são a intoxicação e as reações de hipersensibilidade ou alergia.

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Um dos principais males da automedicação se dá quando o indivíduo já passa por algum tratamento com determinada medicação e ingere outra, por conta própria. Um medicamento pode desestruturar a ação do outro, causando efeitos colaterais indesejáveis. Até mesmo pessoas que não passam por nenhum tipo de tratamento, podem sofrer as consequências por ingestão de medicamentos aparentemente inofensivos.

O uso prolongado de ácido acetilsalicílico (analgésicos), por exemplo, pode ocasionar lesões na mucosa gástrica, além de ter ação anticoagulante, o que pode levar a hemorragia ou sangramento interno. Um mero antigripal, em seu uso constante, tende a aumentar a pressão arterial, assim como a intra-ocular e os batimentos cardíacos. Sem contar que alguns deles apresentam substâncias em suas fórmulas que podem afetar a próstata e, dessa forma, gerar retenção urinária. E, além disso tudo, ainda existe a questão de que um medicamento serve para um fim específico, e não para um fim imaginado. Na maioria das vezes, a pessoa “acha” que está com tal problema, quando na verdade, o problema pode ser outro. Então, tomar medicamentos por conta própria é, além de irresponsabilidade, um grande risco à saúde. Mas, pergunte para qualquer pessoa o que é bom para o seu problema, seja ele qual for. Você, quase sempre, obterá uma resposta com o nome de algum medicamento ou chá que, na maioria das vezes, faz “verdadeiros milagres**”.

Oryza Sativa / Arroz Branco
E, para aquele que chegou até aqui e quer saber qual é o meu segredo para o emagrecimento, vou contar o que é a Oryza Sativa. Muitos a consomem no seu dia-a-dia, e nada mais é do que nosso bom e velho ARROZ. O que? O arroz não emagrece? Perdão pela dica errada. Ao menos, ninguém morrerá se resolver segui-la.



Marcio JR


**Ingerir medicamentos por conta própria é perigoso. Consultar um médico é sempre uma atitude mais razoável e saudável.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TRAVESSURAS DA LOIRINHA: PAPAI DO CÉU "ON LINE"?

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--Oh! Manhêêêêê!!!

O grito foi ouvido lá da biblioteca, mas a mãe preferiu aguardar a loirinha chegar até lá. Alguma coisa ela estava aprontando, então, era melhor se preparar.

--Mãezinha! É verdade que Papai do Céu é o que existe de mais poderoso neste mundo? --a loirinha perguntou meio entristecida, o que deixou a mãe intrigada.

--É claro, meu amor! Mas, por que você está perguntando isso?

--Posso usar o computador, mamãe? Preciso entrar no Google e ver se encontro o MSN ou o Orkut do Papai do Céu. Quero ver se ele está online. Deixa, vai? Eu preciso!

A loirinha praticamente implorava para a mãe, o que a deixou ainda mais curiosa, principalmente pela aflição que a menina aplicava naquelas palavras. Ou seja, era ainda mais sério do que o habitual.

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--Deus está sempre “on line” em nossos corações, minha criança, e não tem necessidade de um computador para falar com Ele! --a mãe explicou, calmamente. --Agora, me diz o porquê de toda essa aflição, vai.

--É que só Ele pode me ajudar. Eu to fritinha, e acho que mal passada ainda por cima.

--Tá. Já vi que você andou aprontando feio. Me conta, por favor.

--Sabe aquela minha boneca velha, a Pulguinha? Pois é, eu estava brincando com ela lá fora, e a Clarinha chegou. Nos descuidamos, e deixei a boneca em cima daquele negócio de por o lixo, e o lixeiro levou. Agora, preciso achar um jeito de ir lá buscar. E acho que só Papai do Céu prá me tirar desse apuro.

Neste momento, a mãe estarreceu. Sua loirinha, preocupada com um brinquedo velho? E, ainda por cima, com a intenção de consertar um descuido?

--Filhinha, meu amor. Deixe isso prá lá. Era um brinquedo que você já nem brincava mais. E numa dessas, alguma criança pode achar e ficar feliz com ele.

--Então, tá tudo bem? Jura que não vai brigar comigo por isso?

--Claro que juro, minha criança.

A menina sorriu e beijou ternamente o rosto da mãe.

--Papai do Céu é bom mesmo nesse negócio de defender as pessoas. Nem precisei falar com Ele, e Ele já ajeitou tudo. Só tem mais uma coisa, mami. Tomara que a criança que ache a boneca, goste também das coisas com que enfeitei a Pulguinha.

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--Meu sapatinho, tinha que ter caroço nesse angu. --a mãe empalideceu, prevendo algo ruim. --O que são essas “coisas” que você utilizou para “enfeitar” a Pulguinha?

--Umas roupinhas de outras bonecas, e aquele presente que o papai te deu na semana passada.

--Minha gargantilha de brilhantes com ouro branco... Volta aqui, filha... filhaaaaaaaaaaaaaaa!

Marcio JR

terça-feira, 12 de abril de 2011

EDUCANDO PELO MEDO / ou / “PAU NO BICHO”

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Meu avô materno, Vicente, era um descendente de poloneses em sua segunda geração no Brasil. Não o conheci, pois faleceu em 1967, um ano antes de meu nascimento, mas por relatos confiáveis e apaixonados, sei que era daqueles homens que mantinha no fio do bigode a sua reputação. Valia o primeiro dito, e a hombridade era sua mentora. Baixinho, portava um bigode vasto, cujo cuidado extrapolava até o bom senso. Homem de palavra forte, no entanto, com um coração capaz de explodir frente a qualquer injustiça.

Roceiro que acabou sendo por toda sua vida, foi criado naquele sistema antigo, pela imposição do medo. Se fizesse tal coisa o dedo cairia, se falasse palavrões ou mentiras a língua secaria, se não obedecesse aos pais, o “coisa ruim” apareceria, e por aí vai. Hoje, as crianças dariam risadas frente a tal coisa, mas na época (começo do século passado), era tudo levado muito a sério, e o medo imperava.

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E meu avô cresceu. Já na pós-adolescência, se transformou num músico por natureza. Não sabia ler ou escrever, mas a sanfona e a “requinta” dispensavam essas necessidades. Para os pais, aquilo era um problema. Como segurar em casa um jovem talentoso e trabalhador, se as moçoilas estavam ávidas por casar rapidamente? Acabavam empunhando o medo como jeito de censurar e manipular. “Não saia a noite, pois o ‘coisa ruim’ pode te seguir”, dizia minha bisavó. “Olha, que o ‘bicho feio’ vem levar teu dinheiro”, completava meu bisavô.

Numa tarde, após entregar uma carroçada de hortaliças numa quitanda, meu avô se preparava para ir ao baile. Seus pais, cuidadosos em excesso com ele, começaram com as suas. “Vi aquele do capote (o ‘coisa ruim’) rondando por aqui”, dizia a mãe. E lá vinha o pai: Óie... se você sentir cheiro de enxofre, pique a mula. E nada dele desistir de ir ao tal baile. Era maior de idade, gostava de um vaneirão, e por certo iria, com ou sem aprovação dos pais, o que era uma coisa rara para a época.

Procurando não dar muito ouvidos, mas temeroso, lá foi meu avô, montado em sua égua. Tinha um enorme cuidado e amor por qualquer animal, mas aquela potranca era especial. Na ida, e com tudo claro, nenhum problema, já na volta do baile, com tudo escuro e virado num breu, a coisa apertava. E mesmo Vicente sendo daqueles que não corria de ser vivente algum, tremia na base quando o assunto era qualquer coisa do outro mundo.

Ao chegar perto de casa, foi logo desencilhar a égua e tratá-la, mas afinou os ouvidos, pensando ter escutado alguém pisar o capim seco. Um arrepio correu por sua espinha e incomodou até a égua, que ficou arisca, e o assustou mais ainda. “Será o cramunhão? Jesus tem piedade!”. Com esses pensamentos, meu avô terminou o trato ao animal e se preparou para sair do celeiro. Olhou para o lado e viu um chicote trançado, feito de couro cru. O pegou e saiu pé ante pé. Os olhos, inquietos, divisavam tudo em linha reta, e quando virou porta afora, um uivo esganiçado tomou conta do ambiente.

--Valha-me, Deus. Vá de retro, coisa ruim. Tem piedade dessa alma minha, que é a única que eu tenho... --ficou em silêncio por um instante e olhou para o chão. --Você? Cão danado. Devia te dar uma bronca por quase fazer eu me borrar.

Meu avô tinha um cachorro perdigueiro que vivia aos seus pés, e na saída, o coitado do animal estava deitado à porta. Sem vê-lo, meu avô pisou em sua pata e a gritaria foi enorme. Mais calmo, mas com o coração ainda acelerado, lá foi Vicente no caminho de casa. Tudo ali era distante, e para chegar até lá, tinha que passar por duas porteiras e um mata-burro. Um pouco adiante, no meio de algumas árvores e passagem obrigatória, algo se mexia, como uma sombra.

mata-burro / image by Google
Na medida em que se aproximava daquele pequeno bosque, meu avô arqueava os ombros. “Será?”, pensava ele, temeroso. Mas seguiu, olhando para o cachorro e tocando-o a frente dele. “Vai, cão. Qualquer coisa, eu te defendo!”, resmungava. E a escuridão parecia aumentar, junto com a chuva fina, que deixava tudo muito liso. Quando finalmente chegou até as árvores, um cheiro enjoativo, parecendo algo apodrecido, veio até suas narinas. Aquilo o deixou ainda mais temeroso. Como se não bastasse isso, uma sombra surgiu dentre as árvores, parecendo envolta numa grande capa. E daquela sombra, uma voz rouca começou a falar, deixando meu avô pálido e tremendo até o calcanhar. Ele tentou caminhar para trás, mas patinou no terreno e caiu sentado.

--O dinheiro! --falou aquela voz, parecendo tomar todo o ambiente. --O dinheiro!

Ao se por em pé, meu avô lembrou do chicote que carregava, e não pensou duas vezes. Bateu com gosto, e foi batendo, batendo, até que aquela sombra saiu correndo pelo meio do campo. A sombra despencou para um lado, e meu avô para o outro, sem sequer lembrar do barro pelo carreiro.

Entrou em casa e correu para um canto, olhando pelo estreito da janela. Todos se assustaram, e minha bisavó logo perguntou:

--O que é isso, criatura? Até parece que viu o “coisa ruim”? Cumpadí Honório teve aqui inda agorinha. Por sorte, ele não te viu nessa agonia toda, senão, amanhã corria que você era um frozinha. O que foi? Brigou no baile? Bem feito.

Meu avô nem quis se ater naquela conversa. Quem sabe, nem conseguisse falar, frente ao susto. Mas, tudo bem, no outro dia contaria o ocorrido. E assim, a noite passou, lenta e com ele coberto até a cabeça. Já cedo, mal saindo da madrugada, um bafafá enorme se armava na cozinha. Vicente levantou e espreitou, estranhando a presença do padre e do padrinho Honório ali, naquela hora.

--Vicente, venha aqui, meu filho. O que aconteceu ontem, afinal? --o pai perguntou, apertando o cachimbo contra a boca.

Meu avô relatou tudo, se vangloriando de ter dado a maior surra no “coisa ruim”.

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--Que “coisa ruim”, que nada! --o padre gritou, interrompendo a narrativa de meu avô --o tal “coisa ruim” que você chicoteou, era o teu padrinho Honório, que estava escondido naquelas árvores para se proteger da chuva.

--Mas, e aquela voz esquisita, e ainda por cima me pedindo dinheiro, igual que nem que minha mãe sempre fala? --meu avô argumentou, pasmo.

--Ele tá que não pode nem falar, de tão rouco pelas cantorias nesses bailes. E o dinheiro? Tinha vindo te pagar pelo carregamento de legumes de hoje à tarde, seu abestado. --o padre completou, visivelmente irritado.

--Mas... Mas... E aquele cheiro ruim, parecendo sovaco sujo de cavalo? Não é o cheiro do inferno? --meu avô continuou, como se tentasse ainda se defender.

O padre respirou fundo e olhou para todos, completando.

--Já cansei de falar pro Honório tomar um banho por semana, pelo menos, que evita muitas coisas ruins. Muitas.



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Em homenagem a meu avô materno, Vicente Staroy, que o câncer levou deste mundo em janeiro de 1967. Um homem que não conheci, mas que respeito e admiro. Nascido e criado na roça, um respeitador das leis de Deus, teve em seu caráter e na força dos braços as ferramentas para criar 10 filhos, e dar a eles um exemplo a ser seguido. Sem contar que deixou um infindável número de “causos” a serem contados.

Marcio JR